“Cebes é a minha casa”, diz brasileira aprovada para representante da OMS

“Encontrei no campo da saúde pública o caminho para justiça social”, afirma Mariana Faria, secretária-executiva do Cebes (2007-2011)

A sanitarista brasileira Mariana Faria, secretária-executiva do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) de 2007 a 2011, foi a primeira colocada em processo seletivo que vai definir representantes da Organização Mundial de Saúde (OMS). Especialista em direito sanitário, Mariana é doutora em Saúde Coletiva (Fiocruz) e iniciou há 9 anos sua trajetória na OPAS/OMS. É atualmente diretora Interina do Departamento de Relações Externas, Parcerias e Mobilização de Recursos da OPAS.

De Washington, Mariana narra a descoberta da Saúde Coletiva como caminho para Justiça Social e seu percurso profissional desde a graduação em Direito. “Sem o Cebes, não existiria Mariana Faria na saúde pública, na OPAS/OMS. Eu acho que o Cebes continua tendo essa potência, esse lugar de um marco histórico, mas que, ao mesmo tempo, tem uma capacidade de se atualizar”, afirma. Confira entrevista com alguns de seus antigos diretores.

Sônia Fleury: O que foi mais difícil para você ao entrar na área de saúde?

São várias questões e é difícil apontar uma coisa mais difícil. Acho que tem um tema pessoal, que é um auto questionamento da minha capacidade de estar naquele espaço, por eu vir de uma área aparentemente muito diferente. A minha formação inicial é no direito e quando eu entrei no Cebes era o meu primeiro contato com a saúde pública. Eu tinha pouca informação sobre esse campo, então acho que houve um questionamento, por estar em um grupo de pessoas tão bem posicionados. Segui com o processo da especialização em direito sanitário na Fiocruz, ali subindo a escada da sala do Cebes.  Fui entendendo essas proximidades, e encontrei realmente na saúde a minha vocação. Eu entrei no Direito buscando Justiça.  Tive muita dificuldade de encontrar [a Justiça no direito]. Encontrei realmente no campo da saúde pública esse caminho para justiça social. E o Cebes, com seu Saúde é Democracia, também me ajudou muito a encontrar esse espaço.

Acho que o Cebes é uma entidade muito importante. Eu me lembro das nossas reuniões mensais, Sônia, Lígia Bahia como vice-presidente e todos os diretores, as pessoas em volta da mesa. Nelson Rodrigues, Paulo Amarante… Era uma grandeza! Eu me sentia às vezes muito pequena ali naquele espaço, mas ao mesmo tempo foi uma oportunidade incrível de aprender com esses mestres assim, no dia a dia, a magnitude do que é a saúde. Saúde Pública é um campo muito vasto, com muitos atores e muitas possíveis dimensões e áreas de trabalho. É um campo tão vasto, tão complexo e ao mesmo tempo muito generoso, porque ele abraça as diferentes disciplinas, os diferentes conhecimentos; é um lugar em que todos podem contribuir.

Ana Costa: Que lugar tem o Cebes na escolha de sua carreira na saúde? E de onde você está agora, como vê o Cebes no contexto da saúde brasileira?

O Cebes é a minha casa, é de onde eu vim. Por conta dele, por conta da generosidade daquela gestão, né, de me abraçar, fiz a minha especialização em Direito sanitário e depois fiz o meu mestrado em políticas públicas de saúde. Na dedicatória da minha dissertação de mestrado eu falo isso, que o grande mestrado, a grande formação que eu fiz, foi estar no Cebes. Nós organizamos várias coisas incríveis, seminários internacionais que depois viraram uma série de publicações de livros. Realmente definiram para mim esse caminho. Essa porta foi aberta ali e, se não fosse por ela, seguramente não estaria onde eu estou, não teria feito a minha trajetória dentro da saúde pública. Então, sem o Cebes não existiria Mariana Faria na saúde pública, na OPAS. Eu acho que o Cebes continua tendo essa potência, esse lugar de um marco histórico, mas que, ao mesmo tempo, tem uma capacidade de se atualizar.

Eu acompanhei muito os processos virtuais que o Cebes lançou durante a pandemia, como as lives, inclusive com a ministra Nísia. Depois, mais recentemente, com Noronha. Como ele se atualiza, né? Desde a época que eu estava na gestão eu me lembro das discussões, do público e do privado, que hoje estão tão presentes.  Essas discussões estiveram muito fortemente no G20 com o secretário Gadelha e nas plataformas de produção e saúde. Como ele [Noronha] consegue agregar! As pessoas que fizeram todo o processo da Saúde Pública, da Constituição, da Lei, continuam ali. Elas se renovam e elas vão partindo para novas discussões.

Então eu tenho uma admiração e um orgulho muito grande do Cebes, da sua capacidade de manter a sua história, que se confunde com a história da saúde pública brasileira, e ao mesmo tempo de se renovar e se reinventar todo tempo para enfrentar os novos desafios.

Luiz Neves: Como você acha que a experiência no Cebes, que é uma entidade nacional, de um país continental e muito desigual, com um sistema de saúde universal, vai contribuir para o seu trabalho na OMS? E como espera contribuir com o Brasil?

Volto a dizer: o Cebes é a minha casa, é a minha escola. Eu acho que o trabalho no Cebes foi formativo e o Brasil também, né? Interessante o Luizinho colocar que essa dimensão continental ajuda a gente a perceber a necessidade de adaptar para o contexto local, o contexto regional, dos diferentes estados, das diferentes necessidades, inclusive das grandes iniquidades. Essa necessidade de adaptação, a capacidade de aprender com as boas experiências as boas práticas é algo que fizemos muito na época dos seminários, e depois nos livros, um estudo sistematizado para entender o que funciona, de que maneira, ver como adaptar essas práticas e replicá-las.

Eu acho que o Brasil é esse laboratório incrível para boa parte do mundo. Esse país enorme, esse país muito rico e ao mesmo tempo com tantas iniquidades. Um país que empurra a vanguarda. A gente viu o Brasil, no ano passado, ser esse ator importante para discussão da Saúde indígena dentro da OMS. Um tema também é puxado pela região, que está na OPAS desde 2016, e levou quase uma década para que essa que essa mesma discussão pudesse ser aprovada no âmbito global. O Brasil, no ano passado, com a sua presença no G20, também colocou a saúde num lugar muito importante, um lugar central da discussão.

A experiência do Cebes é parte dessa capacidade de observar o Brasil e pensar no Brasil quase como um piloto para o mundo, porque dentro do Brasil a gente tem Suíças e Haitis. É o que o que eu guardo de mais forte em mim, uma coisa que eu vou levar sempre comigo ou para onde quer que eu que eu vá, para onde essa jornada agora vai me levar.

Fonte: Cebes/Clara Fagundes