Com hospitais superlotados no RN, mães dão à luz em cadeiras

UOL, em Natal – 20/7/2012

Relatos colhidos pelo UOL apontam que a demora para receber o primeiro atendimento chega a 24 horas no hospital Walfredo Gurgel, maior emergência do Estado. Além disso, os pacientes são obrigados a ficarem internados em macas de hospitais pelos corredores por conta da falta de leitos. Há problemas de superlotação também nos hospitais pediátricos e maternidades, com registro de mortes de mães e bebês.

A dona de casa Terezinha Bezerra Costa, 51, contou que passou 24 horas sentada em uma das cadeiras da recepção do Walfredo Gurgel, quando finalmente foi transferida para uma das macas no corredor do hospital. Na noite do último dia 12, Costa reclamou à reportagem da demora na assistência médica. “Passei a noite gemendo de dor, com esse braço inflamado devido às várias fístulas e abcessos. Estou com febre e apenas uma enfermeira passou por aqui para dar uma olhada, mas os médicos passam e não param para me atender.”

Segundo relato do médico anestesista Madson Vidal, duas gestantes morreram em junho em busca de vagas em maternidades durante o trabalho de parto. “Imagine essas famílias pobres, que se preparam com enxoval, berço e tudo mais, e no final de tudo recebem, em vez de um bebê, dois caixões em casa. Isso é desumano”, disse.

Vidal também afirmou que a superlotação nas maternidades está obrigando gestantes a darem a luz em locais inadequados. O médico publicou uma foto, pelo Twitter, mostrando uma gestante deitada em duas cadeiras por falta de leito. A imagem teria sido captada no último dia 16. “Quem aqui suportaria ou aceitaria ver a sua esposa humilhada e maltratada desta forma para dar a luz um filho seu? Dói muito”, escreveu o médico.

Para tentar ajudar os pacientes, ele e um grupo de pessoas em Natal criaram a Amico (Amigos do Coração da Criança), uma instituição fundada para ajudar crianças cardiopatas que não têm condições financeiras de se manter após se submeterem a cirurgias cardíacas. “São médicos, promotores de Justiça, advogados e outros profissionais que se sentem desconfortáveis com a situação das crianças cardiopatas carentes e resolveram ajudar porque sempre operávamos uma criança, numa cirurgia complicada, mas bem sucedida, e depois sabíamos da notícia de que aquele paciente havia morrido de desnutrição, de falta de assistência básica em casa por ser pobre.”

Segundo o médico, a falta de atendimento em maternidades da capital gerou superlotação também na Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC). “Existe uma boa estrutura para atender as mães no local, dentro da capacidade que eles suportam. Como eles atendem mais que a capacidade, porque a rede é deficiente, há a superlotação e os problemas.”

“E não foi porque chegamos em cima da hora do parto: ela já esperava desde a manhã por uma vaga numa enfermaria ou sala de parto para ter o menino, mas não conseguiu. Graças a Deus eles estão bem, pois se dependessem do atendimento daqui estavam mortos”, disse a mulher, que pediu anonimato.

Segundo a acompanhante, mãe e filho ainda estavam internados porque o bebê “engoliu um pouco de líquido [amniótico] e ficou em observação”. “Nesses dois dias que estou aqui, observei que não foi só ela quem pariu em cima de uma cadeira. Outras mulheres –acho que umas quatro ou cinco– também ficaram na mesma situação constrangedora, com todo mundo olhando os nascimentos dos nenéns.”

No dia em que visitou o local, a reportagem tentou falar com o diretor da maternidade, Kléber Morais, mas foi informada que ele estaria viajando, sem prazo para retorno. O UOL também tentou falar com a diretora médica da unidade, Maria da Guia, mas foi informado que a obstetra não poderia atender porque estava ajudando nos partos que estavam sendo realizados no dia 13. Esta semana, a reportagem tentou novamente falar com o diretor da maternidade, mas foi informado que ele ainda estava viajando.

Demora na pediatria
No hospital pediátrico e maternidade Dr. José Bezerra, conhecido como hospital Santa Catarina, a demora no atendimento também é motivo de reclamação dos pacientes e acompanhantes. Na tarde do dia 12, mães que estavam à espera de atendimento pediátrico se mostraram revoltadas com a lentidão para entrar na fila de atendimento. Sueli Miranda, 35, era uma das dezenas de mães que estavam na fila da pediatria. Miranda relatou que esperou por duas horas na recepção do hospital para que as atendentes fizessem a ficha do filho dela, de um ano e dez meses.

“Elas só me chamaram porque viram que meu filho começou a vomitar. Tem de passar muito mal para ser atendido rápido. Só o trouxe porque já estava com quase 40ºC de febre. Ele dormiu durante tanta espera”, afirmou Miranda, destacando que já estava há uma hora e 40 minutos esperando atendimento.

Raiane Michele da Silva, 25, reclamou que a filha, com suspeita de pneumonia, teve de fazer o exame de raio-x em outro hospital. “Além da demora em fazer uma ficha, enfrentar a fila desse corredor, estou obrigada a esperar novamente para mostrar o exame ao médico. Chegamos perto de 12h e agora já são quase 16h e não resolvem nada?”, indagou.

A diretora médica do Santa Catarina, Lyenka Pinto, diz que a demora no atendimento ocorre por falta de profissionais para atender à alta demanda de pacientes. “Tem dia em que apenas um pediatra está de plantão. Na semana passada, uma médica passou mal porque não estava dando conta de tantos atendimentos e precisou suspender os trabalhos. Este mês a escala de médicos plantonistas de 24 e 12 horas só vai dar para chegar até o dia 25. Se não chegar reforço de novos pediatras, vamos chamar o sindicato para homologar a suspensão das atividades do hospital no setor de ambulatório”, explicou.

Investimentos
Segundo o “Plano de Enfrentamento dos Serviços e Urgência e Emergência do Rio Grande do Norte”, entre as principais medidas para enfrentar a crise na saúde estão a implantação de mais cem leitos, sendo 60 deles de imediato no Hospital Universitário. Outros 63 novos leitos de UTI devem ser criados em 180 dias.

Haverá também um investimento de R$ 12 milhões para reforma e compra de equipamentos para os quatro principais hospitais de referência da região metropolitana de Natal. O prazo de conclusão das obras é de 60 dias. O Estado também promete reabastecer as unidades de saúde, que sofrem com a falta de medicamentos e insumos, em até seis meses.

O repasse mensal aos hospitais da rede também terá um aporte de R$ 600 mil para tentar melhorar o atendimento. Uma força-tarefa está programada para tentar zerar a fila de cirurgias ortopédicas em 60 dias.

No dia em que foi decretada calamidade pública na saúde do Estado, em 4 de julho, o secretário de Saúde do Rio Grande do Norte, Isaú Vilela, afirmou que o hospital Walfredo Gurgel tem capacidade para atender 288 pacientes por dia, mas estaria atendendo a uma média de 450 pessoas.

Segundo a governadora, Rosalba Ciarlini (DEM), praticamente todos os municípios do Estado têm gestão plena de recursos de saúde e devem fazer sua parte no processo. “O município recebe o recurso, mas não resolve as demandas e encaminha para os hospitais de outras redes. Acaba se pagando duas vezes para que a pessoa tenha o atendimento necessário”, afirmou.