Em defesa da comida de verdade
Correio Braziliense – 13/02/2012
Por Newton Narciso Gomes Junior, economista, professor da Universidade de Brasília (UnB), pesquisador do Núcleo de Estudos Agrários, Desenvolvimento e Segurança Alimentar (Neads)
Os números da Pesquisa de Orçamentos Familiares 008/2009 (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), fizeram soar o alarme da saúde ao divulgar que 50% da população brasileira sofre com sobrepeso ou está obesa. As páginas da internet, dos jornais, das revistas semanais, além da “rádio das ruas e academias”, tornaram-se ainda mais obesas com propagandas de dietas, chás e pílulas que prometem emagrecimento rápido e sem esforços, coisa milagrosa que engorda contas de empresas e espertalhões em geral.
Na luta contra os riscos para a saúde trazidos pelos maus hábitos, pesquisadores se revezam, de um lado alertando para o perigo do uso e adoção de medicamentos e orientações fraudulentas e, de outro, insistindo na dimensão saudável de dieta diversificada, balanceada e atividade física regular. As recomendações são simples: nada de exagerar nem muito menos excluir, comer combinando necessidade e prazer, ou seja, dar sentido à noção de almoçar, merendar e jantar, combinar o que na linguagem coloquial antiga chamávamos de comida e mistura, sendo a primeira parte a base, arroz e feijão, e o segundo componente tudo o que acompanhasse o prato.
Certamente na memória de muitos dos que, como eu, já passaram dos 50 anos e, por motivos quase sempre relacionados com os problemas de mobilidade associadas ao binômio tempo disponível para refeições e tempo necessário para o deslocamento entre o local de trabalho e a residência, habituaram-se a “almoçar fora” diariamente, ainda persiste a tradição dos pratos feitos (PFs), dos comerciais, das minutas, nomes dados às opções disponíveis em bares e restaurantes que frequentávamos e, a depender das oportunidades, ainda frequentamos.
A cada dia da semana, um tipo de prato do dia de cocção mais demorada e o tradicional PF, arroz e feijão, uma fonte de proteína que variava da carne assada, picadinho, milanesa, passando pelo frango, fígado, bisteca suína ou linguiça, salada de tomate, alface e cebola. Nada diferente do cotidiano das refeições em casa, onde o diferente ficava por conta do almoço de domingo, que comportava elaborações mais “pesadas” e especiais. Mas domingo depois do almoço era dia de descanso.
Na correria do cotidiano urbano, a noção de prático, moderno e rápido foi minando essa ideia de refeição, substituindo-a por outros arranjos em que prevalece sempre uma profusão de comidas que misturam cotidiano, domingo, dias de festa — tudo disponível ao mesmo tempo para o comensal que não mais almoça; come muito e depressa. A fragmentação no imaginário social é inevitável. A perda das referências que associavam preparos a tempos e momentos específicos cede lugar à prática de comer de tudo com exagero, ignorando qualquer regra. Junte-se a isso o predomínio dos alimentos industrializados, a propaganda sem controle que estimula o consumo de comida que não é comida, como se refere Montanari, modismos alimentares, ressignificações das coisas, enfim, tudo o que compõe o cenário para o avanço do sobrepeso e da obesidade.
Enquanto bares e restaurantes que assentaram a atividade na comercialização das opções de arranjos tradicionais de refeições se tornam mais raros e mais caros, enquanto o despautério alimentar dos fast foods e comida por quilo se convertem no jeito moderno de comer e engordar, os programas governamentais torram milhares de reais em equipamentos e subsídios para sustentarem restaurantes populares, que vendem comida de R$ 3,75 por R$ 1 e que nem de longe cobrem a demanda por comida de qualidade.
Não está na hora de os formuladores de políticas públicas, norteadas pelo princípio da segurança alimentar e nutricional, deixarem de lado soluções de fachada e ousarem na direção de uma rede de alimentação segura, adequada, estratégica na luta contra os agravos de saúde decorrentes da obesidade e sobrepeso? Não está na hora de o governo federal gastar dinheiro público com iniciativas que combinem a dimensão da alimentação saudável com a geração de novos empregos e renda capazes de dar sentido à história de vida dos que ainda acreditam?