Crise climática, mulheres e jovens serão temas centrais nas eleições municipais
O projeto de poder na extrema direita foi tema do primeiro debate promovido pelo Cebes no ciclo Saúde nas Eleições Municipais 2024.
Há poucos meses das eleições municipais, o Cebes abre a discussão para importância da compreensão de um dos setores fundamentais para o desenvolvimento de uma sociedade mais igualitária e justa: a saúde, em seu conceito ampliado. Na última segunda-feira (16) aconteceu o lançamento do ciclo de programas que irão debater a Saúde nas Eleições Municipais 2024.
Neste primeiro encontro o tema foi o projeto de poder na extrema direita: de olho nas eleições municipais e contou com a participação de Rudá Ricci, cientista político e presidente do Instituto Cultiva.
O presidente do Cebes, Carlos Fidelis abriu o encontro com destaque aos impactos do neoliberalismo. “Todos nós sabemos que o mundo vive há um tempo sob o ataque das políticas neoliberais, políticas essas que estão cortando direitos e atacando a instituições do estado de bem-estar, gerando crises diversas”.
A diretora do Cebes, Ana Maria Costa, que mediou a conversa, pontuou sobre a importância do debate sobre saúde no contexto das eleições municipais, especialmente nestas que, para ela, marcam o futuro político do Brasil. “Pretendemos discutir os grandes desafios para a esquerda, no campo democrático, haja vista, a presença de estratégias cada vez mais virulentas do campo da extrema direita”.
Rudá traçou um panorama para demonstrar as mudanças estabelecidas na organização do Congresso Nacional que hoje possui um poder importante na estrutura e no contato com os municípios. Os deputados do chamado “baixo clero”, majoritariamente ultraliberais e conservadores, ganharam mais força a partir da ascensão de Eduardo Cunha como presidente da câmara em 2015. “Nessa configuração, o deputado federal passa a alimentar sua base eleitoral municipal, fazendo gancho com os ministérios, Caixa Econômica Federal e assim por diante. Ele passa a comandar muitas prefeituras, em alguns casos, diretamente”, explicou.
“As eleições deste ano definem a câmara dos deputados daqui dois anos. E eles é que vão colocar a “faca no pescoço” do presidente, seja de extrema-direita, como Bolsonaro, seja mais à esquerda como Lula”.
Para Rudá, é importante que o foco estratégico não se mantenha apenas em municípios acima de 100 mil habitantes, como tem sido, já que colégios eleitorais menores têm ampliado a bancada de deputados conservadores e de extrema-direita. “O importante, é que, segundo o IBGE, os municípios brasileiros que são rurais ou distantes dos grandes centros urbanos perfazem 65% do total de eleitores. É aí que a gente não vê, porque o voto está fragmentado”.
Dicotomia político-eleitoral – Rudá citou os estudos do antropólogo político Moacir Palmeira, na dinâmica comportamental eleitoral que ocorre em pequenos municípios. “Principalmente depois que Vargas (Getúlio) começa a construir um estado nacional de fato. Ali começa a acelerar cada vez mais a polarização no interior, por causa do coronelismo”, explicou. Em municípios rurais a disputa pelo poder acaba acontecendo ainda nos moldes do coronelismo, através de famílias que se alternam, geralmente, duas. “Mas, tem uma coisa que Moacir descobre que é genial e um fenômeno que a gente pouco discute: é que aquela parte da população que se alinha ao candidato A, se ele se elege, há uma expectativa que todos que o apoiaram entrem na prefeitura ou ganhem algum benefício”.
Esta é uma relação secular que faz parte das dinâmicas eleitorais dos pequenos municípios e ainda hoje acontece. Nesse contexto existe uma peculiaridade apontada pelos estudos de Moacir Palmeira que nos informa sobre um senso de lealdade aos atores políticos, inclusive àqueles que perdem as eleições. Assim, durante os quatro anos de mandato, o grupo que perdeu deve continuar seguindo as orientações de voto para outras candidaturas, como as de deputados.
Desenho da atualidade – Para Rudá a expectativa que tem se apresentado até o momento é a de que o bolsonarismo deve disputar as prefeituras a partir da polarização. “A polarização, como a eleição do governo Lula, de certa maneira é mais fácil nas capitais, já no interior, justamente porque é pulverizado em famílias, é mais difícil”, comenta. “Eleições em pequenos municípios é uma eleição de demandas de bairro ou pessoais”.
Nos grandes centros urbanos, essa relação de pequenas demandas não ocorre e as campanhas se aproximam mais de questões amplas como segurança, saúde, educação e outros.
A hora da esquerda – A tragédia climática recente que assolou o estado do Rio Grande do Sul foi uma mostra de como determinadas pautas que parecem pertencer à direita, como é a segurança pública pode ser sobreposta por outras, baseadas em situações emergenciais como tem sido a crise climática. “Este é um debate que precisa estar vivo, porque a direita e a extrema-direita não sabem o que propor para essa questão. A extrema-direita é negacionista em sua essência”, apontou. “Já a direita no Brasil, foca numa concepção desenvolvimentista, de apropriação desqualificada da natureza”.
Agregada à pauta ambiental, a saúde pública é um tema extremamente sensível neste momento. Para Rudá, além das questões do momento existe também a possibilidade de proliferação de doenças que não estavam tão presentes antes das enchentes, entre outras situações relacionadas à reconstrução da vida da população atingida. “Haverá uma disputa que a esquerda tem uma colocação melhor, mas nós temos que trazer outros temas que subsidiam este debate como é o caso da organização da estrutura urbana, urbanização das cidades, a saúde, em especial, as condições de vida das populações que vivem na periferia, segurança para viver… Essa é a pauta dos grandes municípios”.
A quebra do ciclo de coronelismo que ainda permeia as eleições em pequenos municípios é defendida por Rudá a partir do investimento em negócios e trabalhos cooperativos de mulheres. “A estrutura coronelística é toda masculina e toda patriarcal. Nas cidades do interior, quando a prefeita é mulher, raramente ela não é esposa de um chefe político. É patriarcal porque os pequenos municípios gravitam ao redor dos donos da economia local, que quase sempre é comércio ou agronegócio”.
A ideia de dar autonomia das mulheres é uma estratégia apresentada por Rudá como forma de “quebrar” a engenharia política destes locais ainda dominados por um sistema baseados nos princípios conservadores e de direita.
Outro ponto levantado pelo cientista político é o papel dos jovens nos municípios pequenos. “Os jovens não têm oportunidade nesses municípios, eles vão para os grandes centros urbanos, as cidades vão ficando velhas. Aqueles jovens que ficam são os que não têm perspectiva”.
Diversas outras possibilidades de enfrentamento foram apresentadas durante o debate como possibilidades importantes a serem pensadas pelo campo da esquerda nestas eleições municipais.
Reportagem: Fernanda Regina da Cunha/Cebes
Assista o debate no link ou a seguir: