Cebes entrevista Francisco Campos
OMS adota código para frear êxodo de profissionais da saúde
Um acordo fechado por ministros da Saúde quer evitar a contratação de médicos e enfermeiros de países pobres, que possuem um grave quadro de escassez de recursos humanos em saúde. O código de Prática sobre o Recrutamento Internacional de Profissionais de Saúde, aprovado durante a 63ª Assembléia Mundial da Saúde, vem para promover práticas e princípios éticos para o recrutamento desses profissionais.
Seu objetivo é desestimular a contratação de profissionais de saúde daqueles países, que deles necessitam, e incentivar os países ricos a capacitarem esses profissionais de outros países, que, até aqui, buscam se profissionalizar sob dificuldades, tendo em vista as condições financeiras de seus países. Mais do que isso, o código cobra direitos iguais para trabalhadores migrantes ou não.
Ele foi aprovado após seis anos de negociação voltados para frear a saída de profissionais de saúde dos 57 países mais pobres do mundo – a maioria está na África e no sudoeste da Ásia. A África Subsaariana, por exemplo, reúne apenas 3% da força de trabalho de saúde do mundo.
Esse é o segundo código aprovado pela Assembléia Mundial da Saúde na história da Organização Mundial da Saúde. O primeiro foi o Código do Leite, aprovado em 1981, que estabelecia as regras para o marketing de substitutos do produto.
Em todo o mundo, há 60 milhões de trabalhadores da saúde, entre médicos, enfermeiros, parteiras, farmacêuticos e técnicos em laboratório. Mas ainda são necessários outros 4,2 milhões para suprir a carência atual. Todos os anos, dezenas de milhares de profissionais são recrutados. Os países que mais contratam mão-de-obra internacional são Estados Unidos, Austrália, Grã Bretanha e Nova Zelândia. O próximo passo agora é discutir a estratégia para a implementação do código nas Américas.
Confira a entrevista com Francisco Campos, Secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, que fala sobre o Código.
Qual sua avaliação a respeito da versão final do Código de Prática sobre o Recrutamento Internacional de Profissionais de Saúde?
Francisco Campos: Durante os últimos dois anos tive a oportunidade de participar de uma série de discussões sobre o tema “recrutamento internacional de profissionais de saúde” e durante essas reuniões discutiu-se bastante a necessidade de criarmos um código de práticas sobre o tema. As versões iniciais eram muito mais radicais, pois apresentavam sempre algum tipo de sanção delicada. Como se sabe, na Assembléia Mundial da Saúde, as matérias são aprovadas preferencialmente por consenso dos Estados Membros e é impossível que se faça, por exemplo, a aprovação de um código que alguns países não adotem, pois se os países que não adotarem forem justamente os maiores recrutadores o código perde completamente o sentido. Felizmente, ao final do processo, chegamos a um consenso. Portanto, o código estabelecido significa um passo extremamente importante para criar uma consciência internacional de que países ricos que recrutam profissionais de saúde em países menos desenvolvidos prejudicam e promovem uma sangria do sistema de saúde desses países fazendo com eles não consigam organizar corretamente seus sistemas de saúde. Então, apesar de na nossa visão considerarmos o código bastante tímido, reconheciemos que é um passo necessário para que cheguemos algum dia a ter algum tipo de regulação um pouco mais corajosa nesses processos.
Como se deram as negociações ao longo do processo de elaboração do Código?
Francisco Campos: Foram negociações extremamente difíceis, pois os países já entraram no processo de discussão do rascunho para a criação do código com suas posições previamente estabelecidas. Por exemplo, a maior discussão que houve foi o uso da expressão “recrutamento ético” porque a palavra “ético”, segundo algumas delegações de países poderosos, tinha um sentido que não era um sentido absolutamente definido. Como resultado, várias reuniões foram demasiadamente prolongadas, uma delas terminando às 4:30 da madrugada. Felizmente, tivemos como coordenador do grupo um oriental, o Dr. Viroj, que com sua paciência foi essencial para que os países pudessem entrar em um consenso construído palavra a palavra, parágrafo por parágrafo.
O que este Código significa para o Brasil?
Francisco Campos: O Brasil ainda não é afetado de forma severa por esse problema da migração de profissionais de saúde. Nós temos conhecimento do ingresso de alguns profissionais de saúde formados em outros países, acreditamos que no caso dos médicos o percentual de profissionais formados fora do país é de algo em torno de 2% do contingente e estamos tentando lidar com a questão do reconhecimento de diplomas. Além disso, sabemos também que o país tem perdido alguns profissionais mas sabemos que as perdas se concentram na grande maioria na área de alta concentração tecnológica e acreditamos que o percentual dessas perdas está longe de níveis preocupantes. Há o problema do reconhecimento dos diplomas de instituições internacionais e também temos a barreira linguística, que faz com que muitos brasileiros tenham dificuldades em obter uma graduação em inglês e que cabe mencionar, é a língua oficial de cursos de medicina em diversos países da Ásia e do Oriente Médio. Por enquanto, ainda temos uma força de trabalho bastante fechada em relação a países como Estados Unidos, onde 25% dos profissionais de saúde são estrangeiros, ou a Inglaterra, onde 33% dos profissionais são estrangeiros. Mas certamente a tendência é que isso aconteça, dado que sabemos que existe um déficit muito grande de profissionais de saúde no mundo. O Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2006 estimava que o naquela ano o mundo já contava com um défict superior a 4 milhões de trabalhadores de saúde e que os países que recrutassem iriam se valer dos outros que investem e formam seus profissionais, mas que ficam sem eles por não poderem competir com as condições de trabalho que lhes são oferecidas por países ricos. Essa dura realidade leva a conclusão de que países em desenvolvimento estão de fato educando e “subsidiando” os países de renda mais elevada com profissionais de saúde qualificados.