Carlos Ocké sobre as Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil

Carlos Ocké-Reis, Economista e ex-presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABrES

JUNTOS PELO BRASIL: VAMOS ELEGER LULA NO 1º TURNO DAS ELEIÇÕES EM 2022

Em 2022, o Partido dos Trabalhadores disputará as eleições presidenciais contra a extrema direita. Será decisivo elegermos Lula, convocando as forças populares para fortalecer a frente democrática, capitaneada pela oposição de esquerda.

Neste contexto, foram lançadas essa semana em São Paulo as diretrizes para se construir o programa de governo dos sete partidos que compõem a aliança JUNTOS PELO BRASIL (PT, PSB, PCdoB, Partido Verde, PSOL, Rede e Solidariedade).

Em meio ao agravamento da crise econômica, tais diretrizes representam um ponto de partida fundamental para arquitetura das ações e políticas que serão implementadas nos próximos quatro anos. No entanto, caberá às frentes populares, centrais sindicais, movimentos sociais, bem como à juventude, intelectuais e artistas abrir diálogo com o povo, visando, a um só tempo, contribuir com sua elaboração e ampliar a base social de apoio ao programa de reconstrução e transformação do Brasil.

Dada a acirrada polarização, que vem ameaçando a democracia brasileira, a criação de comitês populares será determinante nesse processo, permitindo a militância combinar o debate programático com a organização e mobilização das trabalhadoras e trabalhadores, uma vez que precisamos acumular força política e ideológica para ganhar as eleições e para responder nas ruas e nas redes sociais a futura reação conservadora.

Na mesma linha, devemos consolidar a unidade política e o consenso programático entre os partidos que compõem tal aliança, para que, caso ganhando e tomando posse, consigamos implementar um programa lastreado no plano institucional, que aponte soluções claras para os problemas da fome, do desemprego, do desmonte do Estado e da soberania nacional, com alternativas que sejam viáveis política e tecnicamente, garantindo que o país volte a crescer com inclusão social e sustentabilidade ambiental.

Desse modo, temos que construir pontes com todas e todos interessados em superar o neoliberalismo e derrotar o bolsonarismo, priorizando as demandas das classes populares e médias. A luta entre democratas e fascistas só pode ser resolvida com a vitória de um ou de outro: se o golpismo de Bolsonaro não é um blefe, seu poder só perderá espaço com a pressão internacional, o alargamento da resistência democrática, o enquadramento das milícias e a garantia da atuação do exército e das polícias dentro dos marcos constitucionais, das suas atribuições legais e dos direitos humanos.

Os fundamentos das diretrizes estão organizados em 4 grandes temas e 121 itens. Seus compromissos gerais estão claros, mas a parte que trata da saúde mereceu apenas dois destaques, que podem ser aprofundados por meio de uma plataforma virtual participativa, quais sejam:

  1. A saúde, o direito à vida e o Sistema Único de Saúde (SUS) têm sido tratados com descaso pelo atual governo. Faltam investimentos, ações preventivas, profissionais de saúde, consultas, exames e medicamentos. É urgente dar condições ao SUS para retomar o atendimento às demandas que foram represadas durante a pandemia, atender as pessoas com sequelas da covid-19 e retomar o reconhecido programa nacional de vacinação. Não fossem o SUS e os corajosos trabalhadores e trabalhadoras da saúde, a irresponsabilidade do atual governo na pandemia teria custado ainda mais vidas.
  2. Nos governos Lula e Dilma, a saúde foi tratada como uma política pública central, como um direito de todos os brasileiros e brasileiras e como um investimento estratégico para um Brasil soberano. Reafirmamos o nosso compromisso com o fortalecimento do SUS público e universal, o aprimoramento da sua gestão, a valorização e formação de profissionais de saúde, a retomada de políticas como o Mais Médicos e o Farmácia Popular, bem como a reconstrução e fomento ao Complexo Econômico e Industrial da Saúde.

