Discurso no Prêmio Eleutério Rodriguez Neto de 2006 :: Por Henri Jouval Jr.
O Cebes resgatou o discurso proferido pelo professor e médico Henri Jouval Jr.* em Brasília, no dia 7 de junho de 2006, no lançamento do Prêmio Eleutério Rodriguez Neto, do Ministério da Saúde.
Confira na íntegra:
Senhor Ministro,
Membros da Família,
Senhor Representante da OPS
Demais membros da mesa,
Senhoras e Senhores,
Afastado do país há muitos anos, fiquei realmente surpreendido ao receber, na semana passada, telefonema pessoal do Sr. Ministro, convidando-me para falar nesta cerimônia de homenagem ao Eleutério. Sinto-me muito honrado e agradecido pela incumbência com que fui distinguido, mas, ao mesmo tempo, pesa-me a responsabilidade da representação neste ato.
Em primeiro lugar, porque as condições de saúde do Eleutério não lhe permitem a presença, obrigando-me a preencher este vazio, em um ambiente carregado de emoção.
Depois, porque fui eu o escolhido para ser o porta voz, dentre tantos outros companheiros e amigos do Eleutério, que, talvez, com maior propriedade, poderiam substituir-me.
Interpreto que o gesto do Sr Ministro tem raízes no fato de que ambos, muito precocemente, propugnamos pela idéia do Prêmio, além dos profundos laços de amizade que me ligam ao Eleutério e família.
Congratulo-me pela criação do Prêmio e dou testemunho de que é o resgate de um compromisso, efetivado na primeira oportunidade que se apresentou.
Todos sabemos do valor essencial e intrínseco que tem a instituição de um premio. O apreço publico a vultos expressivos de uma sociedade baliza o caminho para os mais jovens, sublinhando, na exaltação dos exemplos, a linha das grandes obras e a construção do futuro.
Também a resposta ao Edital de convocação, com apresentação de mais de novecentos trabalhos, oriundos de todos os rincões nacionais, não deixa qualquer duvida de que a cerimônia, que hoje se celebra, significa menos um momento de recordações nostálgicas dos contemporâneos do Eleutério do que a expressão de vitalidade institucional do setor saúde do país.
Fica evidente o acerto da iniciativa do Sr. Ministro e estou certo que Eleutério consideraria tais resultados como o prêmio de uma vida. Aproveito para felicitar a todos os concorrentes e laureados. Dentro de alguns anos, em novos lançamentos do Prêmio, muitos interessados perguntarão quem foi Eleutério Rodriguez Neto.
Devido a essa perspectiva de longo prazo, o protocolo recomenda que se registre um perfil do homenageado. Considero, entretanto, que seria descabido de minha parte, no momento, traçar biografia do Eleutério e nem creio que seja o esperado de minha participação neste evento.
Além do mais, existe farta documentação a respeito da trajetória do Eleutério, sendo a mais recente a que se encontra no prospecto de divulgação do Prêmio. É uma belíssima síntese, de autoria de Paranaguá. Vale a pena ler!
Talvez alguns também não saibam que, em 2003, em iniciativa meritória, o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) resolveu dedicar um numero da sua Revista à vida e obra do Eleutério. A publicação, intitulada “Eleutério Rodriguez Neto – militante da Reforma Sanitária Brasileira”, é uma magnífica coletânea de depoimentos de atores relevantes de seu convívio. Além de Lucia e Sylvia, esposa e filha, faço questão de citar, com profunda deferência, cada um dos que tiveram a oportunidade de manifestar seus sentimentos e vivencias sobre Eleutério. São eles: Sylvain Levy, Jose Paranaguá Santana, Francisco Campos, Marlow Kwitko, Jose Gomes Temporão, Jose Roberto Ferreira, Sergio Arouca, Sonia Fleury, Sâmara Nitao, Hugo Fernandes Junior e eu. Abordando papeis distintos de sua historia publica e pessoal, o conjunto da obra acaba por configurar, com excepcional qualidade e fidelidade, o enredo da vida do nosso homenageado. Ali estão retratadas múltiplas facetas do Eleutério, tais como o estudante, o aluno, o pai, o intelectual, o líder, e, assim por diante. Se não bastasse, para coroar, Liliane Penello, redigiu o capitulo de Apresentação com extrema originalidade, fazendo um bordado do que extraiu de mais substantivo de cada depoente. Condensou e legitimou, assim, a visão e a representatividade de todo o grupo.
