Eleições municipais e o avanço da extrema direita

Caso não aconteça uma mudança real, com o avanço das propostas e planos progressistas, a direita pode retornar ao governo em 2026, avalia Nassif

O Cebes Debate desta semana abordou um tema essencial para a democracia e garantia de direitos no Brasil: o avanço da extrema-direita no contexto das eleições municipais. O programa recebeu o jornalista Luís Nassif, idealizador do jornal GGN.

O presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Carlos Fidelis, destacou a importância de Nassif na resistência e no combate ao fascismo. O presidente lembrou que as eleições municipais trazem reflexos diretos na composição do Congresso Nacional e na composição de forças políticas no país. “Nós sabemos que é no município que são plantadas as raízes do Congresso,  Senado e dos  governadores. É ali que se conecta todo um mapa que ajuda ou não a governabilidade do país e nós notamos o avanço da extrema direita no mundo”.

Para Nassif, estamos testemunhando a segunda versão da ultradireita no Brasil, com influenciadores de grande alcance, como Pablo Marçal, ganhando destaque. Ele lembra que na primeira etapa desse movimento, o ex-presidente Jair Bolsonaro emergiu como possível liderança. “Bolsonaro era um deputado de baixo clero, intelectualmente muito limitado. Ele entrou como o exemplo do antipolítico”, observou.

Sobre o governo Lula, Nassif apontou que, embora tenha sido uma vitória importante, foi dolorosa e complicada, dependendo muito do papel do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF). “Se não fosse o Lula, a civilização teria sido posta em xeque”. Para o jornalista, estamos numa perspectiva de que a divisão atual não é mais entre esquerda e direita, mas entre “civilização” e “barbárie”.

Nassif ressaltou que o país que Lula assumiu estava profundamente destruído, com as estruturas do Estado devastadas. “O Bolsonaro deixou raízes terríveis no Banco Central, com Roberto Campos Neto, e no Congresso, onde os bolsonaristas do baixo clero hoje bloqueiam qualquer tentativa de desenvolvimento mais substancial”.

Apesar disso, na visão de Nassif, a economia está se recuperando gradualmente, de maneira tímida. No entanto, ele ainda não conseguiu o “ponto central de virada”, que seria a criação de um novo sonho capaz de inspirar a esquerda. Segundo Nassif, o grande desafio hoje é reconstruir a situação anterior, que, embora com falhas, era melhor do que o cenário atual de destruição democrática.

O jornalista destacou o papel relevante de Lula entre 2008 e 2010, quando enfrentou a crise econômica mundial com postura de estadista, comparando-o a Juscelino Kubitschek. Nesse período, o Brasil foi visto como exemplo global de democracia participativa, e Lula se tornou uma referência internacional, chegando a ser convidado para ensinar a socialdemocracia europeia e orientar sindicatos nos Estados Unidos.

A partir da ascensão de Dilma Rousseff, se iniciaram as conspirações que culminaram na Operação Lava Jato, que Nassif considera uma peça-chave na desestabilização do país, e no impeachment. Ele avalia que a esquerda ainda não conseguiu retomar a narrativa de esperança e progresso social dos anos de ouro de Lula.

Avanço da ultradireita – Com a aproximação das eleições de 2024, Nassif prevê um avanço da ultradireita, tanto no interior do sudeste quanto nas capitais e no Nordeste, destacando que o cenário atual ainda é insuficiente para reverter esse crescimento. “Embora o Brasil tenha grandes oportunidades de virada econômica, com a transição energética e tudo, parece que governo ainda não entendeu a importância de planos de metas e de articulação daquilo que o Brasil tem de mais rico que são as organizações nacionais desde MST cooperativismo a estrutura de SESI e Sebrae, a estrutura do Banco do Brasil da Caixa. O governo não sabe o que fazer com isso”, apontou.

O jornalista entende que caso não aconteça uma  mudança real para o avanço das propostas e planos mais progressistas, a direita pode retornar ao governo em 2026.

Armadilhas contra políticas de emprego e inclusão social – Luís Nassif apontou a política de metas inflacionárias e o papel do mercado financeiro como grandes armadilhas que limitam o avanço econômico do Brasil. Segundo ele, à medida que a economia melhora, a receita fiscal também aumenta, o que deveria permitir investimentos em infraestrutura, educação e saúde. No entanto, Nassif afirma que o mercado, particularmente a Faria Lima, pressiona o Banco Central, alegando que a melhoria econômica pode gerar inflação, o que resulta em elevações na taxa de juros.”Essa pressão faz com que o aumento da receita fiscal que poderia ser destinado a áreas estratégicas acabe sendo apropriado pelo mercado financeiro”.

Ele destacou a importância de Gabriel Galípolo, atual diretor do Banco Central, um dos “caras mais capacitados”, mas ressaltou que mesmo ele tem limitações em enfrentar o mercado de maneira direta. “O que ele vai tentar fazer é um modelo gradativo de aprimoramento do mercado para torná-lo menos dependente da Faria Lima, mas esse processo é lento e pode demorar para gerar resultados”.

Com dois anos e meio restantes no mandato, o governo Lula enfrenta o desafio de lidar com essa pressão, mas Nassif alertou que Lula ainda acredita que repetir as ações de seus mandatos anteriores o levará ao sucesso. Ele explicou que, na gestão anterior, o “boom das commodities” proporcionou uma receita significativa, permitindo que o governo aliviasse pressões sociais e distribuísse recursos de forma mais ampla. “Hoje, esse cenário não existe mais”, pontuou.

Outro ponto mencionado é a visão de Lula sobre a entrega de políticas públicas. Nassif argumenta que o presidente ainda acredita na entrega física de obras ou programas, como o Bolsa Família, de cima para baixo. Para ele, atualmente, o “jogo é outro”. “O exemplo de como se contrapor ao discurso da ultradireita, que prega ódio e individualismo, é a criação de espaços abertos de participação e ganhos coletivos”, explicou Nassif, defendendo uma política mais inclusiva e participativa, como os conselhos de política industrial, que poderiam mobilizar diferentes setores.

Saída econômica – Luiz apontou que, no pós-guerra, o Brasil deu um salto econômico graças à colaboração dos Estados Unidos, que apoiaram investimentos como na Companhia Siderúrgica Nacional. Hoje, ele identifica a China como a nova potência que pode impulsionar o desenvolvimento brasileiro, especialmente por meio da Rota da Seda, que poderia “abrir canais para reduzir custos de transporte e promover a integração econômica com a Ásia”.

O jornalista alertou que o governo brasileiro precisa exigir contrapartidas claras nas parcerias com a China. “A China é a maior potência de inovação do mundo e tem grande interesse no Brasil”, disse, mas criticou a ausência de um planejamento que favoreça a economia local, como a exigência de transferência de tecnologia. Ele lembrou o exemplo de Juscelino Kubitschek, que atraiu a indústria automobilística para o Brasil impondo condições que beneficiaram a produção nacional.

Nassif também destacou a transição energética uma oportunidade estratégica para o Brasil, que poderia abrir espaço para “dezenas de novos setores”. Para isso, ele defendeu a necessidade de um planejamento claro para atrair capital financeiro e estimular o desenvolvimento sustentável.

Complexo Econômico-Industrial da Saúde – O presidente do Cebes, Carlos Fidelis lembrou a  existência do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, que pretende tornar o Brasil mais independente de insumos no campo da saúde, como uma ponta relevante no desenvolvimento econômico do país. 

Para Nassif, o programa de desenvolvimento produtivo na saúde pode ser classificado como a melhor política industrial do país até então, com a participação dos laboratórios militares na seleção dos privados e na transferência de tecnologia. “A partir daquele momento, achei que o Brasil descobriria seu lugar no mundo com indústrias de bem-estar”, comentou, referindo-se à possibilidade de o país se destacar em áreas como educação especial e saúde.

O jornalista mencionou que o governo hoje tem uma meta ambiciosa de produzir 70% dos medicamentos consumidos no Brasil, mas enfrenta problemas estruturais. “A Anvisa tem acumulado autorizações que somam 17 bilhões de reais em faturamento anual de medicamentos, mas não consegue liberar por falta de pessoal, já que não há concursos desde 2013”, criticou. Para ele, é urgente criar uma força-tarefa interministerial, reportando-se diretamente ao presidente Lula, para resolver gargalos como esse, argumentando que o custo de um concurso público é insignificante em comparação aos ganhos potenciais para o setor.

Indústria de fake news – Luiz Nassif criticou duramente o comportamento da imprensa brasileira diante de decisões importantes, como a ação de Alexandre de Moraes contra Elon Musk, proprietário da plataforma X (antigo Twitter). Ele observou que, enquanto a imprensa internacional, incluindo veículos como The Guardian e The New York Times, compreendeu que Musk “atravessou o sinal” ao desobedecer ordens de um estado soberano, a imprensa brasileira, em especial o Estadão, tratou a ação como um abuso. “Foi vergonhoso ver o Estadão fazer um editorial contra a decisão, enquanto a imprensa internacional entendia o contexto”.

Ele também apontou que a desinformação e o preconceito contra o ex-presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT) prejudicam a formação de uma frente de modernização no país. “A mídia fecha os olhos para personagens como Elon Musk, que é hoje uma das figuras mais deletérias nas redes sociais”.

O papel da imprensa na cobertura do setor econômico também foi classificado por Nassif como negativo. Ele menciona que os jornais repetem constantemente o mantra da “gastança” do governo, sem considerar os impactos positivos de investimentos públicos. “O déficit de informação no Brasil é tremendo, e o que bons analistas falam na academia não chega ao público”

Papel das mulheres e periferias nas eleições – “O grande avanço do Bolsa Família foi transformar a mãe em protagonista. O papel das mães é excepcional”, afirmou Nassif. Ele destacou que, nas eleições, o universo feminino não é majoritariamente bolsonarista, e há um grande potencial para se cultivar novas lideranças.

Para o jornalista, a periferia é um terreno fértil para mudanças. Ele mencionou a nova cultura que emerge nesses espaços, como os cantores de rap e funk, que conseguem “falar a linguagem dos jovens”, e o esforço das famílias na luta contra o aliciamento pelo crime organizado.

Ele criticou a ausência de articulação entre governo e movimentos sociais, que possuem uma vitalidade única. “O Brasil desenvolveu uma força social fantástica, mas é necessário que o governo ajude a formar novas lideranças. Não podemos depender apenas de Lula”, alertou Nassif.

O Cebes Debate completo está disponível no canal do Cebes no Youtube. Clique aqui para assistir.

Reportagem: Cebes/Fernanda Cunha