Entrevista: conheça Maria Isabel Rodrígues, Doutora Honoris Causa pela Fiocruz
Por Pedro Leal David.
Para a Professora María Isabel Rodriguez, o documento da 8ª Conferência Nacional de Saúde pode ajudar a implementar a reforma sanitária em qualquer país do mundo; Darcy Ribeiro e Paulo Freire são um “pouco do muito” que deveríamos conhecer do Brasil e a Fiocruz não é brasileira. Determinada e clara em suas colocações, a sanitarista salvadorenha recebeu, na sexta-feira, 17/10, o título de Doutora Honoris Causa pela ENSP. Um título que celebra uma longa história de amor entre María Isabel e a Fiocruz. Uma história, aliás, que começa ainda antes de seu nascimento.
Estamos em El Salvador, em 1913. Um parasitologista de nome Juan Carlos Segóvia recebe uma paciente em febre. Malária é a primeira suspeita. Depois de examinar a mulher, no entanto, o Dr. Segóvia não só descartou a possibilidade de se tratar da doença, como encontrou em seu sangue uma espécie de protozoário a princípio desconhecida. Era um tempo em que se enviava cartas a bordo de navios. Logo, passou algum tempo até que o Dr. Segóvia pudesse descobrir que seu achado não era algo inédito. O Trypanosoma Segovez, como começava a ser chamado por cientistas salvadorenhos, havia sido descoberto por um certo Carlos Chagas, em 1909, e por aqui atendia por Trypanosoma Cruzi. O engano, porém, serviu para inaugurar uma extensa colaboração entre os dois cientistas e suas instituições.
Cinquenta um anos depois, na mesma El Salvador, uma jovem cardiologista de nome María Isabel Rodríguez, pesquisadora da “Enfermed de Chagas”, está de passagem comprada para vir ao Brasil, mais especificamente para ingressar na Fundação Oswaldo Cruz. Os planos, porém, foram frustrados pelo Golpe Militar de 1964, uma quartelada apelidada de revolução que levou ao poder gente que acreditava ser a Fiocruz um antro de subversivos. Não era a melhor opção para quem queria pensar a saúde da população.
Meio século separam as duas histórias. Cinquenta anos também é o tempo transcorreu até hoje desde a última delas. Cinco décadas ao longo das quais a vida permitiu outros e melhores encontros entre María Isabel e a Fiocruz. Da amizade com Sérgio Arouca, a quem chama de companheiro em recusa à palavra aluno, a parceria com Luís Roberto Ferreira, com quem criou, em Washington, uma residência da Opas – organização da qual foi consultora – por onde passaram 80 estudantes, um longo percurso, do qual a manhã ensolarada de sexta-feira em que recebeu o título de Doutora Honoris Causa é apenas mais um laço, já que apesar de dizer, brincando, que está no final, María Isabel mostra em sua fala clara e firme que há muito a ser feito.
Um pouco antes da cerimônia de entrega título, o Informe ENSP encontrou a a professora sentada na mesa de café da manhã em frente ao Salão Internacional, com o pesquisador da ENSP Luís Roberto Ferreira, Munidos de um discreto gravador, mais do que uma entrevista, fomos testemunha de uma conversa entre amigos.
Informe ENSP – Professora, a senhora recebeu, ao longo desses anos, mais de dez títulos de Doutora Honoris Causa. O que este de agora tem de especial ?
Maria Isabel Rodríguez – Bom, eu acredito que a Fiocruz não é só brasileira. a Fiocruz é latinoamericana; e nos sentimos parte dela. [Olha ao redor, onde estão pesquisadores e diretores das mais diversas áreas da Fiocruz]. Todos estes que estão aqui construíram algo de que nós nos sentimos um pouco parte. A América Latina recebeu muito da Fiocruz e a Fundação também foi beneficiada nessa relação. Somos mobilizados pelos mesmos ideais. Agora há pouco, falávamos de pós-graduações que foram inauguradas ao mesmo tempo no Brasil e no México. Não é uma coincidência. Frente ao problema da saúde e de como a educação responde a ele, surgem as mesmas respostas porque as pessoas estão pensando igual, têm uma formação igual.
Além disso, que é interessante no Brasil é que raras vezes se vêem países com uma mobilização para a saúde como aqui. Falo da Reforma Sanitária. Ao falar dela, sinto-me no direito de estar apaixonada por tudo que aconteceu diante da tristeza de ter perdido muitas coisas.
José Roberto Ferreira – E aqui tem um detalhe a mais. Ela vai receber o título em uma escola que tem o nome de Sérgio Arouca, que é ex-aluno dela.
María Isabel Rodríguez – Companheiro, todos companheiros. O grande causador dos encontros é você, José Roberto. Toda uma série de programas da Opas nasceram sob a liderança de José Roberto. Eu estava no México mas o chefe geral do programa era ele. E foram onze anos com ele, na residência que criei em Washington.
José Roberto Ferreira – Para mim, a maior honra que tenho no meu curículo é ter compartilhado esses momentos com ela.
Maria Isabel Rodriguez – Foi lindo, mas agora temos que voltar a nos encontrar em outros trabalhos
José Roberto Ferreira – Venha para cá e incorpore-se, com a gente, ao centro de relações internacionais da Fiocruz.
Maria Isabel Rodríguez – Já estou no final.
Informe ENSP – Vendo em perspectiva a luta pela saúde pública internacional, qual o balanço que a senhora faz dela ?
Maria Isabel Rodríguez – É uma luta de todos os dias. Uma das coisas mais graves que estou vivendo nesse momento é que a Universidade de El Salvador não nos acompanha [Maria Isabel foi a primeira mulher a ser eleita reitora da Universidade no final dos anos 90]. Ainda que a Universidade declare apoio, não dá o faz na prática. É de um conservadorismo. São terríveis. A universidade tem que ser a universidade da luta, do combate. Ela já foi bombardeada, atacaram e mataram pessoas e ainda assim o pensamento não se atêm ao fio das necessidades do país. A gente luta, trabalha, mas não temos a resposta teórica que tínhamos no passado.
E este momento em que vivemos é um momento muito interessante, porque estamos, eu diria, em outra era de contradições tremendas com com todo o que faz o neoliberalismo, com tudo que significa essa luta contra o direito do povo à saúde e à educação.
Fonte: Informe ENSP