CNS divulga nota de apoio à campanha contra o racismo institucional
Lançada no último dia 25 de novembro numa ação de parceria entre Ministério da Saúde, Secretaria de Direitos Humanos e Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, a campanha contra o racismo institucional na área da saúde recebeu críticas de onde menos se pensava. Ao tocar num dos aspectos mais dolorosos da sociedade brasileira – a discriminação por cor/raça nas instituições de saúde – o debate sobre a publicidade expôs, novamente, práticas infelizmente corriqueiras: a negação do racismo e a desqualificação da crueldade da discriminação por conta de demais problemas sociais e econômicos do país.
Em trinta segundos, o spot publicitário apresenta evidências recolhidas do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/MS): enquanto a mortalidade materna atinge 34% das mulheres brancas, esse percentual chega a 60% entre as mulheres negras. O percentual de óbito de crianças negras na primeira semana de vida também é maior do que o das crianças brancas – 47% contra 36%. O tempo de atendimento médico dos pacientes negros é menor do que o dos brancos, resultando em prejuízos na transmissão de orientações importantes, como o direito a acompanhantes na hora do parto e aleitamento materno.
Passados dois dias do lançamento, o Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou nota de repúdio à campanha, considerando-a ‘racista’ e afirmando que são as condições de trabalho oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o subfinanciamento ao setor e a ausência de uma política de recursos humanos as verdadeiras causas do mau atendimento da população, não importando questões de gênero, classe social ou etnia.
Tal manifestação surpreendeu diversas entidades. Segundo a coordenadora da organização não governamental Criola, Lúcia Xavier, a manifestação do CFM é descabida, pois a campanha vem enfrentar um problema reconhecido pelo Ministério da Saúde e outras entidades, além de ser uma forma de dar voz à população que enfrenta o problema.
“Quando a gente fala em discriminação, não quer dizer que um negro entra no posto e é xingado. O que a gente acentua é a discriminação que tem por base o modo como a instituição promove os serviços e olha para a pessoa, não escuta as queixas, não a trata com cidadania, sabe que a população negra tem alguns agravos na saúde por causa da raça, e isso não é levado em consideração”, explicou Lúcia.
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) também decidiu se manifestar e publicou nota de apoio à campanha, destacando que o racismo é crime e que a luta contra a discriminação é uma luta pela saúde e pela vida. Leia abaixo a nota na íntegra e confira a matéria Ações para a saúde da população negra exigem pensamento estratégico, sobre avanços e desafios para a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN).
Desigualdade e racismo fazem mal à saúde – Nota do Conselho Nacional de Saúde sobre a campanha contra o racismo institucional
Desigualdade e exclusão são aspectos estruturantes da formação da sociedade brasileira. Apesar dos avanços sociais alcançados nas últimas décadas, ainda existe muita disparidade entre brancos (as) e negros (as). Em nosso país, a prática do racismo é construída socialmente e reproduzida nas instituições públicas e privadas, devendo ser combatida por todos nós. Por essas razões, o Conselho Nacional de Saúde, órgão de controle social do SUS (Sistema Único de Saúde), vem a público manifestar apoio à campanha contra o racismo institucional desenvolvida pelo Ministério da Saúde, não apenas frente às críticas emitidas pelo Conselho Federal de Medicina, mas também pelos ataques racistas e preconceituosos inseridos nas redes sociais.
Racismo é crime, tipificado depois de uma longa luta do movimento negro. Porém, continua o extermínio cotidiano de nossos jovens, em sua grande maioria pobre e negra, pela polícia e pelo crime organizado, o que demonstra como o racismo é fator estruturante da sociedade, determinando lugares de brancos (as) e negros (as).
Apesar dos grandes avanços do SUS, como a aprovação pelo Conselho Nacional de Saúde, em 2006, da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIP), os indicadores de saúde nos mostram que 60% das mortes maternas ocorrem entre mulheres negras, sendo apenas de 34% entre mulheres brancas. Os indicadores apontam, ainda, que a mortalidade na primeira semana de vida atinge 47% de crianças negras e 36% de crianças brancas.
Essa mesma desigualdade se faz presente no acesso e na qualidade dos serviços. Enquanto 46% das mulheres brancas utilizaram seu direito legal ao acompanhante no parto, apenas 27% das mulheres negras o conseguiram. Nas consultas, enquanto 78% das mulheres brancas são orientadas para o aleitamento materno, o mesmo ocorre com apenas 62% das mulheres negras.
A luta contra o racismo é uma luta pela saúde e pela vida, contra o sofrimento e a discriminação.
Os dados e evidências disponíveis não permitem enganos. Assim sendo, o Conselho Nacional de Saúde reitera seu apoio à campanha e ao enfrentamento cotidiano do racismo e das iniquidades em saúde e não tolera nenhuma forma de racismo, mesmo o mais mascarado e insidioso. Seu enfrentamento é um desafio de todos e de todas, na construção do SUS que queremos e de uma sociedade justa e igualitária.
Assim, se você for vítima ou testemunha de qualquer caso de racismo nas ações e nos serviços de saúde, ligue 136. Denuncie também ao Conselho de Saúde de sua cidade. Não vamos ficar em silêncio!
Mesa Diretora do Conselho Nacional de Saúde
Fonte: Abrasco