Código de Recrutamento Ético de Profissionais: um início
O Brasil tem uma experiência marcante na área de desenvolvimento de recursos humanos para a saúde e na própria conceptualização do campo. Segundo o único representante de governo da região das Américas no Conselho Diretivo da Aliança Global da Força de Trabalho em Saúde, Dr. Francisco Campos, o país percebeu precocemente que os trabalhadores não são um recurso que se soma aos demais para produzir serviços, mas que, ao contrário, são a essência dos serviços de saúde.
Atento aos chamados internacionais que buscam discutir o problema da escassez de recursos humanos em saúde, Francisco Campos, também representante alterno do Brasil na Organização Mundial de Saúde (OMS) e secretário executivo da Universidade Aberta do SUS (UNI-SUS), fala, em entrevista ao Cebes, sobre o Código de Recrutamento Ético de Profissionais, aprovado durante a 63ª Assembleia Mundial da Saúde, em maio de 2010, em Genebra, na Suíça.
De acordo com o representante, o código hoje se coloca como um marco inicial na luta mundial contra a falta de profissionais nos países mais pobres e trava a batalha contra a ciranda de trabalhadores do setor entre os países do mundo, que migram para os países centrais, tendo em vista sua renda per capita de menos de mil dólares por ano.
“Por óbvio não se pode obrigar esses profissionais a permanecerem nos seus países, o que atentaria contra o direito humano de ir e vir, e o feudalismo acabou há séculos”, esclarece Francisco Campos. Pode-se, entretanto, segundo o mesmo, pensar em compensação. Isso significa que os países ricos que recebem profissionais devem se empenhar em formar e capacitar esses trabalhadores da saúde no país de origem e repor a mão de obra migrante.
Confira a entrevista:
Qual é o histórico e a proposta do Código?
Em 2006 a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou o Relatório Mundial da Saúde que chegou a conclusão de que 57 países do mundo encontram-se em crise em relação a trabalhadores de saúde, com menos de quatro deles por cada grupo de mil habitantes. Percebeu-se que há uma verdadeira ciranda de trabalhadores de saúde entre os países do mundo.
O grosso destes países está na África subsaariana, mas há manchas no sudeste da Ásia e América Latina. Países com renda per capita de menos de mil dólares por ano preparam com muito sacrifício seus trabalhadores de saúde e estes, muitas vezes, migram imediatamente para os países centrais.
Assim, surgiu a pergunta: seria justo países muito pobres subsidiarem, através da doação de recursos humanos caros, os mais ricos? Por óbvio não se pode obrigar profissionais a permanecerem em seus países, o que atentaria contra o direito humano de ir e vir, e o feudalismo acabou há séculos! Pode-se, entretanto, pensar em que os países que recebem profissionais possam compensar os doadores, pelo menos para formar outros e repor a mão de obra migrante.
O que diz o código?
O Código não é uma solução definitiva para estes problemas, mas um início. Ele não cria medidas compensatórias nem pune os que promovem depleção de profissionais. Ele estabelece, entretanto, as bases para um sistema de informação sobre a ciranda profissional, que possa, inclusive, no futuro, buscar um sistema de compensações para não deixar completamente desamparados exatamente os mais pobres.
E o papel do Brasil em meio a tais reflexões globais?
Muitas políticas assinaladas para o mundo como boas práticas tem o Brasil como modelo. Cito a forte integração e diálogo entre o Ministério da Saúde e Educação, as escolas técnicas do SUS, o telessaúde e a adoção do trabalho maciço dos milhares de agentes comunitários de saúde, considerado modelar em uma publicação de grande envergadura da Aliança Global.
Ao lado da Noruega e da Tailândia, o Brasil foi um dos mais entusiastas defensores do Código, não porque o problema nos afete hoje, já que paradoxalmente a barreira linguística nos “protege” para o bem e para o mal, mas pelo próprio posicionamento do país pela maior igualdade no mundo, etc.. Pessoalmente, me envolvi tanto como representante alterno do Brasil na OMS quanto por minha participação como único representante de governo da região das Américas no Conselho Diretivo da Aliança Global da Força de Trabalho em Saúde. Seria, aliás, muito importante promover uma participação ampliada e qualificada do Brasil na Aliança Global, para que entrem no site, analisem a estratégia proposta e se afiliem.
E quanto ao trabalho na ANASUS?
A UNASUS, uma parceria entre a FIOCRUZ e 20 Universidades públicas, que multiplica por dezenas a oferta de educação permanente, é um bom exemplo para o mundo. Neste momento a oferta de especialização em saúde da família, cursos ad-hoc como os de dengue e tuberculose, a capacitação gerencial, a vigilância ambiental, além de todos os cursos de formação política em parceria com o CEBES são belos exemplos de como é possível alinhar os serviços e a academia.