Diabetes gera 40 mil amputações
Doença sem tratamento faz com que brasileiros atendidos pelo SUS percam membros
Qual o preço da pobreza para as doenças do brasileiro? Para mais de 40 mil diabéticos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), é um pé, um dedo, uma perna: sem tratamento na fase inicial da diabetes, a enfermidade se agrava a ponto de esses doentes, com a circulação afetada e lesões infeccionadas ou até necrosadas, terem de ser amputados nas emergências dos hospitais. Outros males no Brasil, que poderiam ser evitados ou então controlados, são igualmente agravados pela pobreza e pela negligência do sistema de saúde, como a tuberculose, a hanseníase e a dengue.
Em muitos casos, o bom atendimento dos pacientes no nível de atenção básica — o que inclui, além dos serviços prestados pelos postos de saúde municipais, os fornecidos pelo Programa Saúde da Família (PSF), federal — poderia reduzir em pelo menos 50% o agravamento da doença, além de diminuir os gastos do próprio SUS.
Já fazia cinco anos que Geralda Aparecida Ferreira da Cruz sentia dor nas juntas e nas pernas. “Os pés às vezes chegavam a inchar. Eu ia ao médico, passavam analgésico e remédio para reumatismo”, conta Geralda, de 72 anos, moradora de Belford Roxo, Baixada Fluminense, e doméstica até dez anos atrás.
Geralda já apresentava sintomas graves de diabetes e ainda não sabia ser portadora dela. Em fevereiro deste ano, uma ferida apareceu em seu pé esquerdo — apenas dois meses depois, em abril, ela teve de amputar não só o pé, mas a perna esquerda quase até a virilha, pois a ferida, infeccionada, alastrou-se.
A tragédia pessoal de Geralda Aparecida é nacional. Pela falta de atendimento no início da diabetes, cerca de 45 mil diabéticos, pacientes do SUS, já tiveram que ser amputados no país desde 2002, segundo o Ministério do Saúde. O dado, porém, estaria subavaliado, segundo a Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular e a Federação Nacional das Associações e Entidades em Diabetes.
Dados subnotificados
O dado é subavaliado, diz Caiafa, porque, primeiro, o ministério só trabalha com o que é informado pelos hospitais, dados que já chegariam subnotificados. Segundo, o ministério não contabilizaria os atestados de óbitos parciais — no caso de amputações altas, a perna precisa receber um atestado de óbito e, às vezes, ser enterrada —, informação, por sua vez, registrada pelos governos estaduais.
Alguns estados com maiores percentuais de amputação são Rio, Maranhão, Alagoas e Piauí. Em Alagoas, 60% dos casos de diabéticos que chegam aos hospitais de emergência (com o problema chamado de pé diabético, causado pelo fato de a diabetes comprometer o sistema circulatório e provocar lesões nos nervos, o que leva a úlceras e infecções) acabam em amputação. O nível aceitável internacionalmente, porém, é de 9% a 12% para amputações altas, diz a sociedade.
Em 2000, esse nível era de 53% no Rio. Explicando o alto índice de amputações, há a falta de acompanhamento dos pacientes — por unidades de saúde que ou não remarcam consultas de diagnosticados com diabetes; ou não fazem a chamada busca ativa, procurando o paciente caso ele não tenha retornado; ou simplesmente não realizam exames regulares para checar a existência ou o agravamento da doença.
Descontinuidade de programas atrapalha
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular, Guilherme Pitta, um dos fatores que levam à falta de acompanhamento dos pacientes é a descontinuidade de programas públicos.
Um exemplo de programa que começou a dar certo mas foi descontinuado ocorreu no Rio, entre 2003 e 2006: o Projeto de Atenção Integral ao Portador de Pé Diabético. Treinando equipes nos postos de saúde, ele fez o número de amputações na cidade cair em mais de 50%. E com menos gastos, pois o atendimento primário é mais barato — o custo de nove amputações é o mesmo que o de 1.500 exames de pés. Hoje, no país, estimativas apontam que só 10% dos amputados conseguem próteses via SUS.
Coordenadora do Programa Nacional de Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus do Ministério da Saúde, Rosa Sampaio afirma que, segundo estimativas, há 11 milhões de diabéticos no país. O ministério não sabe precisar quanto a diabetes custaria ao SUS. Só de insulina, porém, Rosa afirma que o Governo federal repassa R$ 44,2 milhões por ano a estados e municípios.
“Os programas de atendimento ao pé diabético existem. Mas o desenho desses programas fica a cargo dos estados. O que o ministério faz é capacitar as equipes do PSF. Hoje, 97% das equipes do PSF realizam acompanhamento de diabéticos”, diz a coordenadora.
Fonte: Diário de São Paulo