ENTREVISTA: ANA COSTA
Em sua primeira manifestação depois de ser eleita Presidenta do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) pela Assembleia Geral da entidade, ocorrida no final do II Simpósio, em Brasília, no dia 09, a mineira Ana Maria Costa, moradora da capital federal desde os anos 1970, disse que o momento era de celebração pela condição atual do CEBES e também pela democracia interna que resultou na composição da chapa eleita. Escolhida por aclamação, a nova diretoria tem o desafio de conduzir a entidade nos aspectos políticos e na execução dos projetos existentes criando e articulando novas alternativas de projetos futuros. Esse trabalho será realizado pela equipe eleita formada por pessoas com história no movimento sanitário e outras da chamada “nova geração” da luta pelo direito à saúde. Nesta entrevista, a estudiosa do tema gênero e saúde diz não temer as diferenças nem a ousadia e afirma que essa “condição de diversidade de experiência e formação enriquece o CEBES”. Ana ainda afirma que o propósito maior do novo grupo está em “manter a tradição da entidade na autonomia, amplitude, profundidade e compromisso político ”.
A nova diretoria do Cebes é formada por duas gerações. Uma de pessoas que fizeram a história do movimento sanitário. Outra, podemos dizer, que faz parte do pós SUS. Qual é a sua avaliação dessa renovação?
Eu considero que, sob o ponto de vista político, a renovação do CEBES vem acontecendo desde a sua refundação há quatro anos. Desde então, o CEBES recuperou o vigor de sua produção e intervenção nos espaços de atuação e tem mobilizado a criação de núcleos por todos os estados.Os núcleos agregam antigos cebianos e uma juventude composta por estudantes e jovens profissionais inquietos com a condição de saúde no país. A composição dessa nova diretoria tem pessoas de diferentes faixas etárias e naturalmente essa condição de diversidade de experiência e formação acadêmica e política enriquece o CEBES no contexto atual. Eu espero que sejam valorizadas as nossas diferenças garantindo o convívio democrático como base para a consolidação do CEBES não apenas como entidade, mas fundamentalmente no fortalecimento do movimento da reforma sanitária.
O CEBES vem inovando e, certamente esta será uma oportunidade de avançarmos na incorporação de tecnologias de comunicação e de práticas de ativismo e, para isso certamente contará com a competência e o dinamismo dos novos integrantes da diretoria. O desafio será o de associar o envolvimento e compromisso do conjunto dos diretores na defesa do ideário cebiano, isto é, na defesa da saúde como direito social, responsabilidade do Estado e como uma questão para a democracia.
Há cerca de quatro anos, o Cebes passou por uma refundação importante. O que mudou em termos de avanços na sociedade e quais são as novas bandeiras do movimento sanitário?
A refundação do CEBES aconteceu depois de um período de fragilidade da entidade no qual havia o risco de sua extinção. Esse foi o mote para a agregação de pessoas que entendiam a importância do CEBES na luta pelo direito à saúde. O grupo que mobilizou o movimento para a refundação partiu de uma avaliação sobre a necessidade de fortalecimento do CEBES no cenário da luta pela reforma sanitária. Nesse sentido, hoje avalio que acertamos: o CEBES atual está no seu lugar de vanguarda política, promovendo a consciência critica que impulsiona a ação política de transformação.
A existência atual de mais de 20 núcleos pelos estados brasileiros, mesmo que em estágios distintos e heterogêneos de mobilização e debate, é uma expressão do CEBES vivo. As publicações e documentos produzidos pelo CEBES têm contribuído para qualificar o debate, muitas vezes pautados em argumentos cristalizados que imobilizam a crítica necessária nesta conjuntura complexa . Em nossa atuação, nos vários espaços de representação, o CEBES tem afirmado a necessidade de um modelo de desenvolvimento econômico e social focado na justiça e nos direitos sociais. Para o CEBES, os avanços do SUS não devem obscurecer os seus grandes problemas e desafios que devem ser expostos e debatidos para que aumente a chance de melhorar o sistema. O SUS que nós propomos e defendemos está centrado nas necessidades dos usuários com acesso universal e de qualidade e, certamente, não é o mesmo SUS que hoje conta com o apoio praticamente de todos os setores. É importante distinguir que nosso lugar não é o mesmo da indústria e do mercado que defendem o SUS que compra serviços, insumos e equipamentos.
Temos a clareza sobre a necessidade de retomar como referência para a nossa ação política o conceito que incorpora a dialética da produção de saúde como resultado da acumulação social e, portanto, envolve um modelo de estado que coloque à disposição de seus cidadãos um conjunto de políticas sociais que modifiquem as condições de vida e de saúde. Estas políticas devem ser concebidas com base na análise da determinação social da saúde e no conjunto das necessidades humanas, revelando portanto, os limites da exclusiva ação setorial. É necessário incorporar esse chamado conceito ampliado de saúde no nosso ativismo que, por sua vez, já não pode se restringir às questões e demandas setoriais. Ao lado das renovadas bandeiras que articula meio ambiente, saúde e consumismo ainda persistem crônicos problemas como é o caso do sub-financiamento setorial, as desigualdades no acesso, da baixa qualidade assistencial e das relações público privado que corre nos trilhos de uma frágil regulação baseada no interesse do mercado.
