Já não somos os mesmos?
Há 20 anos, uma entrevista do empresário Pedro Collor desencadeou um processo de final traumático: o impeachment de seu irmão Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente da República eleito pelo voto popular no pós-64. Passadas duas décadas, Collor passou da condição de réu a de algoz na CPI do Cachoeira, onde a todo custo tenta resgatar uma biografia perdida nas trapaças de seu curto governo. Curiosamente, em sociedade com o PT, que em 1992, ainda exibindo a aura de “partido ético”, ajudou a empurrar o presidente para um longo período de ostracismo político, durante o qual foi rejeitado inclusive por seus antigos eleitores alagoanos – findo o prazo de oito anos de suspensão de seus direitos políticos, ele tentou retornar ao governo estadual em 2002, mas perdeu a eleição para o socialista Ronaldo Lessa (PSB).
Collor caiu em pouco mais de quatro meses após a entrevista, algo inimaginável na virada dos anos 1990, no fim de uma campanha eleitoral inovadora, moderna para os padrões dos marqueteiros da época, que o levou ao Palácio do Planalto com os votos de 35 milhões de brasileiros, no segundo turno da eleição de 1989. Político sem expressão nacional, quarto de cinco filhos da oligarquia de Arnon de Mello, Collor, a exemplo de Jânio Quadros na última eleição direta antes do golpe militar de 1964, empolgou o país com um discurso moralista, de combate à corrupção. A diferença é que Jânio tinha como símbolo a vassoura, com a qual, dizia, varreria “a bandalheira”. Collor encarnou o “caçador de marajás” – como batizou servidores públicos que recebiam altos salários, especialmente no Judiciário alagoano, numa afronta à população de um dos menores e mais pobres Estados do país.
O que o país não tardou a descobrir, e Pedro Collor confirmaria em entrevistas e depoimento à CPI, é que Collor era um farsante. O discurso da moralidade com o qual empolgara o Brasil era tão falso como uma nota de 3 reais. Enquanto o presidente hipinotizava o público caçando marajás, seu tesoureiro de campanha, Paulo César Farias, o PC, assassinado em circunstâncias misteriosas em 1996, extorquia empresas públicas e privadas em nome do presidente. Estima-se que PC Farias tenha arrecadado alguma coisa em torno de US$ 1 bilhão. Os números variam conforme a fonte. Na entrevista que concedeu à revista “Veja”, edição de 27 de maio de 1992, Pedro Collor disse que o presidente e o tesoureiro eram, na realidade, sócios na roubalheira, na proporção de 70% para 30%, respectivamente, para cada um.
A CPI para apurar as denúncias de Pedro Collor e as atividades de PC Farias no governo teve momentos épicos e, no fim, chegou a dar a impressão de que o país finalmente achara o caminho para erradicar a erva daninha da política nacional: a corrupção. As palavras do deputado Benito Gama (PFL-BA), na abertura da CPI, traduziam com exatidão o sentimento de esperança que perpassava a sociedade: “O Brasil não será o mesmo após a CPI. Nem nós seremos os mesmos”. Fazia, assim, remissão adaptada à circunstância de um verso do poeta chileno Pablo Neruda: “Nosotros ya no somos los mismos”.