É o Estado
Emir Sader*
Todo o extenso debate político e idelógico das últimas décadas tem o Estado como centro. Mesmo quando se tenta excluí-lo, ele volta como convidado de pedra, como sujeito oculto, que se buscou invisibilizar. O período histórico atual foi aberto com o triunfo do diagnóstico neoliberal de que a economia tinha se estagnado pelas excessivas regulamentações impostas pelo Estado.
Segundo esse diagnóstico, o Estado, de indutor do crescimento econômico, se haveria tornado um obstáculo, se haveria transformado no centro da crise. Daí a proposta de quanto menos Estado, mais crescimento econômico, da passagem de um Estado regulador a um Estado mínimo que, na prática abriria caminho para se ter mais mercado.
Daí que o Estado tenha sido diabolizado, transformado na vítima privilegiada dos ataques do consenso neoliberal, de que o governo FHC foi uma expressão clara. Ajuste fiscal, privatizações, menos recursos para políticas sociais, arrocho salarial do funcionalismo, dispensas de empregados públicos — tudo na direção de rebaixar fortemente o peso do Estado na economia e nas políticas públicas, intensificar as desregulamentações, asssim como a abertura acelerada da economia ao mercado internacional.
O que centralmente foi atacado no Estado é seu poder regulador que, segundo os neoliberais, afugentaria os investimentos privados. Menos regulamentações, maior liberdade de circulação para o capital e, segundo eles, maior crescimento econômico, com consequências positivas para todos, inclusive para os trabalhadores, com maior criação de empregos.
No entanto, esse diagnóstico se revelou equivocado. Não foi isso o que aconteceu. Na prática, as economias não cresceram. O que se deu foi uma brutal transferência de recursos dos setores produtivos para o setor especulativo, em que o capital — que não foi feito para produzir, mas para acumular, mesmo que seja na especulação financeira — ganha mais, pagando menos impostos e com liquidez total. As taxas de juros continuam a recompensar o capital especulativo com remuneracões que nenhum outro investimento possibilita. Assim, menos Estado e menos regulamentação significou mais especulação e mais concentração de renda.
Mesmo assim, os setores neoliberais não repudiam todas as atividades estatais. Querem menos impostos, menos gastos com políticas sociais e funcionários públicos, mas seguem demandando créditos, subsídios, isenções e todo tipo de facilidades ao Estado. Esse lado do Estado lhes interessa. Financeirizaram o Estado, que passou a transferir renda do setor produtivo e da cidadania ao capital financiero, mediante os chamados superávits fiscais, que reservam o fundamental à tributação para pagar as dividas do Estado.
Um governo antineoliberal — que vai na direção do pós-neoliberalismo —, ao contrario, retoma funções clássicas do Estado, de indutor do crescimento econômico, de financiador da expansão econômica, de agente das políticas sociais, de regulador das relações econômicas, de zelador da soberanía nacional, entre outras funções. Cria e alimenta mecanismos que induzem ao investimento produtivo, cobrando que se dirija parte substancial da sua produção ao mercado interno de consumo popular, com obrigatória geração sistemática de empregos.
O tema do Estado havia sido suprimido do debate político e suprimido das políticas neoliberais — todas elas de caráter privatizante. Na hora da crise, se apelou unanimimente ao Estado. Para a direita, apenas para recompor as condições de funcionamento do mercado, como uma ação emergencial apenas.
Para uma política antineoliberal, que defende o interesse público, o Estado tem papel central, estratégico, nos planos econômico, político, social e cultural. Mas, para efetivamente desempenhar esse papel, como instrumento de um novo bloco social que dirija os destinos do Brasil e não apenas reproduza a predominância dos interesses dominantes, o Estado tem que ser radicalmente reformado, refundado em torno da esfera pública, desmercantilizando-se, desfinanciarizando-se, tornando-se um Estado para todos os brasileiros.
*Sociólogo.
Fonte: Correio Braziliense, 15/11/2009