Canadá e Viena: mudanças globais nas políticas de drogas?
Por Marcelo da Silveira Camos(*)/ publicado no Correio Braziliense
Em 1º de abril de 2014, as regras que regem a produção da maconha medicinal no Canadá vão se modificar radicalmente. Atualmente, cerca de 37 mil canadenses estão licenciados para produzir a própria cannabis para uso medicinal ou adquiri-la por meio de pequenos produtores, o que foi autorizado ainda em 2001. No entanto, a partir do próximo mês, os usuários de maconha para fins medicinais deverão comprar diretamente em locais autorizados a cultivar e vender maconha pela Health Canada (espécie de Anvisa daquele país), de acordo com novas normas de regulamentação, por meio de política de regulação medicinal da maconha (New Marihuana for Medical Purposes Regulations — MMPR).
Em números, as estimativas da agência do governo canadense apontam o crescimento do número de usuários por decorrência da nova diretriz política: 477 canadenses estavam autorizados a possuir marijuana para fins medicinais em 2002; em 2014 estima-se que esse número chegue a 41.384; e, em 2024, a projeção é de 308.384.
A Health Canada cita algumas razões favoráveis para o novo modelo de regulação estatal: os usuários não gostavam da lentidão do processo para obter a autorização para o uso medicinal; apenas um tipo de maconha ficava disponível para compra; havia o risco de desvio para o mercado ilícito. Além disso, há outra razão de interesse para a mudança política que vai além do âmbito da Health Canada: o governo do país vê a questão como interessante fonte de receita. Somente em 2011 e 2012, a receita de impostos da venda de maconha seca e sementes foi de US$ 1.686.600 e a projeção é que em 2024 arrecade-se algo em torno de 1,3 bilhão de dólares canadenses.
No entanto, a principal razão para a mudança de política é de outra ordem: várias decisões judiciais recentes insistem que a maconha para objetivos medicinais deve ser cada vez mais tratada, em termos de regulação e distribuição, como medicamento.
O Canadá não está sozinho na mudança de perspectiva sobre a regulação da drogas. A própria ONU admitiu muito recentemente que a abordagem repressiva apresenta sinais de esgotamento. No último relatório do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC), a ONU assumiu pela primeira vez que a “descriminalização do consumo de drogas pode ser uma forma eficaz de descongestionar as prisões, redistribuir recursos para atribuí-los ao tratamento e facilitar a reabilitação”. O documento insistiu que a legislação internacional sobre drogas é flexível o bastante para aplicar outras políticas, agora mais centradas na saúde pública e menos na repressão.
Apesar dos avanços esperados após a publicação, o fato é que a última reunião da ONU sobre a revisão da política de drogas, realizada entre os dias 13 e 14, em Viena, terminou sem avanços políticos significativos. O término da reunião demonstrou claras diferenças entre alguns Estados participantes que defendem a manutenção da linha dura (Paquistão, China, Egito, Irã, Rússia) e os que defendem uma linha menos proibicionista-criminal (Equador, México, Colômbia, Uruguai, Noruega, Suíça) e, ainda, ratificaram a necessidade de mudança nas políticas de drogas rumo às políticas de prevenção e de saúde pública. Destaque para os posicionamentos de Equador, México e Uruguai.
Perante o impasse da reunião, o diretor-executivo da UNODC, Yuri Fedotov, apoiou timidamente um enfoque baseado no respeito aos direitos humanos e em tratar os consumidores de drogas como “pacientes em tratamento” e não como criminosos. A declaração, inicialmente pensada para ser novo documento de consenso que listasse os avanços e desafios das políticas de drogas, foi desvirtuada pela posição dos países mais conservadores.
Quanto ao Brasil, a última pequena modificação foi a Lei nº 11.343, de 2006, que aboliu a pena de prisão do usuário de drogas, mas manteve a conduta como crime. Espera-se que novos projetos de lei no Congresso Nacional sigam na direção da descriminalização, além do julgamento do Recurso Extraordinário nº 635.659, no Supremo Tribunal Federal, que pode descriminalizar definitivamente o uso de drogas no Brasil. Em suma, espera-se políticas mais centradas na saúde pública e menos na repressão.
(*) Doutorando em sociologia na USP, mestre em ciência política pela Unicamp, pesquisador visitante na Universidade de Ottawa, na Cátedra Canadense de Pesquisa em Tradições Jurídicas e Racionalidade Penal