Carta aberta aos presidenciáveis
PAULO METRI | Correio da Cidadania
Senhores presidenciáveis,
Para melhor compreensão dos leitores, classifico o conjunto formado pelos candidatos em dois grandes grupos: os “adoradores do mercado” e os “mais focados na sociedade”, apesar da enorme simplificação que esta classificação representa. É claro que cada um dos grupos não é totalmente homogêneo, como, por exemplo, os “adoradores de mercado”, que podem ser divididos em dois subgrupos: os “com certo compromisso social” e os “com pouco compromisso”.
Os “adoradores do mercado” são os únicos candidatos divulgados pela mídia do capital, aquela que é formada por todos os canais abertos de TV e muitos dos fechados, pela maioria das rádios, por muitas das grandes revistas e por todos jornalões. Este conjunto da mídia, que pertence ao capital, forma a opinião de mais de 90% dos votantes do país. Assim, para os “adoradores do mercado”, é bem mais fácil ser eleito presidente.
Quem sabe que, hoje, o PSOL, o PSTU e o PCB vão apresentar, também, candidatos à presidência? Pelo menos estes três partidos, que não são “adoradores do mercado”, vão! Por razões óbvias, que os enaltecem, estes partidos não têm seus candidatos divulgados pela mídia do capital.
Minha única sugestão para os “adoradores do mercado com pouco compromisso social” é que desistam da eleição, não registrem candidatos, pois vocês fazem mal para a sociedade. Para os “adoradores com certo compromisso social”, o conselho óbvio é lembrar que quem tiver o controle do Estado deve usar este poder unicamente em benefício da sociedade, e não de grupos econômicos.
Para os “mais focados na sociedade”, que também é um grupo heterogêneo, há sugestões diferentes para cada subgrupo. No entanto, digo para todos os subgrupos que a verdade está com vocês e, se a população fosse consciente, votaria nos seus candidatos. Poderia também lembrar que não se pode buscar, simplesmente, trocar a posição dos explorados com a dos exploradores, pois isto não trará a paz social. Obviamente, executar vingança não é o mesmo que fazer justiça, o que, aliás, é uma boa recomendação para certos juízes.
Faço, a seguir, recomendações gerais para qualquer candidato que queira o bem-estar do povo e não para prepostos do capital, que, na maioria das vezes, representam o capital internacional. São recomendações soberanas e, portanto, de compromisso social.
A sociedade brasileira não pode ficar refém de um constrangimento financeiro injusto, vigente há anos, de não poder manter baixa a taxa básica de juros, senão a inflação passará da meta. A inflação não é desejável, contudo este usual instrumento de combate a ela tem como consequência a parcela do orçamento da União destinada ao superávit primário ter de ser substancial, o que dificulta os gastos públicos.
A receita neoliberal é o corte destes gastos, que não pode ser considerado como a fonte eterna para a manutenção em alto valor do superávit primário, em um país tão carente de realizações. O alongamento da dívida é oportuno, por diminuir a pressão para a formação deste superávit, mas ele tem limite. Não se pode diminuir mais as barreiras alfandegárias ainda existentes para conter a inflação, uma vez que esta medida acarreta maior desindustrialização. A compra de ativos no Brasil por estrangeiros pode significar um alívio para a questão cambial no curto prazo, mas acarreta maior intensidade do problema, no médio prazo, com as remessas de lucros.
A forma de se livrar deste constrangimento, no médio prazo, é a economia brasileira fazer os nossos produtos e serviços serem mais competitivos, pois esse será um fator direto de diminuição da inflação, além de aumentar as exportações brasileiras, com melhoria da balança comercial e aumento da produção nacional, permitindo maior arrecadação de tributos e capacidade de pagamento do serviço da dívida. Assim, deve-se repensar a política tecnológica do setor industrial e a de desenvolvimento do país.
Um gráfico das exportações brasileiras dos últimos 20 anos mostra que, na maioria destes anos, as toneladas de nossos produtos necessárias para gerar US$ 1.000 de crédito de exportação cresceram em relação ao ano anterior, significando que a pauta de produtos brasileiros de exportação tem sido ineficiente para efeito de geração de receita de exportação. Ela é formada por produtos de baixo conteúdo tecnológico, basicamente commodities.
A política de desenvolvimento tecnológico dentro de estatais e órgãos públicos, como Petrobras, Embrapa e Manguinhos, tem conseguido ótimos resultados e, portanto, deve continuar sendo apoiada. Contudo, a atual política tecnológica voltada para a iniciativa privada exige mudança urgente, pois o gráfico citado é o maior atestado de que há algo errado nas ações existentes.
As empresas privadas genuinamente nacionais, ou seja, aquelas com maioria do capital controlador formado por brasileiros, não têm tido recursos próprios suficientes e o apoio governamental necessário para desenvolverem tecnologia. Por outro lado, as subsidiárias estrangeiras só querem desenvolvimentos tecnológicos no Brasil se for com poucos recursos próprios e para usufruto da matriz. Assim, não há razão para subsidiárias estrangeiras existentes no país receberem recursos públicos para desenvolverem tecnologia no Brasil, a menos quando desenvolvem tecnologias de interesse de uma empresa nacional genuína.
Os fundos setoriais, criados há menos de 20 anos, são abastecidos por arrecadações de tributo junto aos respectivos setores e são inegavelmente um sucesso de arrecadação. Mas, neste sistema, quando um setor tem um mercado dinâmico, muito é arrecadado por seu fundo setorial, acontecendo o inverso quando o fundo é atrelado a um mercado discreto. Enfim, trouxe-se a lógica de mercado para a disponibilidade de recursos para os desenvolvimentos tecnológicos.
Dentro da política de desenvolvimento, o novo governo deve apresentar um projeto de emenda à Constituição Federal (PEC) para que o artigo 171 desta Constituição, que privilegia a empresa nacional genuína e foi revogado durante a reforma de 1995, volte a constar. Assim, o apoio a ser dado exclusivamente às empresas privadas brasileiras genuínas na área de desenvolvimento tecnológico passará a ter o respaldo constitucional do artigo 171 novamente vigente.
O financiamento de expansões e implantações industriais com recursos públicos também deve ser destinado exclusivamente para empresas nacionais genuínas. O BNDES financiar a compra de empresas nacionais genuínas por empresas estrangeiras, como o ocorrido durante as privatizações, foi o auge da visão alienada. O governo precisa também repensar as isenções tributárias concedidas a multinacionais, que, em “anos bons”, remetem lucros excepcionais para o exterior e, em “anos ruins”, não aceitam sacrificar nenhuma parcela do lucro e ameaçam com demissões em massa.
Antes que os neoliberais acusem esta proposta de ser a reedição da política de substituição de importações, que, durante mais de 30 anos, existiu no Brasil e teve sua capacidade de influenciar a expansão industrial esgotada, além das reservas de mercado criadas por ela induzirem a produção de bens atrasados tecnologicamente e de forma ineficiente no país, dizemos que, agora, não se busca a reserva de mercado e, sim, a preservação dos recursos nacionais para as empresas nacionais genuínas, postura adotada por muitos países desenvolvidos. Além disso, mesmo com as mudanças das convenções do comércio internacional nos últimos 20 anos, as indústrias de base tecnológica nascentes ainda podem ser protegidas por algum tempo.
Propõe-se que a expansão e o desenvolvimento tecnológico de empresas nacionais genuínas componham a base de uma nova política impulsionadora da indústria. Infelizmente, nos anos 90 e 2000, ocorreu a submissão completa aos princípios neoliberais e a internacionalização de interesses dos países desenvolvidos. As barreiras alfandegárias foram retiradas sem nenhum planejamento de suporte para o que já existia, acarretando a invasão de produtos estrangeiros no nosso mercado e a destruição de boa parte do parque industrial genuinamente nacional, com repercussão social negativa.
A recomendação de melhorar a pauta de exportação não significa que se deve parar de incentivar as exportações de commodities, exatamente porque elas permitem a criação de reservas cambiais primordiais para a modernização do país, além da contribuição para o equilíbrio da balança de pagamentos. Se o país pretende dar um salto em seu estágio tecnológico, precisará importar muitos bens, equipamentos e serviços.
Obviamente, tudo que foi proposto são poucos itens de um novo programa de governo em benefício da sociedade. Sem um modelo de desenvolvimento soberano, fortemente atrelado à melhoria do bem-estar da população, não se tem respaldo de decência para querer governar o país. Certamente, este projeto teria que ter apoio popular para poder existir, o que é difícil com a mídia de massa pertencendo ao capital. Contudo, como a atuação política lembra o ato de nadar contra a correnteza, escrevo este artigo para ver se venço a correnteza, o que significaria que as idéias foram aceitas e disseminadas, ou se morro afogado.