E mais uma vez a elite mostra sua cara…
Por Jasmim Neves em Blog Saúde Brasil
E mais uma vez a elite mostra sua cara… Apesar dos esforços – ainda tímidos – do governo em tentar levar assistência médica às regiões mais pobres do país, uma parte elitizada da categoria médica e dos estudantes de medicina continua se opondo ao Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab).
Não porque queiram aprimorar o Programa, ou corrigir falhas, ou ainda lutar por efetivas condições de trabalho na Atenção Básica e no interior… Não! Eles se incomodam mesmo é com o fato de que os médicos participantes recebam bônus nas provas de residência, mesmo após se dedicarem por um ano em atender populações que vivem em maior vulnerabilidade, como em áreas de extrema pobreza, periferias das regiões metropolitanas, além de populações ribeirinhas, quilombolas e indígenas. Acham injusto! Ora, pois!
Sou a favor de que todos tenham direito à saúde, por isso sou militante do SUS. E esse post é para desabafar com a parte elitizada dos médicos e estudantes de medicina do Brasil. Navegue pelas redes sociais, e com alguns cliques você perceberá a enorme quantidade de comentários elitistas e esnobes sobre o exercício da medicina.
Mas se preparem: o que dá nojo é o ataque gratuito, com total desrespeito, despeito e preconceito àqueles que optam fazer parte do Programa. Deem uma olhada abaixo e avaliem: não parece com os mesmo tipos de comentários que a elite faz com (contra) quem recebe o Bolsa Família e contra qualquer sistema de cotas? Ou ainda o mesmo tipo de postura que têm contra os jovens calouros que se recusam a participar de seus trotes, por não quererem ser humilhados, agredidos ou até mortos?
Bom, não satisfeitos de suas reuniões extraordinárias via Facebook, acharam o deputado Heitor Ferrrer (PDT-CE) pra dar voz ao elitismo deles. Pois bem, esse deputado entrou com uma liminar na justiça para a suspensão da bonificação contida no Provab. Fogos de artifício, começou o carnaval e o deputado virou herói dos filhinhos e filhinhas de papai
Mas na terça-feira (12) o carnaval deles acabou, pois o Tribunal Regional Federal da 5ª Região do Ceará reconheceu os argumentos da Advocacia Geral da União (AGU), por entender que não é a simples participação do profissional no Provab que lhe assegura o direito à pontuação extra, uma vez que o médico é submetido à avaliação realizada por tutores.
“(…) a adesão (voluntária) do profissional a um programa que representa louvável política destinada a garantir a prestação de serviços médicos em municípios considerados de difícil acesso e provimento ou de população de maior vulnerabilidade, espelha, a meu ver, atitude digna de mérito, já que retrata a vocação daquele médico para prestação de saúde às comunidades que mais sentem falta desse direito fundamental.”
Agora #chatiados, os “pobrezinhos” estão se organizando e enviando uma cartinha elitista à grande imprensa, como pode perceber trecho dela (clique aqui e leia na íntegra):
“(…) saem em desvantagem nos concursos de residência médica, e, nas especialidades mais concorridas fica extremamente difícil conseguir aprovação quando se disputa com um candidato que participou deste programa social.”
Será que eles (os médicos elitistas) conseguem realmente compreender a importância de um programa que leva médicos para as localidades mais afastadas e mais necessitadas?
Recente estudo (aqui) do Conselho Federal de Medicina mostra que a proporção de médicos no SUS é de 1,1 para cada 1000 habitantes. Outros países que têm sistemas nacionais públicos e universais, como Espanha e Portugal, tem mais de três, e a Inglaterra tem 2,7.
Não bastasse o número reduzido de médicos, eles ainda estão muito concentrados nos grandes centros, principalmente no Sudeste, onde se concentram também mais da metade das vagas de residência médica. Por isso, faltam médicos, sim, no Brasil. A população que precisa, que mora nesses lugares atendidos pelo Provab, sabe disso.
Falamos de criar uma nova cultura, de expor cada vez mais os médicos a realidade de saúde da população e estimular, dar oportunidade para quem queira ver isso de perto em um local diferente do seu habitual e com pessoas que realmente precisam de acompanhamento médico e sofrem com a exclusão social. Ele vai criar novos vínculos, novas perspectivas de vida e será um médico mais humanizado e comprometido com o povo brasileiro. E não é só isso! Vejam os outros “atrativos” do Provab:
Bolsa federal de R$ 8.000 reais, ou seja: mais segurança para o profissional de saúde que tem a certeza que receberá em dia e para o município, que normalmente tem dificuldades, principalmente no interior do país, para pagar o profissional médico.
Pós-graduação lato sensu com especialização em Atenção Básica ofertada por 10 Universidades, logo, privilegiando a formação do médico, a qualidade na formação deles. Além dos bônus, sairão especialistas na área mais necessária ao SUS.
Bônus de 10% nos Programas de Residência Médica. Mas pra isso ele precisa ser aprovado nas avaliações realizadas pelos gestores municipais e instituições formadoras que acompanham e dão suporte ao profissional durante todo o período de trabalho.
Outro benefício, que vai além das questões econômicas, é o fato de que este médico, que faz parte do Provab, sairá da sua zona de conforto e vivenciará uma nova realidade, conhecendo e vivendo junto com o povo brasileiro.
Alô médicos elitistas, vocês já pensaram em quantas famílias sofrem com a falta de médicos no interior do Brasil? Isso porque, mesmo com os concursos disponíveis, os médicos não participam dos processos seletivos. A vergonha da falta de médicos no interior é em virtude da falta de vocação de muitos profissionais em se dedicar verdadeiramente ao próximo! E com o Provab existe a possibilidade desta visão egoísta ir por água abaixo.
Os médicos poderão ver que existem pessoas muito queridas e carentes, que precisam de seu trabalho. Verão a diferença que faz poder minorar os sintomas de uma gripe, ou tratar aquele bicho de pé que se pegou no meio do mato, cuidar das doenças crônicas, enfim: curar doenças e prevenir agravos.
Os estudos demonstram que nada menos que 85% dos problemas de saúde podem ser resolvidos no âmbito da Atenção Básica, com níveis mínimos de tecnologia dura. E que esses problemas, quando não tratados a tempo, podem evoluir para situações mais complicadas. É essa assistência, fundamental, que estamos negando a parcelas enormes da população que não têm acesso aos profissionais médicos na Atenção Básica.
Médicos elitistas, vocês afirmam estar descontentes por se sentirem obrigados a participar do programa. Agora imaginem como se sentem essas pessoas que vivem em lugares distantes, que não podem contar com médicos na hora que precisam e próximo de suas residências? Bem mais descontentes que vocês, com certeza.
Precisamos de mais médicos com esta vocação, que queiram realmente salvar vidas! E essa experiência tem que ser valorizada, inclusive quando ele for fazer, se quiser, sua prova de Residência. Mas torçamos, médicos elitistas, para que esses colegas descubram, ao longo desse ano em que participarão do Provab, que existem possibilidades tão ou mais dignas e nobres de exercer a medicina do que tornarem-se especialistas. Que ao invés de serem os médicos do pulmão, do coração ou da pele, podem ser os médicos de pessoas inteiras, que precisam de um atendimento que, infelizmente, a maioria dos especialistas já não consegue produzir.
Agora se, ainda assim, esses médicos quiserem tornar-se especialistas, o medo dos médicos e futuros médicos elitistas de não passar nos programas mais concorridos é compreensível… Também me sentiria ameaçada por saber que meu concorrente teve uma vivência real do que é ser médico e ainda passou por um curso de especialização teórico e prático antes de realizar a prova para residência.