Distúrbios mentais afetam menores que trabalham em semáforos
Uma parceria entre a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e a organização não governamental Instituto Rukha avaliou as condições de vida de 191 menores que trabalham em semáforos na cidade de São Paulo e seus irmãos. Quase 30% deles apresentaram transtornos mentais com necessidade de tratamento clínico e 40% têm problemas emocionais ou de aprendizado.
Setenta e dois por cento dos jovens entrevistados relataram que sofrem punições físicas severas, assim classificadas de acordo com os critérios definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo a coordenadora do estudo, Andrea Feijó, a descrição recorrente dessa agressividade pelos menores corresponde a “apanhar com objetos repetidas vezes”, muitas vezes surras de cinto ou castigos semelhantes.
– A presença das crianças ganhando dinheiro nas ruas está diretamente relacionada a lares desestruturados. Trabalhar no semáforo faz parte do universo de uma família muito desestruturada, com alto índice de violência dentro de casa.
Andrea ressalta que a violência doméstica é encarada como medida educativa pelas mães. Mas a pesquisadora também chama atenção para o fato de que os castigos podem ter alguma relação com a taxa de distúrbio que os jovens apresentam. “A violência é um fator de risco para o desenvolvimento de transtornos mentais. O ambiente agressivo dentro de casa, somado à falta de condições financeiras das famílias, acaba impulsionando as crianças para as ruas. Muitas mães concordam com o trabalho nos semáforos, porque várias delas também foram crianças que trabalharam nas ruas e isso é um padrão que se repete por meio das gerações”.
A ONG que participou do estudo desenvolve o Projeto Virada, que une apoio financeiro a um processo de tutela das famílias, com o objetivo de tentar modificar essa realidade. “É como se o educador fosse uma mãe para cada um dos membros daquela família”, explica a diretora da ONG, Dirce Rosa.
O primeiro passo do projeto é restabelecer a capacidade de criar vínculos das pessoas assistidas. Segundo Dirce, são atendidas 200 famílias que vivem em áreas carentes na zona sul da capital paulista e que são “muito negligenciadas”. Essa situação de abandono, dentro e fora do núcleo familiar, acaba sendo, segundo ela, “a maior violência” sofrida pelas crianças.
Os educadores do projeto desenvolvem um trabalho que começa com ações simples, como orientar sobre a higiene das próprias casas. Mais adiante, as famílias recebem informações sobre seus direitos e como conseguir atendimento para serviços como tirar documentos e receber assistência médica.
Além disso, existe um auxílio financeiro, de R$ 350, para compensar a renda perdida quando as crianças deixam de trabalhar nos semáforos. Dirce destaca, entretanto, que o valor é apenas um terço do que o menor poderia conseguir fazendo malabarismos, vendendo balas ou pedindo esmolas.
– Usamos esse recurso para cobrir uma necessidade, para que o trabalho possa ser feito e a família conquiste autonomia.
Todo o atendimento é voltado para que depois de algum tempo a família esteja apta a deixar o projeto e a se cuidar por conta própria. Dirce destaca que o trabalho tem alcançado bons resultados, com melhorias para quase todos os atendidos. Ela reconhece, no entanto, que se trata de um processo caro e de difícil implementação. Mesmo assim, acredita na reprodução de iniciativas semelhantes em outras partes do país.
Fonte: cecovisa