Dado esse primeiro passo – que materialmente não é pouca coisa diante do caráter destruidor e genocida do atual “governo neoliberal fascista” – seria importante avançarmos em direção às reformas estruturais, fortalecendo o Estado e o padrão de financiamento público contra a privatização do sistema e a mercantilização do SUS, para refrear a financeirização do setor saúde, seguindo da nossa maneira o exemplo chinês¹.

De modo que, além de aumentar os recursos – admitindo o ajuste automático da trajetória de longo prazo dos gastos públicos em saúde pelos fatores socioeconômicos que os condicionam – é necessário regular de forma substantiva o conjunto do mercado de serviços de saúde, assim como vivificar a participação social. Afinal de contas, como Lula diz, saúde é investimento, e sem meios financeiros não há como melhorar a gestão do SUS, muito menos sua eficiência – no sentido da eficácia (melhorando os indicadores e desfechos) e da efetividade (atendendo de fato as necessidades de saúde das famílias).

Do ponto de vista da tática eleitoral, sobretudo depois da pandemia, como os problemas de saúde perpassam a estrutura de classes, é admissível priorizar o eixo em defesa da vida e do SUS, caso inclusive queiramos consolidar o resultado de ontem do Datafolha, engrossando a orientação pelo voto útil no Lula no primeiro turno das eleições. Ademais, da ótica da governabilidade, será também importante dar novo sentido à política de saúde, seja porque ela tem o potencial de legitimar e impulsionar outras reformas (p.ex. a superação da austeridade fiscal e da estrutura tributária regressiva), seja porque, lidando com a morte e a dor, a saúde, antes mesmo da covid-19, já era considerada o principal problema da população, segundo as pesquisas de opinião.

Cabe lembrar ainda que, além de melhorar as condições de saúde da população, com externalidades positivas sobre a produtividade do trabalho, a política de saúde pode, a um só tempo, combater o desemprego (uma vez que é intensiva em força de trabalho) e a desigualdade (uma vez que é desconcentradora de renda), contribuindo para o crescimento econômico (efeito multiplicador keynesiano) e para a soberania sanitária (reduzindo a vulnerabilidade externa com a produção no mercado interno de insumos, vacinas e medicamentos).

Desta forma, é preciso que o programa de governo vá além da representação da saúde como política setorial, inserindo-a no centro de um novo modelo de desenvolvimento, a partir de dois objetivos. De um lado, respondendo concretamente às demandas emergenciais dos setores populares, o que se tornou fator chave na luta pela democracia, como lembra André Singer. De outro, prevendo um programa de recuperação da economia e retomada do crescimento com mudanças produtivas, sociais, sanitárias e ambientais estruturantes, tendo na saúde um de seus motores, já que ela corresponde a quase 10% do PIB.

A Conferência Livre, Democrática e Popular, que será realizada pela Frente pela Vida no próximo dia 5 de agosto, terá a oportunidade de enraizar em amplos setores da sociedade suas propostas, se valendo ainda da experiência concreta da 16ª Conferência Nacional de Saúde e de toda energia dos conselhos nacional, estaduais e municipais de saúde, e dos próprios comitês populares em defesa da vida, da democracia e do SUS.

Neste cenário, o bloco histórico sanitarista poderá colaborar objetivamente com a aliança JUNTOS PELO BRASIL, destacando no nosso Programa a centralidade da defesa do SUS, do Orçamento da Seguridade Social e da Constituição de 1988 nesse grave momento político que o país atravessa.

Referências:

  1. “Nenhuma outra grande economia do mundo exerce controle de capitais tão intensos como a China o faz. Nenhum outro grande país além da China é sede de tantas empresas estatais. Nenhuma outra economia mantém o sistema financeiro majoritariamente estatal e com enorme centralidade para seus três bancos de desenvolvimento Nenhum outro grande país dá tanta importância aos planos quinquenais e a diversos outros planos setoriais de desenvolvimento. Nenhuma outra economia do mundo cresceu tanto nos últimos 40 anos quanto a China.” (NOGUEIRA, I. O Estado na China. Oikos, v. 20, n. 1, p. 6-16, 2021).