Cebes Debate o cenário da maconha medicinal no Brasil dos anos 2022
Na última sexta (14) o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma norma que mudou resolução que orienta médicos sobre o uso canabidiol. Mais restritiva, a resolução CFM nº 2.324 autoriza que produtos de cannabis sejam usados apenas para tratar alguns quadros de epilepsia e ainda proíbe a prescrição de “quaisquer outros derivados (da cannabis sativa) que não o canabidiol”. A resolução apresenta um novo artigo no qual diz que é “vedado” aos médicos prescrever o canabidiol para outras doenças, exceto se o tratamento fizer parte de estudo científico. Um pouco antes, na segunda (10), Cebes promoveu debate com o tema “Devemos liberar a maconha” com o médico Paulo Fleury e a advogada Luciana Boiteux que destrincharam o assunto da cannabis medicinal.
Paulo Fleury é especializado em medicina preventiva e social, autor de uma pesquisa sobre a eficiência da Cannabis no tratamento de crianças autistas. Ele está sendo processado no Conselho Regional de Medicina em dois estados, por receitar maconha, canabinóides, THC e CBD. Segundo o médico, “não há razão médica e nem saúde pública para condenar o uso da maconha medicinal“. Ele disse ainda que a política de guerra às drogas “leva muito mais sofrimento, morte e destruição de vidas e famílias do que qualquer droga“. Fleury aponta que, segundo dados do Datasus, morrem em torno de 20 a 30 mil pessoas por ano por conta da guerra às drogas. Óbitos gerados pelo consumo de bebida alcóolica gira em torno de 8 mil, e de nicotina, 2500. Já as mortes exclusivamente por uso de drogas ilícitas, esse número cai para cerca de 500 – nenhuma por maconha.
Fleury disse que é possível indicar maconha medicinal para diversos usos: dores crônicas em geral, autismo, ansiedade, insônia, depressão, epilepsias, Alzheimer, Parkinson e outras doenças neurodegenerativas. A aplicação também é possível em doenças inflamatórias crônicas ou associadas à dor crônica, como artrose, fibromialgia, além de dores neuropáticas e doenças autoimunes. Ele é taxativo sobre o debate em torno da maconha medicinal: “é uma submissão da área médica-científica à tradição cultural ideológica que estamos vivendo, mesmo que ela seja muito errada“.
Luciana Boiteux ressaltou que o debate proibicionista no Brasil tem raízes racistas e moralistas arraigadas na sociedade do século XX dos EUA. Hoje, o governo federal caminha para seguir os passos de alguns de alguns de seus Estados, liberando o uso da maconha para uso medicinal e também recreativo. No início deste mês, o presidente Biden anunciou perdão a condenados por posse de maconha. A advogada disse esperar que a nova posição dos EUA sobre cannabis possa influenciar a ONU a rever alguns de seus posicionamentos sobre a substância. Se isso acontecer, o Brasil vai ter de tomar uma posição já que a nossa legislação interna sobre o assunto, da competência da Anvisa, se baseia nos posicionamentos da ONU sobre o assunto.
A advogada apontou que há uma “incompreensão” sobre a lei de drogas brasileira, porque, assim como os tratados de Convenções Internacionais sobre drogas, nunca proibiu o uso medicinal dessas substâncias. “O que se pretendeu interditar foi o uso recreativo porque se entendia que aquela substância operadora de consciências deveria ser controlada”. E continuou: “Apesar dessa proibição não incidir nos usos medicinais, o moralismo e o tabu acabaram afetando a pesquisa e o ensino nas faculdades de medicina (sobre cannabis) mesmo em relação a usos medicinais e terapêuticos“.
Em sua fala, Boiteux saudou o pesquisador Elisado Carlini, falecido há 2 anos, especialista em psicofarmacologia. Ele estudou o efeito da cannabis sativa no corpo humano durante 50 anos e, com um grupo de pesquisa publicou mais de 40 trabalhos em revistas científicas internacionais. Ela vê que hoje no mundo há um maior espaço para debates sobre maconha medicinal, mas no Brasil ainda impera um proibicionismo “muito violento“.
Ela ressaltou a importância de “médicos prescritores” de maconha medicinal para o avanço da política do setor, além de associações como APEPI (Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal) – esse grupo faz cultivo de cannabis mediante autorização medicinal. O pai dela, em tratamento paliativo por conta de um câncer, faz uso da substância. Boiteux, que vai assumir a cadeira de vereadora do Rio de Janeiro no lugar de Tarcísio Motta, eleito deputado federal, quer construir uma proposta de um projeto de lei para garantir acesso ao remédio diretamente no SUS. “As associações funcionam na base de autorizações judiciais, o que é bem precário. A gente precisa avançar nessa pauta, muito importante para a sociedade brasileira combater o racismo, a desigualdade e proteger nossos médicos que estão sendo injustamente e legalmente ameaçados pelos seus conselhos de categoria“, disse.
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