Discurso e prática nos gastos com Saúde
O Globo – 29/11/2011
Com a inclusão, na Constituição de 1988, do direito de todo brasileiro ser atendido pelo sistema público de saúde, a sociedade, representada pelos constituintes, demonstrou grande senso de justiça social, mas criou para si um enorme problema, o de como financiar um gasto gigantesco protegido pela Carta.
Como não faz sentido debater o direito já adquirido, inamovível, discute-se o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS), uma gigantesca máquina com capilaridade em estados e municípios, sorvedora de bilhões.
Não seria diferente, pois os custos do setor de saúde costumam crescer acima da inflação, muito devido aos pesados investimentos em tecnologia, em novos remédios e equipamentos. E numa sociedade com grandes desequilíbrios sociais, a pressão dos gastos seria grande de qualquer forma. Assim tem sido desde sempre, com parlamentares ligados à atividade e lideranças setoriais com a reivindicação eterna de mais verbas.
A discussão sobre as finanças do SUS reacende com a proximidade da votação da regulamentação da Emenda 29, aprovada em 2000 para fixar de forma mais clara a vinculação de recursos federais, estaduais e municipais à Saúde.
Os gastos federais realizados na última década, divulgados ontem pelo GLOBO, ilustram este cabo de guerra entres os defensores de mais dinheiro para o SUS e aqueles que consideram sensato melhorar a deficiente gestão do sistema, para depois se saber se recursos adicionais são de fato necessários.
As estatísticas, expressas em percentual do PIB, mostram como o discurso político pode ser enganoso: com exceção de 2001, 2004 e 2009, houve queda relativa dos gastos, de um ano para outro. Em 2010, o 1,66% de PIB destinado à Saúde chegou a ser inferior ao 1,76% de 2000. Todo o discurso, no caso do governo Lula, a favor da CPMF, de temor com o “subfinanciamento” do SUS, não se materializou em ações. Tanto que o 1,66% do PIB gasto com o SUS no último dos seus oito anos de gestão é o mesmo índice de 2003, o primeiro do governo. No período, a arrecadação subiu bastante em termos reais, mas a Saúde não foi tratada com a prioridade com que costuma ser destacada nos discursos.
Caso exemplar aconteceu com o fim da CPMF, em 2007, quando o governo temeu por um “caos” em emergências e ambulatórios públicos, pois R$40 bilhões foram suprimidos, com a decisão do Senado, do Orçamento de 2008. Mas a arrecadação repôs os recursos em seis meses – sem impedir a campanha pela volta do “imposto do cheque”, hoje apenas adormecida.
Os números da reportagem comprovam que a grande prioridade do governo é o assistencialismo de uma maneira geral, dono de grossas fatias do PIB, acima de 10%, se incluirmos a Previdência. Um debate a se travar é sobre este desencontro entre palavras de governantes e a vida real. A sensatez aconselha a se aperfeiçoar a gestão no SUS, algo que, afinal, começa a ser feito, por meio de consultorias e com a recente criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, para gerir hospitais públicos federais e universitários, ao largo do regime estatutário esclerosante.
Antes de se pensar em criar impostos para o SUS, é preciso tornar a Saúde de fato prioritária para o governo. As estatísticas comprovam que até agora, no lulopetismo, não o foi.