CEBES contra o veto de repasse financeiro para o SUS
Na primeira semana de junho, ganhou repercussão no país o veto presidencial ao Projeto de Lei de Conversão da Medida Provisória-PLV 10/2020, com a suspensão de R$ 8,6 bilhões destinados à saúde. Tal iniciativa, repassando para a saúde recursos sem uso, em disponibilidade das autoridades financeiras, é uma tentativa de fazer frente às amarras fiscais impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentarias (LDO), na provisão dos recursos necessários ao combate à epidemia do novo Coronavírus (?SARS-COV-2?) no Brasil.
O veto presidencial, além de evidenciar uma atuação ofensiva no sentido de minimizar a emergência sanitária vivida pelos brasileiros, abre também a caixa obscura da execução de recursos orçamentários no combate à epidemia de COVI-19 sob o comando do Governo Federal. No mesmo dia em que foi decretado o estado de calamidade pública (Decreto N.6/2020) em 20/03/2020, o presidente do Brasil, em pronunciamento em rede, denominou a COVID-19 como “uma gripezinha!” e abriu, a partir de então, uma agenda de guerra, não contra o ?SARS?-?COV?-2, mas CONTRA o COMBATE à epidemia no país, seja dentre vários absurdos, se pronunciando contra o distanciamento social, defendendo o uso de medicamentos sem evidencias de eficácia para o tratamento da COVID-19, omitindo, atrasando e alterando a forma de divulgação de dados, ou mais recentemente incitando a população a invadir as UTIs, sugerindo que há exagero sobre a gravidade da doença. E mais preocupante ainda, com níveis baixíssimos de execução dos recursos orçamentários destinados ao enfrentamento da pandemia, que requer resposta imediata.
Após o reconhecimento de calamidade pública, foram destinados R$ 337,8 bilhões para as diversas ações de combate à COVID-19, entre créditos extraordinários, 258,5 bilhões, e recursos realocados. Os recursos deveriam ser direcionados a programas de auxilio emergencial de renda, manutenção de emprego, ampliação do Bolsa Família e ajuda a estados, municípios e empresas, mas deste montante ainda muito pouco foi executado de fato, particularmente os recursos destinados às ações de saúde. Isto é, a aprovação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6357) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 29 de março, que a despeito da manutenção dos limites impostos pela EC-95/16, passou a permitir a emissão de crédito orçamentário extraordinário para o combate à epidemia, não implicou execução dos mesmos, ao passo que a pandemia segundo dados oficiais, já matou quase 50 mil pessoas e breve deve ultrapassar a marca de um milhão de infectados.
Do total de recursos extraordinário aprovados, 124 bilhões (48%) seriam destinados, conforme as previsões do governo, para o auxílio emergencial no valor de R$600,00 para trabalhadores informais e pessoas sem renda. Esse auxílio aprovado para cobrir os meses de abril, maio e junho só começou a ser pago em meados de maio, e o país assistiu estarrecido às longas filas e aglomerações para receber o auxílio e serem incluídas no cadastro. Hoje o número de pessoas que deverão ser cobertas chega a 60 milhões, e é três vezes mais do que o previsto pelo governo.
Para a saúde, o montante de créditos extraordinários soma atualmente R$ 39 bilhões (15%). No entanto, conforme informações divulgadas Boletim da Comissão de Orçamento e Financiamento (COFIN) do Conselho Nacional de Saúde, atualizadas até 15 de junho, uma nova barreira foi erguida para esse recurso chegar a todos os cidadãos.
Enquanto os casos e as mortes provocadas pela COVID-19 crescem
exponencialmente dia após dia, o Ministério da Saúde deixa a maior parte do orçamento sem gastar por semanas seguidas, nas ações de enfrentamento de emergência de saúde pública internacional, decorrentes da COVID-19. Até o dia 15 de junho, o valor a empenhar totalizou R$ 25,8 bilhões dos quase R$ 39 bilhões alocados no Ministério da Saúde – ou seja, 66,2% estão parados na dotação. Na modalidade de Aplicação Direta pelo Ministério da Saúde, 76% dos recursos disponíveis ainda não foram utilizados, omesmo ocorrendo com as transferências para estados e municípios. Atualmente, 60% do recurso disponível para estados e 66% para municípios aguardam execução. Essa morosidade impede a compra direta de insumos e estrangulamento dos Estados e municípios nas ações sob a sua competência.
Continuamos, portanto, a colher os destroços deixados por quase 90 dias de confronto diário entre governo federal, com estados e municípios, na principal estratégia de contenção sanitária praticada mundialmente no enfrentamento da COVID-19, o chamado distanciamento social. Após exonerar dois ministros e desarticular as equipes técnicas no nível federal, sob a imposição de substituição por militares; desmobilizar a gestão federativa tripartite do SUS e intervir abertamente na divulgação sobre o crescimento de óbitos, justamente quando a pandemia se alastra pelo interior do país, ficam evidenciados os sinais de que o governo federal tem sim um plano em execução. E, nesse plano, não tenhamos dúvida, o objetivo é desestruturar e estrangular o sistema público de saúde no país. Nesse cenário, pode-se compreender a ação do governo federal ao vetar R$ 8,6 bilhões de recursos extraordinários para a saúde.
As entidades de saúde coletiva e da bioética exigem que esta ação seja revertida e que os recursos financeiros que a União deve ao SUS sejam devidamente repassados e que sejam executados com rapidez para a mitigação desta pandemia.
Rio de janeiro, 18 de junho de 2020
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO
Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABrES
Associação Brasileira Rede Unida – REDE UNIDA
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – CEBES
Sociedade Brasileira de Bioética – SBB
Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares – RNMMP