Descaso com a saúde pública

Correio Braziliense – 13/11/2011

Auditorias do Tribunal de Contas do DF e da Anvisa revelam falhas na gestão da distribuição de remédios feita pelo governo local. O armazenamento precário dos produtos foi apontado como um dos principais problemas

Uma auditoria operacional no programa de Assistência Farmacêutica do governo local mostrou em fotos, converteu em estatísticas e registrou em análises o que passam diariamente as pessoas que dependem do sistema público de saúde na capital da República: “O DF não consegue atender de forma razoável a população”.

A conclusão é parte de um documento de 60 páginas produzido pela Quinta Inspetoria de Controle Externo do Tribunal de Contas do DF (TCDF), no período de novembro de 2010 a maio de 2011. O relatório informa em detalhes as péssimas condições de armazenamento, o transporte irregular e a distribuição descontrolada de medicamentos da atenção básica, como os usados no tratamento de hipertensão e de diabetes. A partir de dados alarmantes, o Tribunal de Contas decidiu, em 11 de outubro último, cobrar da Secretaria de Saúde que tome providências para corrigir os erros apontados.

A apuração dos técnicos teve como base a análise de documentos da própria Secretaria de Saúde, a consulta a relatórios de outra auditorias realizadas por órgãos federais e locais e a visita a 48 unidades da rede, sendo 43 centros de saúde e cinco hospitais. Nas investidas, os auditores confirmaram o drama de quem depende dos remédios distribuídos pela rede pública para tratar enfermidades.

Um dos dados mais preocupantes descobertos durante a investigação é que, dos 177 remédios que compõem a lista do Núcleo de Medicamento da Atenção Básica, faltaram 75 itens durante seis meses ou mais e 34 não estiveram disponíveis durante o ano inteiro. Isso quer dizer que, de todos os itens que deveriam constar nas prateleiras de centros de saúde, de hospitais e da farmácia central em 2010, mais da metade (61%) não foi entregue, pelo menos, ao longo de metade do ano.

Para os doentes que contam com os remédios distribuídos pelo governo, a carência de um medicamento é o que pode haver de mais dramático, mas não é o único problema que ocorre nesse sistema de gestão. Os auditores descobriram que, quando guardados no estoque, os remédios, muitas vezes, estão em condições precárias.

Foram encontrados produtos armazenados em banheiros, no chão e expostos ao sol e à umidade em 44% dos centros de saúde visitados. Condições que, na melhor das hipóteses, diminuem a vida útil dos medicamentos. Em situações ainda mais graves, essas reveladas por auditoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), caixas de remédios aparecem empilhadas ao lado de fezes de cachorro, expondo os itens a risco de contaminação.

Sem padronização
As falhas foram encontradas em todas as etapas da gestão dos medicamentos. Os auditores da Quinta Inspetoria do TCDF flagraram remédios sendo transportados em cadeiras de rodas, o que demonstra o grau de improviso da Secretaria de Saúde. Há registros ainda de remédios como a insulina — que precisam de acondicionamento específico — guardados em geladeiras usadas também para conservar alimentos e bebidas.

Cada uma das irregularidades constatadas durante a auditoria reforçou a convicção dos técnicos de que a pasta não dispõe de normas ou orientações padronizadas para a rede, o que compromete a eficiência do serviço e dificulta o controle do processo de distribuição de remédios.

“A não utilização de procedimento operacional padrão impossibilita a garantia de qualidade dos serviços de assistência farmacêutica, pela falta de uniformidade e a inexistência de instrumentos para possibilitar o uso racional de recursos aplicados na área”, diz um trecho do relatório elaborado pela equipe técnica do Tribunal de Contas. Um alerta evidente de que dinheiro público tem sido desperdiçado em um sistema ineficiente de distribuição de medicamentos essenciais para salvar vidas.

Vertentes

A assistência farmacêutica tem como uma de suas vertentes a atenção básica, que se destina ao fornecimento de remédios e insumos para o tratamento precoce de enfermidades comuns, como é o caso da hipertensão e do diabetes. Esses medicamentos devem estar continuamente à disposição das pessoas que sofrem doenças. Já pacientes com câncer, hemofilia e transplantados recebem os remédios por meio da Farmácia de Alto Custo.