Caducou a MP 557: Vitória dos movimentos sociais

Conceição Lemes

Aconteceu o que os movimentos feministas e entidades que se ocupam de saúde da mulher, direitos reprodutivos e direitos sexuais tanto desejavam: caducou a medida provisória 557, que instituía o cadastro da gestante.  A Câmara dos Deputados tinha até quinta-feira 31 para votá-la. Como isso não aconteceu, perdeu a validade.

Ontem, desde cedo, a médica, escritora e feminista histórica Fátima Oliveira comemorou no twítter.
Por isso, pedimos a algumas feministas históricas e a Gerson Carneiro que comentassem esta vitória suada dos movimentos sociais.  Confiram:

Beatriz Galli, advogada, integrante das comissões de Bioética e Biodireito da OAB-RJ, e assessora de políticas para a América Latina do Ipas:

“Foi uma vitória para os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. É o reconhecimento de que o tema da mortalidade materna deve ser abordado com ênfase nos direitos humanos, com a devida participação da sociedade civil e com transparência por parte do governo”.

Maria José Rosado, Católicas pelo Direito de Decidir:

“Ao não ser aprovada a MP 557, a privacidade e a autonomia reprodutiva das mulheres foram respeitadas”.

Jurema Werneck, médica, integrante da mesa diretora do Conselho Nacional de Saúde (CNS), onde representa a Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras:

Temos que comemorar este freio na onda conservadora dentro e fora do Congresso Nacional, dentro e fora do governo federal.

Conseguimos impor um limite. Agora, continuaremos lutando para que o debate, as ações e as políticas referentes à saúde da mulher e aos nossos direitos sexuais e reprodutivos retornem a patamares de democracia, de antirracismo e antimisoginia, de respeito à laicidade do Estado e a nós, principais interessadas e protagonistas destes processo. Falta menos. Viva!

Sonia Corrêa, pesquisadora associada da ABIA, co-coordenadora do Observatório de Sexualidade e Política:

As muitas narrativas sobre o percurso que vai da publicação da MP 557, na calada do recesso de fim de ano, até seu arquivamento por decurso de prazo, devem ser recuperadas em suas idas e voltas e minúcias, pois dizem muito sobre os limites e possibilidades da política feminista no Brasil de 2012.

Mas, hoje, nós, as feministas de todos os quadrantes que estivemos envolvidas nessa batalha, só temos a comemorar. Tomadas de surpresa no dia 27 de dezembro de 2011, quando o avião não tripulado da medida provisória foi lançado sobre a autonomia reprodutiva e a privacidade das mulheres brasileiras, conseguimos resistir, resistir e resistir.

Fomos, de fato, o contrapeso face às forças estatais e não estatais que conceberam a MP 557, entre outras razões, para incluir, pela porta do fundo, o direito do nascituro num texto legal. Conseguimos dar visibilidade internacional aos graves problemas da medida e ao debate interno sobre a mesma. Conseguimos persuadir outras vozes da sociedade civil sobre os efeitos potencialmente nefastos do texto apresentado ao Congresso Nacional. Conseguimos trazer de novo à pauta a agenda de uma política ampla de saúde sexual e reprodutiva que, desde 2011, vem sendo sepultada pelo “de volta ao futuro” da saúde materno-infantil. Há, sem dúvida, muitas outras batalhas, pela frente. Mas essa nós levamos. Já posso tirar o Xô Cegonha do meu Facebook!

Gerson Carneiro:

Até onde estou entendendo a MP 557 perdeu a eficácia em virtude do esfriamento dos ânimos dos que pretendiam levá-la adiante, acreditando tratar-se de uma medida nascitura (já concebida, cujo nascimento se espera como fato futuro certo) e não natimorta. E tal esfriamento se deu face ao ativismo dos que desde a concepção da MP 557 combateram a precipitada medida.

No meu entendimento, vislumbro a preocupação dos que defenderam a MP 557 não com a saúde da gestante mas sim, volto a afirmar, com o controle da livre decisão pessoal daquela sobre o seu corpo e suas opções íntimas, o que fez com que a questão fosse transformada em disputa de torcidas pelos simpatizantes da precipitação da MP 557, desprezando a amplitude do debate com a diversidade de entidades e autoridades diretamente ligadas ao assunto.

A batalha foi pesada. Enfrentamos muita gente disposta apenas à depreciação do debate. Saltou às vistas a quantidade de aparições sistemáticas de comentários nos inúmeros posts publicados aqui no Viomundo, apenas com esse objetivo. Mas, enfim, o bem vence o mal. Seguiremos na luta. Há muito por fazer. O mundo começa agora. Apenas começamos.

E agora?

“É festejar e ficar de olho…para impedir rebordosas…”, arremata Fátima Oliveira.

Para completar, segue um texto de Kauara Rodrigues, assessora do Cfemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria), sobre o tema.

31 DE MAIO SEM MP 557/2011: VITÓRIA PARA AS MULHERES BRASILEIRAS

por Kauara Rodrigues, Cfemea

Nesse mês de maio, marcado pelo dia 28 como dia de combate à mortalidade materna, nós, mulheres brasileiras, devemos celebrar uma importante conquista dos movimentos feministas: a equivocada Medida Provisória nº 557/2011 perde a validade hoje, dia 31 de maio.

Tal Medida, editada pelo Governo no dia 26 de dezembro de 2011, visa instituir o cadastramento compulsório das gestantes para supostamente garantir a saúde da mulher e do nascituro, prevendo também o pagamento de uma bolsa auxílio ao pré-natal de R$ 50 para transporte das mulheres aos serviços de saúde. A justificativa é reduzir a mortalidade materna no país, que possui taxas elevadíssimas: em 2010 a razão de morte materna foi de 68 óbitos por 100 mil nascidos vivos. A recomendação da Organização Mundial de Saúde – OMS é de que haja, no máximo, 20 casos de morte materna a cada 100 mil nascidos vivos. Por isso, a redução da morte materna é uma das metas do milênio que dificilmente nosso país cumprirá até 2015, já que a queda tem sido lenta nos últimos anos.

Desde que foi editada – sem nenhum diálogo com a sociedade civil comprometida com o tema – os movimentos feministas e de mulheres, juntamente com setores da saúde coletiva e de direitos humanos, têm se mobilizado e feito duras críticas para impedir a aprovação da Medida. Isso porque, ao contrário do que se propõe, ela não é capaz de combater a mortalidade materna.

Seu texto não dialoga com agenda dos direitos sexuais e direitos reprodutivos, tampouco com as estratégias já construídas coletivamente, como o Plano Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), existente desde 2004. Ademais, entendemos que a vigilância epidemiológica é pertinente e relevante, mas deve se voltar aos serviços de saúde e não às mulheres, o que viola o direito à privacidade e ao sigilo. Importante ressaltar que o problema da mortalidade materna no país está principalmente na falta de qualidade dos serviços e do atendimento prestado às mulheres gestantes e não no acesso ao pré-natal, que tem aumentado significamente no país. As mulheres estão morrendo dentro dos hospitais e maternidades!

Entre os conjunto de erros trazidos no bojo da Medida está também o financiamento da bolsa a partir da utilização de recursos da saúde para ação típica de assistência social. Por fim, outro ponto problemático era a figura do nascituro no texto da legislação, que representava um grave retrocesso aos direitos já conquistados pelas mulheres, pois inviabilizaria o atendimento daquelas mulheres que decidiram voluntariamente interromper a gravidez, inclusive nos casos permitidos por lei. Diante de tamanho absurdo e após muitas pressões, a presidenta Dilma Rousseff reconheceu o erro e reeditou a Medida em janeiro de 2012, retirando o artigo do nascituro. Mas essa primeira vitória dos movimentos feministas ainda era insuficiente.

Em primeiro lugar porque, conforme já havíamos alertado, ao chegar ao Congresso Nacional, a Medida recebeu 114 emendas ao seu texto – algumas para melhorá-lo e outras para retrocedê-lo ainda mais, inclusive trazendo novamente a figura do nascituro. E assim todas as demais falhas apontadas na Medida se mantinham presentes, com o risco de serem votadas e tornadas lei por bancadas comprometidas com o conservadorismo religioso e moral, sedentas por cargos no Governo Federal e sem nenhuma preocupação com a vida e saúde das mulheres.

Diante disso, os movimentos feministas intensificaram uma verdadeira jornada contra a Medida, através de inúmeras manifestações públicas, notas de repúdio, reuniões com membros do Executivo, parlamentares, Conselho Nacional de Saúde, CISMU, tuitaços etc. E hoje, com a não votação da Medida e perda de sua eficácia, parabenizamos todas e todos que lutaram para esse resultado, e aproveitamos para celebrar a força dos movimentos feministas lembrando que:

Não aceitamos quaisquer medidas que ameacem e retrocedam nossos direitos reprodutivos! Lutamos por políticas públicas de saúde que respeitem nossa autonomia,  com ênfase na saúde integral das mulheres.