Calote deixa saúde do sistema mais frágil

Correio Braziliense – 05/06/2012

Governo incentiva o crédito, mas quebra de banco mostra que riscos são cada vez maiores

Ter crédito é bom, mas se endividar além da conta pode ser um problema para as famílias e para os próprios bancos, que trabalham alavancados, ou seja, pegam dinheiro de quem tem para emprestar a quem não tem. Mesmo diante do aumento da inadimplência (7,6% das operações de crédito em abril) e das provisões feitas pelo sistema financeiro (de R$ 119,9 bilhões), o governo continua incentivando as famílias a pegarem crédito, única forma de manter aquecido o consumo e, com ele, o crescimento da economia.

No mercado, há quem já chame a atitude de irresponsável, pois pode provocar problemas na saúde do sistema financeiro, abalado ontem com a intervenção do Banco Central no Banco Cruzeiro do Sul. “O excesso de crédito é tão ruim ou pior que a falta dele”, disse um analista que prefere não se identificar. Isso porque, segundo ele, as famílias estão comprometendo parte considerável da renda futura com o            pagamento de prestações presentes. “Qualquer frustração de renda poderá significar mais inadimplência e se ela crescer muito pode sim comprometer a saúde do sistema bancário” disse a mesma fonte. Não é o que o Banco Central alega que aconteceu com o banco Cruzeiro do Sul, colocado ontem sob Regime de Administração Especial Temporário (Raet) por problemas de gestão.

Para o economista José Márcio Camargo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), o problema não está na concessão do crédito, que só recentemente está se expandindo na economia brasileira, nem na taxa de endividamento dos brasileiros, que ainda é baixa na comparação internacional. O problema, segundo ele, é o elevado comprometimento da renda com os financiamentos, principalmente por parte das famílias das classes mais baixas. “Quem demanda crédito no Brasil é de renda média e baixa. Como as taxas de juros ainda são muito elevadas, quem tem poupança usa os recursos guardados para o consumo. Quem não tem se endivida”, observou.

A massoterapeuta Glebia Fernandes, de 28 anos, já sentiu isso na pele. Com emprego que ela dava como garantido, Glebia tinha como hábito pagar parte substancial do consumo mensal com o cartão de crédito. Após ter comprado fogão, geladeira e assumido outros gastos que, somados, resultaram em mais de R$ 1,5 mil, Glebia perdeu o emprego e foi parar na lista dos inadimplentes. “Fiquei sem saber como fazer para pagar às dívidas. Sem trabalhar complicou demais”, afirmou. A consumidora sabe que os juros acumulados vão custar caro na hora que puder quitar suas dívidas. “Sei que vou pagar muito mais do que gastei, mas não vejo a hora de regularizar minha situação com o banco.”

A situação de Glebia só confirma o estudo feito pela MB Associados, do economista tucano José Carlos Mendonça de Barros. Usando dados da Pesquisa de Orçamento das Famílias, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a consultoria chegou à conclusão de que 1/4 das famílias estão mais do que endividadas. São 14,1 milhões que comprometem mais de 30% da renda mensal com o pagamento de dívidas.