Dossiê sobre Portaria do MS – 2.282 de 2020
dossiê elaborado pela campanha campanha pela descriminalização do aborto no Brasil Nem Presa Nem Morta
Apresentação
A Portaria 2.282/2020, expedida pelo Ministério da Saúde, cria barreiras para o acesso aos serviços de aborto legal e obriga médicos a participarem de processo de investigação criminal.
Muitas foram as reações da sociedade. Três Projetos de Decreto Legislativo já foram apresentados no Congresso, para sustar os efeitos desta Portaria:
um de autoria das deputadas Jandira Feghali, Fernanda Melchiona, Perpétua Almeida, Alice Portugal, Sâmia Bomfim, Luiza Erundina, Lídice da Mata, Natália Bonavides, Áurea Carolina, Erika Kokay e Maria do Rosário;
outro de autoria do deputado Alexandre Padilha;
e um terceiro de autoria dos/as senadores/as Humberto Costa, Paulo Rocha e Zenaide Maia.
De acordo com a lógica retrógrada desta Portaria, o primeiro contato das mulheres em busca de um serviço de aborto legal deixa de ser o acolhimento e cuidado que a equipe de saúde deveria oferecer e passa a ser a investigação criminal. Esta mudança desvirtua a atuação dos profissionais de saúde ao colocá-los em um papel de investigadores, o que pode afastar as mulheres dos serviços caso ainda não estejam prontas para realizar a denúncia.
Na ADPF apresentada por uma coalizão de partidos ao STF, cujo texto está incluído neste Dossiê, está expressa a alegação de que o Ministério da Saúde não tem competência para criar, por meio de Portaria, restrições não previstas em lei para o acesso aos serviços de aborto legal e tampouco poderia impor a criação de novas funções à equipe médica, como a participação dentro de um processo de investigação criminal.
Este ato administrativo coloca em risco o acesso das mulheres e meninas a um direito previsto em lei ao tornar obrigatório que a equipe médica viole o direito ao sigilo das pacientes para notificar as autoridades policiais.
Além disso, a Portaria prevê a inclusão de dois procedimentos no processo de interrupção legal da gestação:
- a exibição de ultrassom do feto para a mulher, que claramente gera intimidação ou mesmo situação de tortura psicológica contra mulheres e meninas que estão em busca de um cuidado de saúde necessário tendo em vista uma violência anterior;
- a leitura de uma lista de riscos decorrentes do procedimento de aborto legal sem que estejam acompanhados da prevalência (probabilidade associada a cada risco citado) ou de uma lista de riscos decorrentes da não-realização do procedimento, especialmente os riscos de vida das meninas nos casos de gestação precoce ou os riscos à saúde mental de mulheres forçadas a seguir adiante com uma gestação fruto de violência.
São novas barreiras criadas para impedir o acesso das mulheres a um direito já tão comprometido atualmente, visto que muitas decidem não fazer a denúncia por medo de sofrerem retaliação dos agressores. Segundo o relatório do Disque Direitos Humanos de 2019, 73% dos casos de violência sexual registrados aconteceram na casa da vítima ou do agressor, o que implica em uma relação próxima entre ambos. Tornar a denúncia condição para que meninas e mulheres acessem o serviço de aborto legal é fazer com que muitas delas sejam obrigadas a desistir do acesso ao cuidado e à saúde.
Estes pontos estão exaustivamente questionados, seja na ADPF acima citada, como na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada ao STF pelo IBROSS, na Ação Civil Pública movida pela Procuradoria-Regional da União da 3ª Região, em notas de repúdio, posicionamentos públicos e matérias de imprensa.
Este Dossiê apresenta uma seleção desses materiais.