Defesa da saúde pública
O Globo – 01/01/2012
Por Jorge Darze
Matérias na imprensa revelam uma grave crise no SUS, que impõe à maior parte da população enormes dificuldades de acesso para tratar suas enfermidades. A partir de 1988, com a promulgação da Constituição, o direito à saúde passou a integrar a cidadania e tornou-se obrigação do Estado. Desde então, o grande avanço foi a aprovação da Emenda Constitucional 29 e a sua recente regulamentação, que carimba recursos destinados exclusivamente à Saúde. Só no plano federal isso deverá garantir mais cerca de R$4 bilhões, o que eleva o dinheiro para o setor a cerca de 7% do PIB.
Neste debate sobre a crise estão polarizadas duas posições, reconhecendo entre as causas o subfinanciamento ou a gestão desqualificada do sistema. Na verdade, os dois argumentos são verdadeiros, com ênfase para o primeiro. Muitos estados e municípios já cumprem a Emenda 29, e ainda assim a União vem reduzindo seus investimentos no setor. Do total gasto com a saúde pública no Brasil, menos de 40% saem dos recursos da União. Essa participação nos anos 80 girava em torno de 75%. Com isso, a OMS identificou o país como um dos que menos gastam com o setor.
Sendo uma das importantes economias do planeta, o Brasil não pode ter um sistema de saúde pública de nação subdesenvolvida. A chamada estabilidade econômica tem a sua base ancorada em altas taxas de juros e na abertura da economia ao sistema financeiro globalizado, atraindo grandes investimentos de um capital majoritariamente especulativo, não associado à produção. São fatores essenciais para entendermos os argumentos oficiais sobre as dificuldades para se aumentar o orçamento da Saúde.
Não foi à toa que a presidente Dilma insistiu na prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU). Desse bolo de dinheiro desviado, valor significativo sai da seguridade social. Vale lembrar que o Conselho Nacional de Saúde proíbe o desvio desses recursos. Isso configura o descumprimento da Lei 8.142, que estabelece o controle social do SUS. Para se ter uma ideia, das receitas desviadas pela DRU, de 2005 a 2010, contabilizamos o valor astronômico de R$228,74 bilhões. Outro fato que merece destaque é que, em relação ao PIB, entre 1995 e 2006, o percentual de gastos com a saúde foi, em média, de 1,70%. No mesmo período, os gastos com os juros da dívida foram em torno de 8%.
É preciso reconhecer que a gestão de grande parte do sistema é incompetente, fiscaliza pouco e não respeita o controle social, salvo algumas exceções. São diversos os exemplos do dinheiro mal gasto ou desviado. Muitos se valem dessa realidade para afirmar que a gestão pública da Saúde é ineficiente e que, portanto, devemos privatizá-la. Mas a causa não está no fato de ser ela pública, até porque é o Executivo quem escolhe os seus gestores. A solução privada, além de ser vedada pela Constituição, foi reprovada pelas últimas conferências de saúde. Além disso, tem revelado, através de relatórios dos tribunais de contas, baixo desempenho, irregularidades no uso do dinheiro público, além do desmonte do SUS.
Portanto, agora, com o aumento dos recursos, é preciso garantir a gestão pública profissionalizada, democrática e trabalhando integrada com o chamado controle social. Aí, sim, teremos o SUS de verdade.
JORGE DARZE é presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro.