Caminhões são a nova ameaça ao ar de Cubatão
Valor Econômico – 15/03/2012
Vinte anos após receber da ONU o selo verde como símbolo de recuperação ambiental, Cubatão (SP), que já foi considerada a cidade mais poluída do mundo, vê seu feito ameaçado. A recorrência de congestionamentos de caminhões e o avanço das atividades de apoio à operação portuária na cidade elevaram a emissão de material particulado no ar. Nada, porém, que se assemelhe ao tenebroso cenário do passado, quando o volume de poluição lançado pelo polo industrial superava em mais de três vezes o permitido, sendo recorrentes os estados de emergência.
“Com a carência de espaço na área portuária de Santos, o retroporto pegou um pedacinho de Cubatão. Hoje temos um pátio gigantesco de caminhões em frente à nossa estação”, diz o gerente da Cetesb, a agência ambiental estadual, em Cubatão, Marcos Cipriano. “Assim, além da fonte fixa de poluição, as chaminés das indústrias, passamos a ter outra preocupação: a fonte móvel, com queima de combustível acentuada.”
Desde 2002, quando o primeiro grande pátio de carretas foi instalado, os valores emitidos aumentaram com a ressuspensão do material particulado, o vilão da poluição dos anos 80. Somente quando o estacionamento foi pavimentado, em 2009, os volumes caíram, se mantendo mais ou menos estáveis. Ainda assim, acima do padrão de qualidade do ar, que estipula média de 50 microgramas por metro cúbico (50 mcg/m3) por ano.
A Vila Parisi, antigo bairro operário onde hoje estão as indústrias, encerrou 2010, ano do último relatório da Cetesb, com concentração média de 68 mcg/m3. Já o centro de Cubatão ficou em 29 mcg/m3. Apesar de os valores da Vila Parisi nunca terem se encaixado no padrão de qualidade, estão dentro de uma margem aceitável, diz Cipriano. “Ali ninguém fica 24 horas por dia. Desde 1995 não temos nenhum episódio de alerta nem de emergência. No passado era rotineiro.”
Para a prefeitura, quando se fala em poluição em Cubatão é fundamental diferenciar a área urbana da industrial, onde não mais há pessoas morando. Devido ao passado poluído, a cidade possui duas estações de medição da qualidade do ar. E é a única do país a ter uma delas “na saída da chaminé”. Nos outros municípios o monitoramento é feito nos centros urbanos.
“Em mais de 90% dos dias do ano a qualidade do ar na área urbana supera indicadores como os do Ibirapuera em São Paulo”, diz o secretário de Meio Ambiente da cidade, Benito Gonzalez. Para separar o joio do trigo, a prefeita Marcia Rosa (PT) quer destacar a zona industrial como um distrito.
Os atuais parâmetros de classificação do ar, considerados por demais elásticos por especialistas, mudarão neste ano. E aí Cubatão, mais que qualquer cidade do Estado, terá de trocar a roda com o carro andando, e em alta velocidade.
O governo do Estado debate um decreto para tornar mais rígidos os critérios de lançamento de material particulado, que são de 1976. O objetivo é cumprir os níveis da Organização Mundial de Saúde, órgão da ONU que realiza em junho a conferência Rio+20. A redução será escalonada, devendo estabelecer o limiar de qualidade em 20 mcg/m3 na última etapa. “São metas ambiciosas. Mesmo com todos os incrementos, acho complicado atingir na área industrial, porque mudou o cenário do passado, quando só tínhamos a fonte fixa”, diz o gerente da Cetesb.
Para a pesquisadora Simone Valarini, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, diminuir o limite é mais do que necessário. Só que é preciso, também, estabelecer limites diferentes para cada tipo de material particulado, como já ocorre em outros países. Eles se subdividem em três: fino, grosso e inalável. O Brasil só tem padrão de qualidade para o inalável. Assim, acaba-se usando o padrão do inalável para os demais. O problema é que o material particulado fino é pior para a saúde, porque consegue chegar ao pulmão. “Quando a Cetesb fala que a poluição passou do limite, é que passou do limite para o inalável”, diz Simone.
A prefeita Marcia Rosa avalia que parte do problema pode ser resolvida se a região da Baixada Santista, formada por nove cidades, for encarada de forma metropolitana também quando é necessário dividir o ônus. “Quando o trecho Sul do Rodoanel ficou pronto, ele deu fluidez maior ao trânsito de São Paulo. Mas o gargalo foi para algum lugar, aumentou na descida.” O tráfego de caminhões no Sistema Anchieta-Imigrantes cresceu 10,7% entre 2008 e 2011, para 6,7 milhões de carretas no ano passado. Cubatão é a única cidade cortada pelas quatro rodovias do sistema. Com o aumento do comércio exterior e praticamente a mesma infraestrutura de acesso na chegada à região, os congestionamentos ficaram recorrentes.
O cenário é agravado pelo fato de 85% das cargas movimentadas no porto de Santos acessarem o complexo sobre rodas. “Um caminhão parado ligado emite quatro vezes mais poluentes que andando. Não é só a logística, a mobilidade urbana está com uma doença crônica”, diz Marcia.