Criança não é mãe: Como a ‘Justiça’ tardia falhou com a menina de Goiás

Judicialização do direito ao aborto nos casos de estupro de vulnerável revitimiza crianças. A diretora do Cebes, Ana Costa, e a jornalista Clara Fagundes questionam o CNJ sobre o caso

Aos 13 anos de idade, estamos cruzando a fronteira da infância. Essa transição para a adolescência oscila entre momentos suaves, pedidos de colo, mudanças abruptas de humor e desejo de liberdade.

Todos tivemos 13 anos. Cada um de nós tem uma prima, uma sobrinha, uma vizinha, uma menina de 13 anos em nossas vidas.

São crianças crescidas, se ajustando a um novo corpo. Relação sexual com uma criança de 13 anos é, no Brasil e em quase todo o planeta, estupro presumido.

Meninas e meninos de 13 anos precisam de proteção da família, da comunidade e do Estado. Para a menina grávida de Goiás, essa proteção falhou.

Ela não frequentava regularmente a escola desde que denunciou abuso sexual por amigo da família, aos 12 anos. Tentava, desde abril, interromper a gestação, fruto de estupro.

Procurou corajosamente o Conselho Tutelar e esbarrou a violência do sistema de Justiça, que postergou o exercício de um direito assegurado a todas as brasileiras desde 1940.

Todas não: as mais vulneráveis ficam pelo caminho, perdidas entre a desassistência e o deliberado atraso no atendimento, para prolongar o sofrimento e criar abortos tardios com propósitos políticos.

Denunciamos a desobediência da Justiça ao protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, o desprezo pela Lei Maria da Penha e pela Lei 17413/2023.

A gravidez de crianças até 13 anos é resultado de estupro presumido, segundo nossa legislação. A menina de Goiás tinha, desde o início, o direito ao aborto legal. É um direito dela, pessoal e intransferível.

A negativa do pai em autorizar o procedimento não poderia encontrar guarita no sistema judiciário, porque coloca em risco a Saúde da pré-adolescente, seu futuro, seus sonhos, e ignora seu direito de interromper gestação resultante de estupro.

A menina de Goiás ficou desemparada. As mudanças que seu corpo sofre não são aquelas que deveriam estar acontecendo na puberdade. A menina de Goiás está crescendo, mas não apenas em altura e quadril. Sua gravidez tem risco aumentado de pré-eclâmpsia, de ruptura uterina, podendo ocasionar morte materna.

A desolação da menina de Goiás, a incerteza do futuro, não são inquietações existenciais que alguém deveria estar enfrentando nesta fase. Aos 13 anos, ela é uma pré-adolescente.

Uma menina estuprada por um homem de 24 anos. Ter um filho tem impacto em todas as dimensões da sua vida. Aumenta a probabilidade de evasão escolar, a vulnerabilidade a violência doméstica, a transmissão geracional da pobreza.

A menina de Goiás tem mãe, uma mãe que autoriza e apoia a decisão. A menina quer uma outra vida. Um outro futuro, que passa pela escola e, quem sabe, a universidade. Ela quer crescer, quer esquecer e ser esquecida.

É fundamental garantir a privacidade da menina do Goiás. O Superior Tribunal de Justiça autorizou a realização do aborto legal, após injustificáveis negativas do Tribunal de Justiça de Goiás.

Precisamos protegê-la, para que seja amparada e cuidada sem mais violências e exposições.

A nossa luta só termina quando ela tiver seu direito garantido e o procedimento for, enfim, realizado!

A magistrada responsável pela decisão relembra que o procedimento de assistolia fetal, indicado para este caso, é recomendado pela OMS e as tentativas de proibí-lo no Brasil foram derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ela conclui a decisão afirmando o dever da Corte em cessar o constrangimento ilegal ao qual a menina está submetida há semanas.

É fundamental que o judiciário brasileiro atue para garantir que violências como essa não voltem a ocorrer.

A Justiça tardia é falha, é instrumento de violência. O procedimento poderia ter sido feito há meses, com segurança.

A quem interessa prolongar o suplício das crianças estupradas?

Quem responderá por isso, Conselho Nacional de Justiça (CNJ)?

Seguimos pedindo: #SalvemAMeninaDeGoiás #CriançaNãoÉMãe

O artigo foi publicado originalmente no Blog da Saúde, do portal Viomundo.