Atrevo-me a dizer que a publicação é de leitura obrigatória não só para compreender o Eleutério, como para entender os primórdios do movimento da Reforma Sanitária.
Penso, sinceramente, que essas publicações, acrescidas do vídeo que assistimos, são tão completas, densas e eloqüentes, que seria redundante de minha parte insistir em avivar mais traços da figura do Eleutério.
De todos estes antecedentes, há um consenso de que Eleutério pertence a uma estirpe de seres incomuns, daqueles que nunca passam desapercebidos, seja pela forca de sua personalidade, seja pelo vigor de sua atuação, sempre combativa, às vezes contundente e incomoda.
Inteligência privilegiada, grande imaginação, palavra fácil foram dotes que ele soube aproveitar na defesa de seus sonhos por um mundo melhor.
Julgo, entretanto, que existe ainda uma lacuna a ser preenchida, quando se rememora Eleutério. Nossa última conversa, ele ainda lúcido, foi em agosto de 1998, na minha casa em Buenos Aires, quando realizava uma consultoria.
Lembro-me muito bem que, já naquela ocasião, a sua grande preocupação, e frustração, era a percepção de que o processo de construção da Reforma Sanitária e do Sistema Único de Saúde estava estagnado, permanecia inacabado e necessitava de revitalização.
Parece-me que, ao mergulhar no passado do Eleutério, estamos esquecendo a principal mensagem prospectiva que ele nos deixa na sua tese de doutorado, que, até no titulo, é sugestiva: “saúde: Promessas e Limites da Constituição”.
Nela ele alerta sobre os esgotamentos e estrangulamentos da Reforma, esboça uma agenda de debates e delineia alternativas de solução, com a clareza de sempre.
Este é o Eleutério!
Destaco que Sérgio Arouca, no depoimento que fez sobre o Eleutério para a citada publicação do CEBES, demonstra, nas entrelinhas, que tinha a mesma inquietação, e que pretendia enfrentar a questão a partir da 12a. Conferência Nacional de Saúde, que se avizinhava. É por isso que no depoimento Arouca lamenta não poder contar com Eleutério, seu costumeiro parceiro de lutas.
Querida Lucia, Sylvia e Pedro Paulo,
Perdoem-me se fui demasiado singelo e sóbrio nas minhas referencias ao Leleco. Além de ser de meu feitio, quis, propositalmente, respeitar, ao máximo, a dor e a redoma em que vocês se recolheram para superar o infortúnio.
Todas as vidas estão sujeitas às armadilhas e vicissitudes imponderáveis do destino. Não sei se vocês já se conscientizaram que, agora, emergiu, e ficou evidente, que não se pode mais falar em Eleutério, sem pensar em Lucia, Dona Melinha, Sylvia e Pedro Paulo. Enfim, a família.
Uma última confidencia, que, talvez, sirva de alento:
Desconheço porque Eleutério conversava comigo de modo desarmado. Ele não se “blindava” com outros papeis. Era a pessoa, e não o personagem. Talvez fosse pelos idos de aluno em Sobradinho.
Ao atualizarmos os temas de família, ele sempre se referia a vocês com afeto, reconhecimento, orgulho, preocupações, enfim, sentimentos universais e comuns.
Porém, permanentemente, se censurava quanto à sua conduta de Quixote, questionando-se o quanto poderia estar sacrificando a vida e o futuro de vocês.
São perguntas que todos fazem e ninguém responde, mas, é inegável que há um valor inestimável em ser herdeiros de um patrimônio intangível como o que se traduz nesta homenagem. Só vocês podem sopesar.
Por fim, embora seja de reconhecimento geral, é imperativo, também, proclamar a lição de vida que vocês estão dando, através da generosidade, do amor, do estoicismo e da dignidade com que se dedicam ao Eleutério.
Em nome de todos, nossa admiração e solidariedade.
Muito obrigado,
Henri Jouval Jr.
*Henri Jouval Jr. foi diretor do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz e representante da OPS/OMS na Argentina, no México e no Chile. Publicou 95 trabalhos e recebeu do Ministério da Saúde do Brasil as medalhas Oswaldo Cruz e Ordem ao Mérito.