Eleições: Núcleo RJ do CEBES se mobiliza para apresentar propostas para o pleito municipal de 2020

A saúde no município do Rio de Janeiro é pautada por ser uma gestão sem planejamento ou iniciativas correspondentes à gravidade de cada momento.

O comportamento do município, no meio de uma pandemia com 16.568 mortes e 232.818 casos (1º setembro 2020), mostra de uma forma clara a evidente ausência de uma autoridade sanitária que lidere a sociedade para enfrentar esse momento. A ausência de um trabalho de coordenação pública de informações e serviços tem ficado evidente com o retorno inadvertido e arriscado das pessoas a uma rotina de encontros na cidade.

Antes da eclosão da epidemia, o caos da Saúde Pública do município já era evidente, amargando problemas como a falta de equipamentos adequados em hospitais e Clínicas da Família, falta de leitos, farmácias desabastecidas, falta de insumos médicos, profissionais de menos, enfermarias superlotadas.

Segundo a prefeitura que deixou de investir R$ 1 bilhão na saúde até dezembro de 2019, comparado com o que foi inicialmente orçado, e a notícia de R$ 3 bilhões de restos a pagar sem que as contas de 2020 consigam fechar.

Eleições municipais se avizinham e o CEBES conforme sua tradição vem propor itens para um programa de governo na área municipal.

1- Conjuntura da saúde no Município

Atualizando diagnóstico já realizado por candidatos à prefeitura em 2016, a cidade do Rio de Janeiro, sob o ponto de vista de suas condições de saúde, já há alguns anos apresenta um amplo predomínio das doenças associadas ao envelhecimento populacional, com a população com mais de 60 anos já representando 15 por cento da população total da cidade. São as chamadas doenças crônico-degenerativas que incluem os cânceres, as doenças do coração, o diabetes, a hipertensão e as doenças das articulações.

Essas doenças, em sua maioria, não têm cura e requerem cuidados por toda a vida e, com frequência, vez por outra exigem cuidados de emergência como os derrames e os infartos. Elas precisam tanto de hospitais de emergência e especializados como de cuidados nas comunidades, prestados, como exemplo, por cuidadores e fisioterapeutas. Costumam, para o seu diagnóstico correto, que as pessoas sejam vistas por especialistas e façam exames complexos, como a tomografia ou ressonância. Por isso, torna-se necessário que se organizem redes de saúde que articulem desde os cuidados prestados ao nível da comunidade ou do bairro até policlínicas de especialistas e hospitais especializados. As clínicas de família têm que estar articuladas com os serviços sociais dos locais de moradia e com essa rede de cuidados.

Um olhar pelos indicadores de saúde a piora do quadro é evidente:

Em dezembro de 2016, a cobertura das Clínicas da Família chegou a 59,5% da população, e em junho de 2020 recuou para 39,6%. E em relação aos indicadores da cobertura vacinal da população apontam queda significativa. Tomando como exemplo a pentavalente – que protege contra tétano, difteria, coqueluche e a bactéria causadora da meningite – a ser ofertada a crianças de 2, 4 e 6 meses de vida, identificamos que em 2010 a cobertura foi de 100% e em 2020 essa taxa chegou a apenas 30,3% da população alvo.

Cobertura de Agentes Comunitários de Saúde, cobria em 2016, 58,3% da população passando a reduzir a 27,4% em junho de 2020. Acompanhando essa instabilidade, o número de Equipes de Saúde da Família também sofreu fortes variações, passando de 1116 equipes em 2016 e caindo para 772, em 2020.

Visivelmente ocorre na administração municipal um desmonte deliberado da principal política pública de Atenção a Saúde. A imprevisibilidade nos serviços de assistência e a deterioração das condições de trabalho dos profissionais de saúde se vincula diretamente ao modelo de gestão adotado na cidade.

