Em seu VIII Simpósio, Cebes reforça a defesa intransigente do direito à Saúde
O VIII Simpósio do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde reuniu mais de 300 pessoas no último final de semana (dias 09 e 10 dez), com a presença dos convidados João Pedro Stédile, Sonia Fleury (dia 09 dez) e Jairnilson Paim e Ligia Bahia (dia 10 dez) discorrendo sobre tema Reforma Sanitária em Tempos de Fascismo e Neoliberalismo. O simpósio foi o resultado do esforço da diretoria executiva e marca o final da gestão presidida pela sanitarista Lúcia Souto que, ao longo de dois anos atuou de forma decidida na luta pela democratização da sociedade e a defesa dos direitos sociais, em particular o direito universal à saúde.
O simpósio marca uma posição política do CEBES anticapitalista, na defesa intransigente do direito à saúde e à mudança de um modelo de estado. Há uma necessidade urgente do Cebes e todos os atores políticos da sociedade de avançarem no sentido de ampliar ao máximo a discussão política para que possamos ter cidadãos bem informados, que saibam fazer as suas escolhas de forma clara e transparente, na busca de garantir a dignidade da vida humana.
Cada convidado fez uma abordagem da conjuntura sob o ponto de vista político, social e, especialmente, focado nas estratégias para a saúde, tendo como pano de fundo a Reforma Sanitária no Brasil, diante dos desafios de um ano eleitoral que se inicia em breve. Além da discussão da conjuntura política e de saúde, também muito se falou de estratégias para as eleições do próximo ano, no sentido de estabelecer elos junto a toda a população. O objetivo é de ajudar na formulação de um plano de governo que tenha compromisso efetivo com a reconstrução de um país democrático, plural e com direitos ampliados para toda a sociedade.
1o dia: Stédile e Sonia Fleury
Lúcia Souto, presidente do Cebes, abriu o encontro lembrando que a tradição da entidade é de realizar eventos deste tipo de forma ampla, transparente e abertos para toda a sociedade. João Pedro Stédile foi o primeiro a se apresentar e discorreu sobre uma conjuntura que, segundo ele não está dissociada da luta de classes. Que determina a conjuntura é o comportamento das classes sociais e entender luta política apenas a uma disputa institucional de governo é reduzir a luta de classes.
Segundo Stédile, esta correlação de forças das classes está sendo determinada por uma crise estrutural do modo de produção capitalista em todo o mundo. Aqui no Brasil, as grandes empresas continuam acumulando, porém a crise está revelada na economia porque a forma como a burguesia a produção na sociedade não consegue mais atender as necessidades básicas da população. Esta é a contradição da crise econômica que traz o agravamento da desigualdade social no mundo inteiro e no Brasil.
Agrega-se a tudo isso a crise ambiental que atinge todo o planeta: “os capitalistas em crise fazem uma ofensiva sobre os bens comuns da natureza para converter o seu capital financeiro, rentista, em patrimônio e, daí, se apropriam de terras públicas, de florestas, de água, de minérios, da biodiversidade, de tudo; e com isso conseguem auferir um lucro extraordinário.”
Finalmente, existe a crise do estado burguês, aquele modelo construído pela Revolução Francesa que vigorou durante 200 anos regulando a sociedade, faliu. Nem os três poderes funcionam porque eles foram sequestrados pelo capital. Portanto a população, que elege os poderes executivo e legislativo, não tem mais qualquer ingerência porque é expropriada pelo capital. O capital financeiro e as transacionais nesta etapa do capitalismo, agridem a soberania nacional.
Segundo Stédile, para vencer esta crise, o Brasil precisa promover reformas estruturais sob o ponto de vista da esquerda que ponham limites ao capital.
No meio disso tudo, o país enfrenta uma crise sanitária de dimensões pandêmicas. Mas, segundo Stédile, a Covid ajudou a revelar a crise que é do capitalismo, porque onde houve estado forte a serviço da população os resultados do enfrentamento foram melhores, com pesados investimentos na saúde pública. A tragédia foi total onde o mercado dirigiu os processos, como em países da Europa e nos Estados Unidos.
