Descriminalizar o aborto é urgente
O caso da menina de 9 anos abusada pelo padrasto em Alagoinha, em Pernambuco, e grávida de gêmeos, submetida ao aborto nesta quarta-feira (4/3), trouxe à tona mais uma vez o debate sobre a criminalização do aborto. O recente fato tem respaldo legal: apesar de proibido, a legislação brasileira permite que o aborto aconteça em caso de estupro e quando a gestante corre o risco de morrer. Com altura de 1,33m e peso 36 kg, ela carregava uma gravidez indesejada e de alto risco. O aborto, realizado no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), recebeu apoio de organizações não-governamentais de defesa dos direitos das mulherese ativista em prol da saúde e dos direitos reprodutivos. Entre os grupos, a Rede Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos e Jornadas pelo Aborto Legal, além da Católicas pelo Direito de Decidir, SOS Corpo e Curumim. “Cada dia que passava, o risco era maior, a menina se sentia mal e já apresentava outras complicações”, informou ao O Globo (4/3), a coordenadora do Grupo Curumim, Paula Viana. “Tinha que ser feita uma intervenção médica imediata”, disse.
Vejamos que apesar da barbárie da violência sexual como forma de engravidamento, esta menina estava vivendo uma situação de risco. O caso foi duramente criticado pela pela Igreja Católica, que excomungou a mãe da criança e os médicos que realizaram o procedimento. A excomunhão foi anunciada pelo arcebispo de Olinda e de Recife, dom José Cardoso Sobrinho. O arcebispo tentou ainda convencer os pais da menina a rever o aborto e pensou em recorrer a Justiça para impedir o procedimento. O pai biológico dela, Erivaldo Francisco dos Santos, queria que as crianças nascessem. A mãe da menina, no entanto, estava irredutível e sequer quis conversar com o representante da Igreja.
A postura da Igreja, anunciou o ministro da Saúde José Gomes Temporão, foi “radical” e “inadequada”. “O ato de excomungar os envolvidos no aborto é um contra-senso diante do que aconteceu à criança, vítima de estupro pelo padrasto”, declarou. O mesmo avaliou o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que estava junto quando Temporão fez as declarações. Para ele, condenar o aborto de uma menina que foi estuprada é uma coisa medieval. “Como cidadão eu fiquei revoltado com essa posição da Igreja”, disse. Mais informações sobre as declarações de Temporão e Minc sobre o caso em UOL Notícias.
Para o arcebispo, as leis de Deus estão acima de tudo e, por isso, os fins não justificam os meios. “E a lei humana contraria a lei de Deus, que é contra a morte”, justificou.
Polêmica antiga, mas sempre uma dívida com as mulheres que esperam pela plena democracia do direito ao aborto.
Não é a primeira vez que o aborto causa divergências entre os vários grupos da sociedade civil: de um lado, em sua maioria religiosos, condenam a prática em defesa da vida; do outro, os que lutam pela descriminalização do aborto, com bons argumentos, pela garantia de direitos, pela autonomia das mulheres e por ser uma questão de saúde pública.
O tema foi também muito debatido quando da criação da CPI para investigar o comércio de substâncias abortivas e a prática de aborto, aprovado pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP), em 9/12. Na ocasião, deputados da Frente Parlamentar em Defesa da Vida — Contra o Aborto usaram declarações de José Gomes Temporão sobre a existência de comércio clandestino de substâncias abortivas e prática ilegal de aborto no país, para fazer o requerimento.
A CPI do aborto, como ficou conhecida, foi criticada pelo CEBES e por diversas entidades feministas incluindo a “Articulação de Mulheres Brasileiras”, que considerou o caso uma forma de reforçar e legitimar a estratégia de criminalização e perseguição às mulheres. Em nota publicada no site desse grupo (www.articulacaodemulheres.org.br), chamaram a atenção para o fato de no ano de comemoração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da realização da 11ª Conferência de Direitos Humanos (em 15 de dezembro) ainda se perseguir e criminalizar mulheres que praticaram aborto.
A médica-sanitarista e vice-presidente do Cebes, Ana maria Costa, publicou também na época o posicionamento do Cebes sobre o assunto. “Para nós, profissionais da saúde, temos ainda que reconhecer que a criminalização do aborto, além de injusta, é um agravante para as condições de vida e saúde das mulheres, constituindo um problema de saúde pública”, refletiu. Para ela, foi lamentável a Câmara dos Deputados ter assumido uma posição claramente contrária às mulheres brasileiras e à saúde publica do país, aprovando a criação da CPI do aborto. “É lamentável que as mulheres que, por ora gozam do profundo desamparo do Estado, quando exercem o direito de escolha por gravidezes indesejadas, tenham suas frágeis estratégias de sobrevivência desbaratadas pela fúria fundamentalista dos antiabortistas, quando a hora de nossa democracia pede alargamento da tolerância e acolhimento das diferenças de opinião e condutas”, concluiu.
Campanha de apoio aos médicos que fizeram o aborto
Ao Magnífico Reitor da Universidade de Pernambuco (UPE), Prof. Carlos Calado
À direção do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (CISAM)
Manifestamos nossa solidariedade à equipe de atenção à saúde desta unidade pública de atendimento que, sem medo de ameaças, realizou com ética, agilidade, competência e espírito de solidariedade, aquilo que reza a lei brasileira para casos (infelizmente não raros) como o da menina de 9 anos.
Muitos CISAMs e muitos profissionais como o professor Olimpio Moraes e o Dr. Sérgio Cabral para o Brasil!!!
Cebes