2- O vínculo de trabalho no SUS no município do Rio de Janeiro

A expansão das Organizações Sociais de Saúde (OSS) na gestão do SUS municipal e a desorganização das carreiras públicas no Rio de Janeiro é um movimento histórico convergente e associado. Como alguns estudos têm apontado, desde a primeira década deste século criou-se um mito de que a realização de concursos públicos se tornou um sonho do passado. O princípio consistia em flexibilizar os vínculos de trabalho na gestão pública como argumento para alavancar a eficiência nos gastos públicos e na prestação de serviços.

Com essa premissa equivocada, os resultados também se tornaram controversos ao longo dos anos, e na atualidade o modelo de gestão baseado em parcerias público e privadas por meio de OSSs, encontra-se na maior crise de legitimação da sua curta história. Um dos efeitos mais sensíveis dessas experiências consiste no desmonte das carreiras públicas no Rio de Janeiro, que na área da saúde chegam a controlar 40% dos recursos do SUS municipal. Na atualidade, a rede pública conta com menos de 50% dos trabalhadores da saúde com vínculo estatutário e, abriga nada menos que outras 10 formas de vínculos de trabalho, dos quais 30% são contratos temporários via CLT. A flexibilidade dos vínculos do trabalho que este modelo de gestão defende como valor central explica, sem dúvida, a acelerada desconstrução dos serviços públicos de saúde da cidade nos anos recentes.

3- A reestruturação do SUS para vencer a Desigualdade Social no Rio de Janeiro

As desigualdades na distribuição e qualidade da infra-estrutura do SUS no município do Rio de Janeiro são o registro não apenas de iniquidades, mas da discriminação e exclusão estrutural de segmentos expressivos da sociedade. A produção reiterada dessa subcidadania, captada pelo acesso assimétrico aos serviços da rede SUS precisa vir ao centro dos programas de governo e ser debatida com a proposição bem delimitada de caminhos à sua superação.

Segundo o Instituto Pereira Passos na Saúde, como em outros espaços, o Rio contém muitos Rios. Rios muitas vezes vizinhos exibem largas diferenças de vida. Barra da Tijuca e Cidade de Deus, por exemplo, estão coladas no mapa, mas distantes em seus territórios. Em 2014, a taxa de mortalidade infantil na Cidade de Deus foi 2,6 vezes maior do que na Barra (22 contra 8 óbitos por mil nascidos vivos). Enquanto na Barra cerca de 15% das gestantes tinha feito menos de 7 consultas pré-natais (padrão de referência), na Cidade de Deus essa proporção foi de 43%. As diferenças entre a Zona Sul e a região de Santa Cruz são muito gritantes (Quadro 1).

A correlação entre a distribuição desigual dos equipamentos e infraestrutura do SUS e os perfis raciais distribuídos na cidade do Rio de Janeiro precisa ser superada. Estudo realizado pelo Observatório das Favelas, identificou que no contexto da pandemia enquanto a taxa de letalidade na zona sul da cidade é de 5% de óbitos, no complexo da Maré a taxa de óbitos chega 20%. A exceção da Barra da Tijuca, em toda a zona oeste o estudo identificou a ausência de leitos em um raio de 5 quilômetros e de quaisquer equipamentos de saúde na distância de 30 minutos das áreas residenciais.¹

Um plano de Urgência para as favelas e periferias requer além (i) medidas sanitárias básicas, (ii) um plano de expansão da de unidades de atenção à saúde e fixação de profissionais do setor.

A partir da cidade e seus territórios, o foco de uma proposta de resgate de cidadania se relaciona com a implantação de modelos de desenvolvimento compatíveis com a conservação da diversidade biológica e cultural, baseados na participação social. A redução expressiva das desigualdades socioespaciais pensada a partir da estruturação de uma cidade ,reconhecida como lugar em que se vive com qualidade e, que oferece oportunidades para todos só será possível com uma administração pública radicalmente democratizada.

4- Lutas comunitárias e resistência que deve ser integrada aos esforços de implantação da rede.

