Droga, o alimento da violência

Correio Braziliense – 01/04/2012

Levantamento inédito realizado por perita do Instituto de Medicina Legal (IML) da Polícia Civil do DF revela que 63% das vítimas de assassinatos consumiram entorpecentes antes da morte, principalmente o crack. A maioria delas eram jovens entre 15 e 22 anos

Estudo detalhado do Instituto de Medicina Legal (IML) mostra que as drogas estão diretamente relacionadas aos assassinatos praticados no Distrito Federal. Exames toxicológicos apontam que 63% das pessoas mortas a tiros consumiram maconha, cocaína ou seus derivados, como o crack. O levantamento inédito, feito com base em mortes ocorridas em 2010 e divulgado agora, avaliou 369 laudos de autópsias, 79% do total de homicídios por arma de fogo naquele ano. A análise surpreende mais ainda quando as vítimas são identificadas por faixa etária. Entre os jovens de 15 a 22 anos, 73% apresentaram traços de entorpecentes antes de serem executados, o que mostra o poder de destruição das drogas.

O trabalho revela principalmente a devastação provocada pelo crack na última década. No ano retrasado, mais da metade (53%) dos brasilienses baleados e que perderam a vida usaram substâncias ilícitas produzidas a partir da cocaína. Como a maioria era procedente de regiões carentes e violentas do DF, especialistas ouvidos pelo Correio são enfáticos ao dizer que as pedras feitas a partir da pasta-base da coca estimulam a matança dos dependentes químicos. No entanto, mesmo enraizada entre os mais pobres e sem instrução, é cada vez maior a incidência de viciados pertencentes à classe média .

A última e maior pesquisa nacional e domiciliar sobre o tema, realizada em 2001 e patrocinada pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) e pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), expõe uma realidade bem diferente do levantamento do IML. Na ocasião, apenas 2,3% dos 8.589 entrevistados admitiram usar cocaína ou seus derivados, média 18 vezes menor na comparação com os cadáveres de vítimas de homicídio examinados pelos legistas.

Para a autora da pesquisa do IML, a perita médica-legista do órgão Cyntia Sobreira, os números evidenciam necessidade maior de trabalhos preventivos, sobretudo na infância e na adolescência. “É essencial a prevenção difusa das drogas ilícitas, de forma a diminuir o impacto desse tipo penal. É necessário haver uma interferência na faixa etária mais nova, ainda na escola e, depois, na faculdade. Se isso for feito, conseguiremos diminuir o consumo de drogas ilícitas e, consequentemente, a quantidade de homicídios”, destacou Cyntia, chefe da Diretoria de Divisão de Exames Técnicos do IML.

Outro objetivo do levantamento é ajudar a Polícia Civil do DF a entender o perfil dos usuários. “A corporação faz um trabalho eficiente na parte operacional, agindo nos pontos vulneráveis. O meu trabalho tem caráter científico, mas estará à disposição para ajudar a polícia e a sociedade a entender quem são as pessoas mortas por arma de fogo no DF”, ressaltou. As conclusões do estudo foram tiradas a partir do cruzamento de exames de urina coletada das vítimas dos inquéritos de assassinatos da Divisão de Estatística e Planejamento Operacional (Depo). Os testes indicam que as vítimas ingeriram entorpecentes nas últimas 72h de vida.

Maconha
Apesar de ser considerada por muitos a droga ilícita menos danosa ao ser humano, o consumo de maconha aparece em muitas ocorrências com morte. Os peritos do IML identificaram elementos químicos provenientes da erva em quase 40% dos laudos cadavéricos avaliados. A teoria de que o baseado é a porta de entrada para entorpecentes mais nocivos à saúde, como o crack, encontra sustentação no levantamento. Das 369 vítimas submetidas a exames toxicológicos, somente aquelas entre 15 e 22 anos acusaram maior quantidade de maconha no organismo do que de cocaína. “Observa-se que a prevalência da maconha decresce com o passar dos anos”, frisou Cyntia.

O estudo também confirmou que os homens são os que mais se envolvem com a criminalidade e, consequentemente, os que mais morrem de forma violenta. Do total de cadáveres estudados pelo IML, 93% eram do sexo masculino, uma mortalidade cerca de 14 vezes maior que entre as mulheres. Eles também consomem entorpecentes em maior escala. Apenas 35% das pessoas do sexo masculino assassinados por disparos no DF em 2010 não haviam feito uso de substâncias proibidas, frente a 50% das mulheres.

Para o psiquiatra e conselheiro da Associação de Estudos de Álcool e Drogas (Abead) Carlos Salgado, a pesquisa do IML reforça a necessidade de o governo investir mais no combate às drogas. Segundo ele, o DF e as demais unidades da Federação só conseguirão avançar nessa questão quando existir uma forte política pública voltada para a prevenção. “Temos que dar ênfase à prevenção, inclusive alertar para os riscos das drogas lícitas, como o tabaco e o álcool”, afirmou.

O especialista criticou o trabalho da polícia brasileira, limitada a prender traficantes pequenos. “Tem de reprimir com inteligência, atuando para não só prender os miúdos, mas quem produz”, defendeu.

É necessário haver uma interferência na faixa etária mais nova, ainda na escola e, depois, na faculdade. Se isso for feito, conseguiremos diminuir o consumo de drogas ilícitas e, consequentemente, a quantidade de homicídios”

Cyntia Sobreira, chefe da Diretoria de Divisão de Exames Técnicos do IML