Em defesa da CSS, contra a avareza
Dr. Rosinha
Nunca esqueço, nem hei de esquecer, uma pequena e triste história que meu pai contava. Segundo ele, adoeci quando tinha menos de um ano de idade. Para me levar ao médico, pegou-me no colo e caminhou mais de 12 quilômetros a pé.
Não tinha dinheiro no bolso. Levava no seu íntimo a esperança e, na sua honradez, a promessa. A esperança de que o médico me atendesse. E a promessa de pagá-lo depois que vendesse a colheita do sítio.
Caminhou de volta o mesmo percurso. Trazia nos braços o mesmo fardo e, na alma, a tristeza. Haviam assassinado sua esperança e não acreditaram em sua honradez. O médico não me atendeu.
Este episódio ocorreu há mais de 50 anos, no interior do Paraná. A história da saúde pública brasileira é cheia de fatos como este, de casos e descasos com cidadãos e cidadãs, principalmente pobres.
Para que deixassem de ocorrer situações desse tipo, militantes da área de saúde, entre os quais me incluo, lutamos para construir um sistema público, que garantisse a saúde como direito de todos.
Assim, começamos —na contramão do que ocorria no resto do mundo, onde o atendimento era privatizado— a construir o Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil.
O SUS tem muitos inimigos. Nenhum publicamente declarado. Afinal, seria uma posição, no mínimo, antipática. Então inventam críticas, parte delas distorcidas, e uma série de propostas miraculosas para “salvá-lo”, como fez agora o governador de São Paulo, José Serra (PSDB). Como bom tucano, Serra não consegue corrigir o voo, e voa direto para o ninho do setor privado. O governador paulista está adotando ações que privatizam o sistema.
Para ser mais eficaz, o Sistema Único de Saúde precisa de mais recursos. E é com este objetivo que se propõe no Congresso Nacional a Contribuição Social para a Saúde (CSS).
O primeiros que gritam contra a CSS são as grandes empresas de comunicação, que imediatamente buscaram rotular a CSS de “nova CPMF”.
Há dois anos, DEM (ex-PFL) e PSDB derrotaram o governo no Senado ao não permitir a prorrogação da CPMF. Isto tirou 40 bilhões anuais do orçamento, a maior parte da saúde.
O que agora se propõe através da CSS é a cobrança de 0,1% ao invés de 0,38%, como era a CPMF. E a alíquota de 0,1% não será cobrada dos aposentados, pensionistas e de quem recebe até R$ 3.080,00 por mês.
Portanto, quem movimenta R$ 10 mil num mês pagará menos de sete reais. Isto é muito? Deixará alguém pobre? Não. Por outro lado, a cobrança fará com que a saúde tenha 11,8 bilhões de reais a mais no próximo ano.
O orçamento da União para a saúde é calculado da seguinte maneira: o total gasto no ano anterior mais o crescimento nominal do PIB. Com a crise econômica mundial, calcula-se que o Brasil crescerá em 2009 somente 0,5%. Com uma inflação baixa, os recursos da saúde para o próximo ano serão escassos.
A aprovação da CSS ajudaria com quase 12 bilhões a mais para a área. E esses recursos serão depositados diretamente no Fundo Nacional de Saúde. Algo bastante diferente da CPMF, que cobrava 0,38% e era distribuída entre saúde, previdência e assistência (combate à fome), e ia para o Tesouro da União. Não há dúvida: a CSS constitui uma fonte de recursos adicional para a saúde pública.
Além de mais recursos, o projeto que tramita na Câmara dos Deputados também define o que são ações de saúde. Ao fazê-lo, impede os governos estaduais e municipais de incluir gastos que não são de saúde como despesas do SUS. Exemplo: despesas com os próprios funcionários ou com saneamento.
Os recursos da CSS serão destinados integralmente à área da saúde e divididos entre a União (50%), estados (25%) e municípios (25%).
Quando meu pai, lá no início da década de 1950, voltou para casa, não só trazia o filho doente e também cansado da viagem. Trazia dentro dele a tristeza e, embora nunca tenha me dito, provavelmente um grande descrédito no ser humano.
Mais de meio século depois, não podemos permitir que cenas como aquela se repitam pela avareza de alguns por míseros reais.
Dr. Rosinha, médico pediatra, é deputado federal (PT-PR).