No processo de luta pelo direito universal a saúde e de implementação do SUS, a participação da sociedade civil brasileira foi e continua sendo uma condição política incontornável. De acordo com dados do IBGE, 98% dos municípios brasileiros possuem conselhos gestores de política de saúde, e como se sabe as lutas pela saúde transcendem esses espaços, sendo o município do Rio de Janeiro um município de intensas experiências cívicas. Com a política de desinstitucionalização de diversos serviços do SUS, diversos coletivos de favelas e periferias têm se mobilizado para tomar decisões voltadas ao enfrentamento da pandemia e reivindicar atitudes do poder público. No Dicionário de Favelas Marielle Franco constam 22 coletivos de moradores periféricos com o objetivo prioritário de sistematizar informações e debater cotidianamente a realidade das favelas, as políticas públicas que precisam ser aperfeiçoadas e ações a serem encaminhadas por militantes, moradores e políticos.

Ao lado dessas lutas ascendentes de poder popular e conscientes de que o SUS no Rio de Janeiro necessita de um salto enérgico e corajoso rumo a realização dos seus princípios fundamentais, o CEBES propõe uma cartilha um conjunto sintético de diretrizes.

5- A “despolítica” de Saneamento Básico

No início de 2020 o Rio de Janeiro enfrentou uma crise no abastecimento da água, que se tornou imprópria para o consumo. Segundo a CEDAE, o ocorrido se deu por conta da substância Geosmina que é produzida pela proliferação de algas. No meio dessa crise veio à realidade de poluição por esgoto liberado na bacia do Rio Guandu.

Milhares de cariocas vivem em condições precárias no que diz respeito ao saneamento básico. De acordo com a Casa Fluminense, em 2018 cerca de mais de 2 mil pessoas deram entrada nos hospitais apresentando queixas de doenças relacionadas à precariedade do saneamento básico, por exemplo esquistossomose, leptospirose, febre amarela, dengue e malária, sendo que a maior parte dos casos apresentados foram em crianças.

O Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) aponta que aproximadamente 1 milhão de pessoas na cidade do Rio de Janeiro não conta com coleta de esgoto e 173 mil enfrentam problemas com o acesso precário à água encanada.

É necessário se fazer cumprir o direito social ao saneamento básico, que está segurado na Constituição e na Lei Federal 11.445/07. A ausência da coleta de esgoto, de água potável encanada e coleta de lixo reflete diretamente da saúde da população.

6- Segurança Pública também é Saúde

Durante a pandemia do novo coronavirus foi determinado pelo Superior Tribunal Federal (STF) a suspensão das operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro, diante disso foi revelado através de uma pesquisa do Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos (GENI) da UFF a redução de 72,5% das mortes e 50% do número de feridos, além disso, foi identificada queda de 48% dos crimes contra a vida.

É sabido que as operações policiais não cumprem realmente a função de garantir a segurança da população e influenciam diretamente na saúde das pessoas, principalmente nas periferias. De acordo com o Laboratório de Dados sobre Violência Armada Fogo Cruzado, mesmo com a suspensão das operações, no primeiro semestre de 2020, mais de 1200 unidades de saúde foram afetadas pelos problemas de segurança pública. Em 2018, segundo os dados da Lei de Acesso à Informação, pelo menos nove vezes ao dia, unidades de saúde precisaram interromper suas atividades em decorrência da violência, seja no atendimento na própria unidade ou na realização das atividades no território, como por exemplo as visitas domiciliares e ações de promoção da saúde.

Já passou da hora de se repensar as práticas de segurança pública, é importante que o Estado garanta o acesso à saúde, educação, moradia, saneamento, cultura e lazer, ao invés de fomentar conflitos armados que tiram vidas e não solucionam, nem trazem segurança.

Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (CEBES)
Núcleo CEBES RJ

Acesso o documento do núcleo Rio de Janeiro do CEBES para eleições de 2020


1 Pereira, R. H. M.; et al. (2020). Mobilidade urbana e o acesso ao Sistema Único de Saúde para casos suspeitos e graves de COVID-19 nas 20 maiores cidades do Brasil. Nota Técnica N.14. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).