Cebes Debate: ‘Não existe futuro para o SUS fora da democracia’
A se manter o atual cenário de fragilização da saúde pública e de crescimento do setor privado, a tendência em curto e médio prazo é o SUS ir se consolidando como um resseguro do setor privado. O Sistema Único de Saúde ficaria limitado às vigilância sanitária e epidemiológica, ao Plano Nacional de Imunizações (PNI), às políticas de transplantes, de hemodiálise, de medicamentos de alto custo para doenças crônicas. E a atenção primária estaria restrita aos grandes bolsões de pobreza e à população desempregada e sub-empregada. Além disso, a pesquisa, a inovação e o desenvolvimento estarão restritos “ao conjunto das melhores universidades e institutos de pesquisa, com crescente participação de fundos privados.”
A opinião é do ex-ministro da Saúde do Brasil, José Gomes Temporão, que participou do primeiro programa Cebes Debate de 2022, junto com o também ex-ministro Arthur Chioro. Com a presença da presidenta do Cebes, Lúcia Souto e do mediador José Noronha, o programa teve como tema central a discussão sobre o futuro da saúde no Brasil. Após usar a metáfora com relação ao futuro do SUS, Temporão afirmou que é necessário construir uma outra agenda que não seja “reativa ou apenas incremental” e avançar neste contexto. Para tanto, o ex-ministro aponta vários pontos para o debate e o primeiro deles trata da regulação do setor privado:
Temporão também vê a necessidade de implementação de diversas ações no âmbito do setor público de saúde. Entre as tantas e enormes tarefas a serem cumpridas está a recuperação das relações entre política de saúde e política industrial e o consequente fortalecimento do complexo econômico industrial.
O ex-ministro acrescenta outros pontos de reflexão para uma nova agenda da saúde para 2023, como a revisão e aperfeiçoamento do pacto federativo, retomada dos debates sobre os modelos de gestão para o setor público e a necessidade de um trabalho forte junto ao Congresso para mudar leis que precisam ser criadas e outras reformuladas. Além disso, é preciso realizar uma reforma ampla no processo de formação e do trabalho dos profissionais de saúde.
José Gomes Temporão enfatiza que a sustentabilidade política do SUS passa pela ampliação do grau de consciência política da sociedade sobre o valor dos sistemas universais. O baixo grau se expressa em várias dimensões, entre elas a permanência de uma visão arcaica e ideológica da caridade e da filantropia no contexto da saúde como um direito. Para ele, amplos setores da sociedade continuam lidando com a saúde como gasto e não investimento.
O ex-ministro Arthur Chioro fez um longo diagnóstico do desmonte do sistema de saúde, iniciado com os primeiros ministros do atual governo e projetou para o futuro um enorme desafio para sua reconstrução. No campo da gestão, Chioro acha necessário restabelecer em bases mais sólidas e democráticas a relação “intergestores”. Para ele, o “federalismo de confrontação” que se estabeleceu, não será resolvido simplesmente com a troca do comando no Ministério. Estudos realizados pelo ex-ministro a partir de uma investigação do Laboratório de Saúde Coletiva, da Unifesp, junto com o COSEMS e as secretarias de estado na resposta dos municípios paulista em relação à Covid, concluíram que não se obtem respostas às necessidades da população se não for por meio de uma integração entre as esferas federativas que compõem o SUS. Para Chioro, será fundamental resgatar a gestão solidária e cooperativa. Para ele, este tema das modalidades de gestão é decisivo. E este debate está em aberto, sobretudo na questão da privatização da saúde:
Arthur Chioro enumerou dezenas de ações do que chamou de “contra-reforma impiedosa”, que opera desmontando a estrutura do ministério, o pacto interfederativo, a atenção básica, a política de saúde mental, o PNI como um todo e não apenas com relação à vacina anti Covid, além de operar também por meio do “desfinanciamento” da saúde e com a destruição das políticas para o complexo econômico industrial.
Para o ex-ministro, o primeiro ponto de uma agenda para 2022 é radicalizar a disputa pela democracia, pelo estado democrático de direito, pois não existe futuro para o SUS fora da democracia.
Chioro ressalta que o momento atual exige unidade e responsabilidade do campo progressista e da esquerda sanitária brasileira. Os governos Temer e Bolsonaro romperam a narrativa de defesa de um SUS constitucional e é preciso refletir e aprender com os erros ao longo da história. Para o ex-ministro Chioro o tema da saúde tem plenas condições de voltar a ser prioridade num governo democrático comprometido com o bem estar de toda a sociedade.
Os depoimentos dos dois ex-ministros, Arthur Chioro e José Gomes Temporão, abriram a série CEBES DEBATE de 2022, programa que é apresentado todas as segundas-feiras, às 17h, no canal do Cebes, no Youtube.
Veja aqui a íntegra do programa ou a seguir: