Carta de apoio à Gestão do Processo de desinstitucionalização de Sorocaba
O Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba (FLAMAS) vem expressar seu total apoio ao processo de desinstitucionalização promovido pela Coordenação de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Sorocaba, e expressar seu repúdio as demissões arbitrárias promovidas pelo Instituto Moriah, Organização Social que, atualmente, gerencia os recursos e pessoal do Polo de Desinstitucionalização Vera Cruz – Vera Cruz, entendidas como prejudiciais ao processo de desinstitucionalização em curso no Município e região.
Este precedente aponta para um horizonte de subordinação da saúde mental aos interesses de grupos privados, na medida em que as decisões da OS vão de encontro às políticas estabelecidas. Entendemos que as demissões – apresentadas como mero gerenciamento de pessoal – mostram-se em verdade como uma ingerência política, indevida e ilegítima sobre o espaço de governabilidade da Gestão eleita, à qual cabe direcionar e promover a desinstitucionalização e o cumprimento do TAC, assinado após denúncias de violações de direitos humanos no Vera Cruz (feitas pelo FLAMAS e, depois, pela mídia nacional). A OS não pode substituir, ou minar a atuação e discricionariedade da Administração Pública, no cumprimento de seus deveres constitucionais.
Entre os demitidos, há profissionais que participaram do processo de desinstitucionalização do Hospital Psiquiátrico Cândido Ferreira, em Campinas/SP, e assumiram a partir de um pacto consensual entre as secretarias municipal e estadual de saúde e o Ministério da Saúde. São profissionais em cargos-chave do cuidado e da gestão e/ou que participam da desinstitucionalização desde o início do processo. Entendemos que este ato unilateral, vertical e injustificado da OS representa interesses contrário ao próprio processo, interesses eminentemente econômicos e políticos que se opõem à política pública de atenção psicossocial.
Consideramos a ação da OS extremamente prejudicial ao processo de desinstitucionalização e ao cuidado dos pacientes do Vera Cruz, pois contrária ao interesse público e à política de saúde mental, ameaçando inviabilizar a gestão, a atuação dos profissionais e o cuidado dos pacientes no Vera Cruz. As demissões se deram sem motivação apropriada, fundamentação clínica, ou pactuação com o Poder Público. Tampouco houve discussão com os profissionais, contrariando princípios e práticas basilares à saúde mental e coletiva, como a participação democrática dos trabalhadores nas decisões que impactam sobre seu processo de trabalho.
A OS extrapola sua governabilidade, contrariando acordos pactuados entre as três esferas de Poder e indo de encontro à implementação da RAPS, ao planejamento da Gestão eleita e ao interesse público.
Ainda que sejam pessoas jurídicas de direito privado, as OS’s prestam uma atividade de eminente interesse público, lidando com bens jurídicos da maior relevância, como o direito fundamental à saúde, à liberdade e à convivência social. Neste sentido, não pode agir na “contramão” de políticas democrática e legitimamente constituídas. Como já se posicionou o Supremo Tribunal Federal – STF, em serviços desta natureza quando prestados pelo particular, há prevalência do interesse público sobre os da iniciativa privada, pois o aspecto material da atividade não pode ser afastado pela mudança apenas de seu executor (ADIn nº 1.266, Rel. Min. Eros Grau).
Sendo atividade de interesse público, versando sobre direito fundamental, demissões desta natureza afrontam a própria razão de ser da OS, na medida quem vão de encontro à política pública estabelecida pelas esferas municipal, estadual e federal e ameaçam inviabilizar a gestão e a atuação dos profissionais no cuidado aos pacientes do Vera Cruz. Como também já deixou claro o STF, quando da contratação de OS’s, sua atuação deve ser direcionada pelo Poder Público, em consonância com o interesse público e com a legislação pertinente (ADIn nº 1.266, Rel. Min. Eros Grau), primando pela transparência das ações e pelo controle social (art. 20, III, da Lei n.º 9.637/1998).
A decisão da OS não pode ir de encontro às políticas sociais, pelas quais o Estado busca garantir o direito fundamental à saúde nos termos do art. 196, CF/1988. Cabe ao Estado o planejamento e à OS apenas a execução, que se dá sob a fiscalização, regulação e controle do Estado (ADIn nº 1.668/DF, Rel. Min. Marco Aurélio). A Lei n.º 9.637/1998 não delegou às OS’s a gestão de serviços públicos, abriu apenas espaço para execução de serviços através da colaboração público-privada, instrumentalizada no Contrato de Gestão. Quando estes atos ordinários de execução fragilizam ou atacam o planejamento da Gestão eleita, a OS interfere negativa e indevidamente no curso da política (ADIn n.º 1923/DF, Rel. Min. Ayres Britto).
Neste sentido, reforçamos nosso apoio ao processo de desinstitucionalização e à continuidade da implementação da RAPS em Sorocaba. Ainda, esperamos da Municipalidade que se posicione no sentido de coibir estes abusos, por parte da OS, que jamais deve interferir unilateralmente, ainda que de forma sub-reptícia, nas decisões e planejamentos das políticas públicas sociais.
Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba (FLAMAS)