Em seguida, Stédile faz uma avaliação rápida sobre o governo Bolsonaro afirmando que é um governo em crise permanente, que não representa as forças organizadas da sociedade, não tem projeto de nação mas que, infelizmente, se sustenta com os mecanismos de fake News alimentando um setor de 8 a 10 porcento de extrema direita da sociedade brasileira, que sempre existiu. E, olhando para as eleições de 2022, Stédile revela que as discussões hoje nos movimentos contra Bolsonaro mostram que existem uma forte unidade sobre o que fazer para o ano que vem. Em primeiro lugar, é necessário recuperar as lutas de massas, é preciso que a campanha em 22 envolva o maior numero possível de pessoas engajadas e, no bojo da campanha, discutir o novo projeto para o país. E para vencer a luta ideológica que será a tônica da campanha do ano que vem, na disputa de ideias para o futuro. E para que isto tenha resultado, é preciso usar de todas as formas; ganhar o coração e as mentes das massas com outros métodos além do discurso, da retórica e da lógica científica.
Stédile fala que a classe trabalhadora viveu na pandemia três momentos distintos: o inferno, o purgatório e o paraíso:
E agora a classe trabalhadora tem nas eleições do ano que vem seu maior desafio:
Após Stédile, foi a vez da Pesquisadora do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, Sonia Fleury falar começando por ressaltar a importância da realização destes eventos como espaços de discussão política e ideológica para o fortalecimento de um projeto para a sociedade e para a reforma sanitária. Ressaltou que está em vigor no Brasil uma ideologia fascista para aprofundar o liberalismo, cujo projeto não é nacionalista pois está completamente subordinado aos interesses dos Estados Unidos de entrega de toda nossa soberania.
Este governo tem um projeto de destruição de conquistas de direitos humanos, sociais de indígenas, da sociedade organizada. E quando há resistência, os militares são chamados para ocuparem o espaço de poder, como aconteceu com o Ministério da Saúde, onde precisavam de reforços para desmantelar a robusta estrutura do SUS.
Depois de fazer uma análise da conjuntura, Sonia disse que é necessário pensar em 2022 já e aproximar a ação política das pessoas que estão numa situação mais difícil econômica e socialmente falando. A palavra de ordem Fora Bolsonaro tem que estar junto com a do combate a fome e da renda mínima. Ela chamou a atenção também para o crescimento de coletivos de negros, mulheres, LGBTs que se multiplicam nas periferias, nas favelas. “É muito importante e simbólico que eles se chamem de coletivos” num momento em que estamos vivendo sob a égide do individualismo. A luta de classes passa por discutir e destruir os fatores reprodutores da subordinação e da exploração. No caso do Brasil, o racismo, o patriarcalismo e a exclusão territorial.
Encerrando, Sonia disse que é preciso desmontar este projeto fascista (“que não está morto”) indo para as ruas, nos becos, nos assentamentos fazendo política e discutindo política. Para ganhar as eleições temos que construir uma frente democrática, mas não se pode repetir o passado, quando foram feitas várias concessões que mostraram muita fragilidade. “É preciso que a frente democrática não se confunda com o governo que queremos eleger. Este governo que queremos eleger tem que ter o compromisso com a transformação”.
Veja a íntegra dos debates do primeiro dia do simpósio aqui neste link:
2o dia: Jairnilson Paim e Ligia Bahia
Na sexta-feira, foi a vez de Jairnilson Paim e Ligia Bahia falarem sobre a conjuntura e as questões mais profundas da Reforma Sanitária. O baiano Jairnilson, é professor da Universidade Federal da Bahia desde 1974 e Professor Titular do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia desde 2000 com experiência na área de Saúde Coletiva. Depois de fazer uma breve análise de conjuntura, Jairnilson disse que o maior desafio da reforma sanitária brasileira e do SUS é política e não se resolve por medidas técnicas e administrativas. Para ele, no momento é fundamental também que a academia realize investigações sobre o papel do Estado, a questão militar ocupando o MS, os propósitos do governo, o caráter da escalada autoritária e neofascista e algumas análises políticas de saúde e de conjuntura.
Em seguida, Ligia Bahia iniciou que todos que trabalham na área da saúde estão exaustos que acabam produzindo um pensamento mágico que a situação vai mudar, em decorrência do desgaste de um governo combalido. O processo de destruição decorrente deste governo torna a situação muito grave e não nos permite achar que, se ganharmos a eleição em 22, o país vai voltar ao estado de 2013.
Ela encerrou fazendo uma série de questionamentos e afirmando que é preciso lembrar que capitalismo não é apenas uma relação entre capital e trabalho; é muito mais que isso: é machista, é racista, é antiecológico. Para derrotar este estado de coisas em 2022 é preciso ter uma aliança com os setores progressistas sim, mas saber que o importante não é apenas ganhar, mas governar.
Veja a íntegra dos debates do segundo dia do simpósio aqui neste link:
Lúcia Souto encerrou o evento afirmando que o Cebes vive um momento memorável de afirmarmos um projeto de reforma sanitária para o Brasil, independente do momento das eleições.