Cebes assina documento de posição na Conferência de Determinantes da Sociais da Saúde
O Debate e a Ação sobre os Determinantes Sociais da Saúde
Posição dos Movimentos Sociais
Rio de Janeiro, Outubro 2011
As organizações e os movimentos sociais, frente à crise de múltiplas dimensões que vem afetando todo o mundo, propõem, por meio deste documento, algumas idéias para contribuir com o debate sobre os determinantes sociais da saúde. Em vista de que não tivemos espaço para nos expressarmos durante a Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde por causa do seu formato, queremos resumir nossa posição por meio desse texto.
Nós estimamos a iniciativa do Governo e do povo brasileiro em promover e financiar essa Conferência, em concordância com o seu compromisso pelo direito a saúde. Todavia, devemos discutir soluções reais para a precária, e vergonhosamente desigual situação sócio-sanitária que caracteriza o panorama mundial; e encontrar as pontes para unirmos, governos e movimentos sociais, pela vida e pela saúde.
Quase todos os países da América Latina, por mais de duas décadas, tem sido objeto de insustentáveis experimentos neoliberais com terríveis conseqüências para a qualidade de vida da população. Hoje, cresce o sentimento de indignação e protesto em outros povos do mundo que estão sendo vítimas de medidas similares.
Esse é o momento de discutirmos claramente o que vem sendo evitado. A determinação social da saúde está muito além de determinantes isolados e fragmentados que, sob uma perspectiva reducionista, são associados com fatores clássicos de riscos e estilos de vida individuais. Não devemos permitir que o conceito de determinantes sociais seja banalizado, ou reduzido, simplificando-o ao tabagismo, ao sedentarismo, ou a uma inadequada alimentação. O que precisamos reconhecer é que por trás dessas práticas, existe uma construção social baseada na lógica de uma cultura hegemônica globalizada, cujo sentido e fim é a mercantilização da vida.
Vamos nomear as coisas pelos seus nomes reais:
O cerne do problema: A economia capitalista na sua fase neoliberal, impregnada com seu desejo especulativo por lucros desenfreados, centrada no domínio do homem sobre o próprio homem, e na destruição da natureza, fundamentada basicamente em desigualdades dentro e entre os países, vem a ser a causa de grandes crises atuais (financeiras, energéticas, climáticas, alimentares e éticas). Assim sendo, é esse sistema que tem levado à precariedade do trabalho, a perda de direitos trabalhistas, a destruição de laços de solidariedade entre trabalhadores, e também tem levado a milhões de pessoas a informalidade, ao trabalho infantil e a tantos outros problemas.
A mercantilização da vida: Os bens de superprodução não resolvem as necessidades coletivas e estão desigualmente distribuídos. Milhões de pessoas poderiam beneficiar-se do quanto é produzido no mundo: alimentos, roupas, medicamentos, provisões, para que todos vivam bem. O planeta está repleto de recursos para todas as espécies que o habitam, porém, a lógica do mercado impede as pessoas de adquirir o que elas necessitam.
Medidas que não aliviam: Diante do seu desespero e insegurança, o capitalismo se detém nos lucros e sociabiliza seus prejuízos, apelando para novas e cruéis medidas neoliberais que reduzem os direitos sociais fundamentais da população. E as nações mais poderosas inventam e justificam guerras que nunca ocorrem em seus territórios, mas somente naqueles onde há recursos para serem explorados.
Quem detém o poder? A hegemonia neoliberal baseia sua expansão na manutenção da ordem econômica e política regional, nacional e transnacional; interessados em globalizar uma visão de desenvolvimento que lhes permita uma progressiva e acelerada concentração de capital. Na saúde publica, esse poder hegemônico se traduz na comercialização da vida, numa propriedade intelectual que beneficia a indústria médica, no controle da mídia e dos meios de comunicação que se encarregam de criar necessidades baseadas no medo e no desprestígio dos sistemas públicos de saúde, na manipulação da sociedade civil em suas múltiplas formas de violência e outras sórdidas estratégias de colonização do pensamento coletivo.
O atual modelo dominante não é o único nem o definitivo: Se todas as pessoas quisessem viver a moda do “American way of live”, seriam necessário, pelo menos, cinco planetas Terra. Os povos ditos mais primitivos nos deixaram de herança a sabedoria do “Viver Bem”, em comunidades solidárias onde um se complementa no outro, respeitando as diferenças culturais, do conhecimento, e de formas de realização, guardando o respeito pela natureza, o cosmos, sendo felizes; sem competição ou querendo ter mais para poder ser mais.
Todas as mãos, todas. Todas as vozes, todas
Que possamos recuperar a força transformadora e a integralidade da determinação social da saúde, por meio da investigação, difusão e mobilização coletiva.
– Estabeleçamos alianças globais entre os governos progressistas e os movimentos sociais, para enfrentar a investida neoliberal que busca pagar os seus custos sobrecarregando a vida de populações carentes. Que possamos construir uma soberania na produção de bens dos quais a vida depende.
– Que possamos acompanhar, em especial, os jovens de todo o mundo, os herdeiros e atores indispensáveis das transformações futuras e que possamos começar hoje!
– Defendemos o “Viver Bem” como paradigma essencial de um novo modelo de desenvolvimento frente a essa grande crise civilizatória que vem obrigando a humanidade a se repensar.
– Exigimos um compromisso da OMS com a defesa da saúde. Qualquer reforma que abra a porta para mais privatizações e negação dos direitos coletivos, terá o repúdio dos povos.
– Resgatemos as recomendações da Comissão de DSS, em especial as que se referem à luta contra a injusta distribuição de poder, dinheiro e recursos.
– Que possamos rever a visão sobre a pobreza desde a contemplação e caridade, como se fosse uma presença inevitável do quadro, muitas vezes útil tão somente para a manutenção do sistema dominante e a preservação do status quo, enquanto lhes damos serviços básicos, seguros e tetos mínimos.
– Apoiamos a criação ou a consolidação de sistemas de saúde e previdência social, universais, gratuitos, integrais, públicos, com cobertura total para a população a todos os serviços e a garantia aos direitos integrais e interdependentes.
– Enfrentemos o racismo, a discriminação de todas as formas de exclusão. Que possamos incorporar a interculturalidade e a equidade (em especial de gênero e de deficientes físicos), como eixos transversais de todas as políticas e propostas para a ação.
– Que passamos assumir uma firme posição diante de qualquer iniciativa de comercialização da vida.
– Trabalhemos com uma perspectiva humanista, crítica, popular e contra hegemônica, com os nossos recursos humanos, não apenas do setor saúde, mas também de outros campos da sociedade.
– Que possamos promover uma participação social nas quais os povos discutam o modelo de desenvolvimento da sociedade e decidam o tipo de Estado e democracia como expressões de soberania e poder popular.
Necessitamos mais que voluntariado. Busquemos caminhos e alternativas. O pior cenário que poderia sair da CMDSS e da Declaração do Rio, é a construção de um “consenso” de que os determinantes sociais da saúde podem ser qualquer coisa, e com isso terminam não sendo nada. Nossos povos merecem e clamam por soluções, e não palavras vazias. Agora é a hora!
Esse documento foi traduzido pelo Cebes.