DEBATE: REGULAMENTAÇÃO DA EC 29

Depois de 11 anos, a regulamentação da Emenda Constitucional 29 (PLP 306/08), que determina o volume mínimo de gastos com saúde dentro dos orçamentos da União, Estados e Municípios, está prestes a ser votada na próxima  quarta-feira (21) na Câmara dos Deputados.  A votação trouxe à tona o debate sobre o financiamento e a necessidade de uma nova fonte de recursos para a saúde.  A própria presidente Dilma Rousseff se manifestou sobre a necessidade de um reforço financeiro para garantir que os valores determinados pela Emenda pudessem ser cumpridos. Para o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), há uma clara insuficiência do financiamento para a saúde no Brasil para que o SUS possa dar conta da universalidade e da qualidade compatível com nosso nível de desenvolvimento  e com as necessidades e demandas existentes.  A regulamentação imediata da EC-29 poderá ajudar a resolver essa questão, mas urge acrescentar que esta medida deve ser acompanhada de outras que ajudem a resolver, de forma definitiva e permanente,  a questão do financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS).  Há uma insistência recorrente da mídia em afirmar a má gestão, o mal gasto e a corrupção do setor como responsáveis pelas fragilidades do SUS. Ao desviar o debate para esse foco, compromete o debate e a solução dos reais problemas setoriais. Por isso é necessário fazer um debate sério, democrático e comprometido com a saúde como política social e relacionada à garantia do direito à saúde. Assim o Cebes lança a partir de hoje, um espaço configurado como painel de opiniões sobre o assunto no qual pode ser discutido o financiamento , o papel da EC29 , novas fontes de recursos para a saúde, o gasto em saúde, entre outros.  A ideia é que especialistas, estudiosos, gestores, usuários e todos os interessados possam opinar, refletir, propor sobre o tema de forma que o debate possa avançar. O Cebes convidou algumas personalidades para falar do assunto. Luiz Augusto Facchini,  presidente da Abrasco; Deputado Federal Darcísio Perondi (PMDB/RS), José Gomes Temporão, ex-Ministro da Saúde, Felipe Cavalcanti (do Blog Saúde com Dilma) estão entre eles e opinam abaixo:

Financiamento e gestão
Melhorias na gestão, eficiência, critério e probidade no uso de recursos públicos são compromissos de todo gestor em qualquer época, independente da suficiência de recursos financeiros. Entretanto, o argumento de que os problemas financeiros do SUS são decorrentes do mau uso dos recursos e não da falta de dinheiro é uma tergiversação sobre o problema e as evidências mostram isso. Para garantir o preceito constitucional do direito de todos à saúde, o Brasil organizou um sistema público e universal de saúde financiado com recursos orçamentários. Entretanto, apesar do gasto total em saúde representar uma proporção bastante razoável do PIB nacional, cerca de 8,5%, o gasto público em saúde encontra-se em patamar muito baixo (cerca de 46% do gasto total). O mais grave é que a proporção de gasto público em saúde no Brasil é baixa não apenas frente a países industrializados com sistemas públicos de saúde, como por exemplo, Canadá e Inglaterra, mas também frente a países latinoamericanos com sistemas segmentados de saúde, como por exemplo, Argentina, Colômbia e Uruguai e mesmo frente aos Estados Unidos que possuem um sistema privado de saúde. Logo, vivemos uma situação cruel, pois precisamos de solução não apenas para desperdícios e ineficiências da gestão, mas especialmente para a enorme defasagem no financiamento público da saúde.
Luiz Augusto Facchini – presidente da Abrasco

A EC 29 e as necessidades em saúde
Não há qualquer garantia a esse respeito. Por isso, o momento é de muitas dúvidas e angústia entre aqueles que defendem um expressivo aumento dos recursos públicos para a saúde. A regulamentação da EC29 será fundamental, mas dependendo dos acordos entre os governos (federal, estaduais e municipais) e os parlamentares, na Câmara e no Senado, poderemos ter um aumento mais significativo dos recursos para o SUS, ou continuaremos com os problemas crônicos do subfinanciamento, que são agravados por transferências de recursos públicos para o sistema privado de saúde.
Luiz Augusto Facchini – presidente da Abrasco

Financiamento e gestão
Há um conceito equivocado de que a crise no setor de saúde é consequencia da má gestão. Problemas de gestão existem em todo o setor público, mas o Sistema Único de Saúde (SUS) faz um verdadeiro milagre com poucos recursos. É só procurar um secretário de saúde, um provedor de santa casa ou um diretor de hospital universitário para saber que a crise se agrava por falta de recursos. Saúde nunca é prioridade dos governantes. O SUS prima pela integralidade e pela universalidade e dele dependem 190 milhões de brasileiros. Mas a União vem deixando a responsabilidade para as prefeituras, que gastam, em média, 19,5% de suas receitas com saúde. Em 1980, a esfera federal respondia por 75% dos gastos com saúde. Hoje, responde com menos de 40%, cerca de 1,75% do PIB. Está aí a raiz do problema. O custo saúde no Brasil aumenta a cada ano e a remuneração do sistema, há décadas, não cobre sequer a inflação. No Brasil, gasta-se com saúde o equivalente a R$ 1,82 por habitante/dia. É ridículo, se levarmos em conta que, em 2009, R$ 175 bilhões foram usados para pagar os juros da dívida, três vezes mais que o orçamento do Ministério da Saúde naquele ano.
Deputado Federal Darcísio Perondi (PMDB/RS)

A EC 29 e as necessidades em saúde
O texto modificado na Câmara, que vamos terminar de votar na quarta-feira, além de estabelecer o que são ações e serviços de saúde, acabando com os recorrentes desvios, mantém a precária sistemática orçamentária atual. Os estados devem gastar 12% de suas receitas em saúde, os municípios 15% e a União tudo o que foi investido no ano anterior, mais a variação nominal do PIB. Definitivamente, não resolve o problema. Mas é importante mandarmos essa matéria de volta para o Senado. São três anos de espera. Já o texto aprovado pelo Senado, defendido pela Frente Parlamentar da Saúde e pelas entidades nacionais, obriga a União a gastar o equivalente a 10% de suas receitas correntes brutas com saúde, o que representaria um acréscimo de R$ 29,3 bilhões ao orçamento do SUS. É esse texto qu evamos brigar para aprovar. Por si só, ele vai permitir o acréscimo de mais R$ 31 bilhões na saúde.
Deputado Federal Darcísio Perondi (PMDB/RS)

Regulamentação contra a desigualdade social
“Uma Regulamentação da Emenda Constitucional 29 que, sim, aumente a carga tributária, incidindo sobre os mais ricos e ajudando a evitar a sonegação, com aporte de todos os recursos de um novo imposto para a saúde. Não queremos uma regulamentação que faz de conta que aporta mais recursos, mas em nada altera o pacto de desigualdade social”.
Felipe Cavalcanti – Médico sanitarista/coloborador do Blog “Saúde com Dilma”

Saúde e Gestão
“Para melhorar a gestão, vamos ter de aumentar o gasto. Como garantir a implantação do cartão SUS para todos os brasileiros sem investir em gestão, na formação de gerentes?”

“O governo percebeu que se não colocar recursos adicionais na saúde, teremos problemas graves no curto e médio prazo (…) É importante a sociedade ter clareza que, ao investir no SUS, estamos investindo num patrimônio que a sociedade construiu nos últimos 22 anos.” (trecho publicado na revista eletrônica Carta Maior)
José Gomes Temporão – ex-ministro da Saúde