Você é uma militante dos direitos humanos, dos direitos da mulher e da diversidade. Pensa em algum projeto para o Cebes nessas direções?
É verdade que esses campos de ativismo compõem parte da minha biografia, mas devo esclarecer que sempre atuei na perspectiva da garantia do direito à saúde, inserida na luta pela reforma sanitária como base para as conquistas universais. Discriminação e preconceitos conformam situações persistentes e injustas que devem ser valorizadas na complexidade da determinação sócio cultural da saúde. Estabelecer estratégias para abolir o preconceito e a discriminação em qualquer de suas formas de expressão é fundamental se o país quer de fato construir um sistema de saúde com equidade e universalidade. Ainda não definimos os projetos para o CEBES, mas quero lembrar que a posição de nossa entidade tem sido bem marcada na luta contra a discriminação, denunciando que o preconceito é um importante problema que vem sendo colocado sob os tapetes não apenas no SUS mas em toda a sociedade brasileira.
O que é estar à frente de uma instituição conhecida como intransigente na luta pela democracia num momento histórico tomado pelas novas tecnologias da informação?
É assumir o desafio de um trabalho coletivo que envolva não apenas a direção nacional, mas também que mobilize o conjunto dos núcleos do CEBES e todos os cebianos desta e de todas as décadas, regiões e gerações. E não ter medo de ousar. Para isso é necessário preservar como lugar de partida, o campo político e ideológico plural que sempre caracterizou a entidade, mantendo a autonomia, a amplitude, a profundidade e o compromisso político com a democracia.
A nova diretoria assume após sete meses do governo Dilma. Qual a avaliação da nova chapa em relação ao novo governo e ao Ministério da Saúde? Qual o papel do Cebes nesse contexto de quase três mandatos petistas?
O país tem vivido a euforia dos tempos de menor desigualdade e da mobilidade das classes sociais com ampliação da classe media, redução da pobreza etc. Paradoxalmente, além de uma inércia dos movimentos sociais, não existe correspondência na responsabilidade do governo que encaminhe medidas para que a saúde seja consolidada como política de estado. O setor público sub-financiado produz a chamada “universalização excludente” ou seja, transforma o SUS ruim e sem qualidade, em recurso destinado aos pobres, mais necessitados. A regulamentação da emenda 29 (Emenda Constitucional 29) não é prioridade para o Congresso e para o governo. Os municípios que hoje têm grande responsabilidade na oferta de serviços de saúde estão cada vez mais enfraquecidos.
Enquanto isso, os incentivos e subsídios estimulam as outras classes sociais para o vínculo aos planos de saúde. A oferta de planos de saúde precários e de baixo custo conduz à ilusão por melhor atendimento médico entre as pessoas cada vez de menor renda. Se os últimos governos promoveram a estabilidade econômica e a redução de desigualdades sociais, não há muito que festejar sobre melhorias na saúde. Estamos patinando na consolidação do projeto da reforma sanitária e, particularmente, do SUS. É por isso que é necessário o debate que aprofunde a consciência sanitária e a mobilização da sociedade.
Um tema que foi muito debatido no Simpósio do Cebes foi a questão do desenvolvimento sustentável. Existe uma posição da nova diretoria sobre temas como meio ambiente, por exemplo, o novo código florestal?
A defesa do meio ambiente é um tema que mobiliza cada vez mais: hoje, e não amanhã, a sobrevivência do planeta está ameaçada e as consequências sobre a saúde são evidentes. Queremos maior articulação com os movimentos e entidades de meio ambiente entendendo que o modelo de desenvolvimento econômico não deve sacrificar o meio ambiente e não deve favorecer exclusivamente o capital. A produção de alimentos deve ser estimulada no contexto da sustentabilidade ambiental e isso significa preservar o que precisa ser preservado.
Qual é a sua expectativa em relação aos militantes do Cebes para a sua gestão?
Pretendemos incentivar e articular a criação de novos núcleos do CEBES e, ao mesmo tempo, estimular maior mobilização e fortalecimento dos já existentes. Temos pela frente a implementação do projeto de formação em cidadania e saúde voltado à capacitação de lideranças dos movimentos sociais e dos próprios integrantes dos núcleos. Os cursos abordam temas estratégicos da reforma sanitária e geram material didático de referência para outras capacitações.
Esse ano acontece a 14ª Conferencia Nacional de Saúde e nossas teses, produzidas de forma coletiva e participativa no Simpósio Política e Saúde, deverão se constituir referência e base de discussão e intervenção dos integrantes dos núcleos nas etapas municipais e estaduais da conferência. Vamos dar continuidade às participações do CEBES nos diversos foros de movimentos sociais como no movimento da reforma tributária, reforma política etc. No nosso Simpósio, surgiu uma proposta de construirmos uma emenda popular para impedir o uso de recursos públicos na compra de planos privados de saúde. Entendemos o valor político de uma mobilização desta natureza para a defesa da responsabilidade e do interesse publico com a saúde universal e pública.
Também temos no horizonte o Simpósio sobre Saúde da Câmara dos Deputados que o CEBES é parceiro da Comissão de Seguridade Social e Saúde. O CEBES é uma entidade de formulação e apoio aos movimentos sociais e nesse contexto buscaremos ampliar nossas articulações e parcerias para a politização e fortalecimento do debate no país.