Doações de planos de saúde nas eleições de 2014 crescem 263% e vão a R$ 55 milhões

Segundo estudo, empresas do setor ajudaram a financiar 131 candidatos, de deputados estaduais a presidenciáveis; desse total, 60 foram eleitos

Evandro Éboli | Publicado por O Globo em 27/02

BRASÍLIA – As empresas de planos privados de saúde investiram pesado nas eleições de 2014 e doaram R$ 54,9 milhões para 131 candidatos. O apoio financeiro de 40 empresas do setor ajudou a reeleger por exemplo a presidente Dilma Rousseff, três governadores, três senadores, 29 deputados federais e 29 deputados estaduais. No total, 60 foram eleitos e outros 71, não. O montante doado em 2014 representa 263% a mais que o financiamento dos planos feito na campanha eleitoral de 2010, que foi de R$ 15,1 milhões.

Os dados fazem parte do estudo “Representação política e interesses particulares na saúde”, dos professores e pesquisadores Mário Scheffer, da USP, e Lígia Bahia, da UFRJ. Tem como base doações registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O apoio dos planos é suprapartidário e beneficia legendas de várias matizes ideológicas, do PT ao DEM. Os recursos são doados para diretórios e candidatos. A campanha de Dilma recebeu o maior valor, R$ 11 milhões. Outros dois candidatos a presidente receberam bem menos: Maria Silva (PSB), R$ 689,3 mil; e Aécio Neves (PSDB), R$ 507,3 mil.
VOLUME MAIOR, MENOS CANDIDATOS

Os pesquisadores chamam a atenção para dois aspectos do estudo. Primeiro, o aumento de dinheiro injetado pelos planos em campanhas eleitorais. Segundo, o comparecimento simultâneo de empresas distintas da assistência médica suplementar. “A cada nova eleição no Brasil, os planos de saúde aumentam as apostas em candidatos ao Legislativo e Executivo, estendendo-as para políticos das três esferas de governo, de diversos partidos e candidaturas, tanto majoritárias quanto proporcionais”, afirmam os autores do estudo.

Os planos apoiaram 13 candidatos a governador, três deles eleitos: Geraldo Alckmin (PSDB-SP), cuja campanha recebeu R$ 1,6 milhão; Paulo Câmara (PSB-PE), R$ 500 mil; e José Ivo Sartori (PMDB-RS), R$ 150 mil. Dos quatro candidatos ao Senado beneficiados com doações do setor, três se elegeram: Fernando Collor (PTB-AL), R$ 300 mil; Ronaldo Caiado (DEM-GO), R$ 100 mil; e Lasier Martins (PDT-RS), R$ 1 mil.

Na disputa da Câmara, se comparado com 2010, os planos doaram volume maior de recursos a um número menor de candidatos a deputado federal. Em 2010, o setor ajudou a eleger 38 deputados; ano passado, esse número caiu para 29 eleitos. Outros 23 não conseguiram sucesso nas urnas. Entre os eleitos, os cinco parlamentares que receberam maior volume de recursos foram: Darcísio Perondi (PMDB-RS), R$ 520 mil; Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), R$ 300 mil; Eduardo Cunha (PMDB-RJ), R$ 250 mil; Osmar Serraglio (PMDB-PR), R$ 250 mil; e Saraiva Felipe PMDB-MG), R$ 180 mil. São parlamentares que integram a chamada “bancada da saúde” no Congresso.

Entre as empresas doadoras, a Amil, do setor de medicina de grupo, foi a que mais destinou recursos para candidatos. A Amil doou R$ 26,3 milhões, que representam 48% do total destinado para campanha de políticos em 2014. A principal beneficiada foi a campanha de Dilma, que recebeu dessa empresa R$ 7 milhões. Em 2010, segundo o estudo, a empresa havia doado apenas R$ 300 mil. A Amil é o maior plano privado do país, com mais de 4,5 milhões de usuários de planos de assistência médico-hospitalar.

Em nota no início da noite desta sexta-feira, a Amil comentou as doações de campanha.

“A Amil reitera que faz contribuições eleitorais para campanhas cujos candidatos evidenciem a intenção de aperfeiçoar o sistema de saúde. Também enfatiza que faz doações de acordo com as regras e os limites estabelecidos pela legislação eleitoral vigente”.
‘ARTICULAÇÕES ENTRE EMPRESAS E CANDIDATOS’

Mário Scheffer e Lígia Bahia entendem haver indícios que permitem associar a influência do financiamento das campanhas e a atuação do parlamentar ou do governante eleito. “A doação certamente é orientada pela predisposição e proximidade prévias dos candidatos com as empresas doadoras. Registros de compromissos e envolvimentos anteriores dos candidatos com a expansão dos mercados de empresas de planos de saúde corroboram a hipótese de articulações anteriores entre essas empresas e candidatos”, dizem Scheffer e Lígia.

Para os professores, os investimento dos planos de saúde em campanhas eleitorais têm se mostrado produtivo, se considerados, entre outros indicadores, a presença constante de representantes desse setor privado em cargos de direção na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a aprovação, no Congresso Nacional, de projetos que beneficiam economicamente as empresas.

Alguns parlamentares beneficiados com doações da empresa negaram que esse tipo de apoio gere interferência e direcione seu trabalho para favorecer esse setor em votações na Câmara. Saraiva Felipe, que foi ministro da Saúde, afirmou que sempre recebeu doações dessas empresas. Os parlamentares argumentam que são defensores do Sistema Único de Saúde (SUS).

— Estou no sexto mandato, sou deputado há mais de vinte anos e em todas as campanhas eu recebi. Inclusive, na última campanha, recebi pouquíssimo. Não me sinto absolutamente comprometido por isso. A mim não afeta em nada para defender o SUS. Me sinto absolutamente imune (a essa interferência), não sofro pressão para poder ajudá-los. Nunca aconteceu até agora e nem vai acontecer disse Saraiva Felipe.

Darcisio Perondi afirmou que procura o apoio dos planos de saúde durante a campanha e que se trata de uma doação absolutamente legal.

— Eu trabalho pela ajuda do Brasil. Procuro o apoio das empresas dessa área e não vejo qualquer prejuízo no meu trabalho parlamentar. Sou um dos maiores defensores do SUS. Mas, como não posso receber ajuda do SUS, procuro a área da saúde suplementar. E vejo os planos inseridos no SUS. Eles são fundamentais no sistema e, se fechassem, aí sim seria o caos no financiamento do SUS.

Já deputado Osmar Serraglio também refutou que planos de saúde tenham financiado sua candidatura à Câmara. Questionado sobre os depósitos feitos pelo grupo Unimed, ele disse que a empresa representa na verdade uma cooperativa:

— Sou presidente da Frente Parlamentar pelo Cooperativismo. A Unimed fez a doação como cooperativa, e não como plano de saúde. Eu nem tenho plano com a Unimed. Nunca participei de reuniões com planos de saúde (para favorecê-los) e nem tenho vínculo com planos de saúde — afirmou.