Especialistas opinam sobre o que fazer com mais recursos para o SUS

É urgente ampliar o financiamento público para a saúde no Brasil e já não é tolerável o retardamento na solução da crônica falta de recursos. Este problema, tal como configurado, reflete o real compromisso do Estado com o Sistema Único de Saúde (SUS).

Para aprofundar o debate, o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) perguntou a diversos atores, pesquisadores e ativistas o que fazer com mais recursos para a saúde. Vocês vão verificar, pela leitura, que há muito a ser feito, mas é convergente a constatação sobre a necessidade de ampliar, melhorar e qualificar a rede de serviços de assistência. E tem muito mais. Participe você também desse debate essencial!

ligiagioLigia Giovanella, pesquisadora titular da Fundação Oswaldo Cruz

Em primeiro lugar, é sempre necessário lembrar que o financiamento do SUS e da atenção básica no país são extremamente baixos e insuficientes. Os recursos públicos alocados em saúde no Brasil são extremamente baixos, considerada nossa riqueza nacional e a obrigação constitucional de garantia ao direito universal à atenção à saúde.

Em países europeus que alcançaram cobertura universal como Inglaterra, Espanha, Suécia, os gastos públicos em saúde correspondem a 8%, 9% do PIB; no Brasil os gastos públicos em saúde contabilizam apenas 3,7% do PIB.

Temos condições econômicas para dobrar nossos gastos públicos em saúde, nossa riqueza nacional nos permite. Enquanto em países como Reino Unido, Suécia e Dinamarca, Espanha os 82%, 84,5%, 82% e 72% dos gastos em saúde, respectivamente, são públicos; no Brasil menos de 50% dos gastos em saúde são públicos.

Esta é a principal evidência do descumprimento da determinação constitucional do dever do Estado em garantir o direito ao acesso a serviços de saúde de qualidade.  Não há universalidade possível sem ampliar os gastos públicos em saúde! Não somos a sexta ou sétima economia mundial? Temos que ter um sistema público de saúde que faça jus a esta posição!

A participação dos gastos federais no conjunto de gastos com saúde diminuiu muito nas últimas décadas: de 72% em 1993 para 45% em 2008. Ou seja, a União vem se desresponsabilizando progressivamente pelo financiamento do SUS (ainda que os gastos federais tenham aumentado nos últimos anos); com uma carga excessiva sobre os municípios que detém apenas 19% das receitas nacionais mas é responsável por 29% do financiamento do SUS.

Não bastam, contudo mais recursos financeiros e sua aplicação eficiente, sem corrupção ou clientelismo. Certamente os novos recursos devem apoiar a reorientação do modelo de atenção na direção de uma rede assistencial pública ordenada pela atenção primária à saúde.

Hoje o financiamento da atenção básica é irrisório: o per capita do PAB fixo é 20 a 25 reais por ano, e juntando todos os incentivos o financiamento federal da atenção básica é, talvez, máximo 70 reais per capita! Pode-se dizer que o SUS é extremamente eficiente considerando tudo o que produz com recursos tão irrisórios.  A primeira iniciativa é, portanto, aumentar o Piso de Atenção Básica. A PMAQ dará alguns parâmetros para este aumento.

A rede assistencial hospitalar e de atenção especializada e de diagnóstico é extremamente privatizada no Brasil (somente entre unidades básicas de saúde, a maioria é pública). Não há país com sistema nacional de saúde universal financiado com recursos fiscais com uma rede assistencial tão privatizada como a nossa.  Os novos recursos devem ser aplicados na ampliação da oferta pública de estabelecimentos de saúde (e assim também deveriam ser os recursos em saúde do BNDES).

Os novos recursos devem ser aplicados em uma política nacional de atenção especializada integrada na rede e coordenada pela atenção básica, imprescindível para a efetividade da atenção básica, para garantia de acesso oportuno e a continuidade do cuidado.

Além de os recursos financeiros transferidos serem extremamente insuficientes, não há um planejamento nacional ascendente desde as regiões de saúde que defina necessidades de oferta de atenção à saúde conforme as necessidades e características epidemiológicas e sociodemográficas, e oriente o financiamento de investimentos e dos gastos correntes com saúde.

O planejamento da União para o SUS e para os novos gastos deve iniciar em cada uma das 435 regiões de saúde, e nas suas microrregiões, em seus Colegiados Intergestores Regionais. Estes conselhos de gestão regional compostos por todos os SMS de uma microrregião ou região são o espaço precípuo para a organização da rede assistencial, e para um planejamento regional a partir das necessidades de saúde da população de seu território.

Os novos recursos devem ser aplicados no apoio aos CIR para comporem uma assessoria técnica competente e no investimento regional a partir de um planejamento de médio prazo para garantia da atenção conforme necessidades. O CIR é um espaço para construção da cooperação, onde os gestores municipais em parceria com o gestor estadual podem se articular para oferta comum de serviços insuficientes com economia de escala, implantando centros de especialidades, criando laboratórios públicos regionais (ou ampliando o laboratório dos hospitais públicos), qualificando hospitais públicos regionais, de modo que os secretários municipais de saúde deixem de ser reféns dos prestadores privados.

Assim, o planejamento e financiamento da União devem prever aumentos progressivos e acelerados dos gastos da União com o SUS (não com incentivos fiscais aos planos privados de saúde como recentemente divulgado na imprensa) até triplicar sua participação no PIB que hoje é de apenas 1,7%.

Em síntese, os novos recursos devem ser aplicados:
Na implantação de unidades básicas de saúde com estrutura e equipamentos adequados; na formação clínica para atuação em atenção primária dos 30 mil médicos e 30 mil enfermeiros das atuais equipes de saúde da família; na qualificação dos ACS para atuarem como agentes de saúde coletiva nos territórios; na valorização dos profissionais de atenção primária;

Na implantação e manutenção regionalizada de laboratórios, centros de especialidades, de diagnósticos e procedimentos especializados públicos (definidos a partir de planos estaduais e regionais, conforme necessidade de atenção e parâmetros nacionais); na ampliação, recuperação e equipamento dos hospitais públicos;

Numa política nacional de medicamentos que amplia a disponibilidade de medicamentos na atenção básica e no SUS (os gastos com medicamentos são o principal item de despesa dos pagamentos diretos das famílias com saúde);

Numa carreira nacional de profissionais de saúde do SUS;

Na definitiva implantação e universalização do cartão SUS e no registro de cada cidadão ao seu médico de família e comunidade;

Na formação massiva de médicos de família e comunidade para o SUS, em residências valorizadas; e na criação de departamentos de medicina de família e comunidade em cada universidade federal;

Na implantação de modelos assistenciais inovativos, pilotos, de redes de atenção regional coordenada pela atenção básica /equipes de saúde da família acompanhados por pesquisas avaliem sua qualidade, eficiência e impactos na saúde da população, de modo que possam monitorar e avaliar as inovações e quando exitosos orientar sua expansão para outras regiões.

frizzMaria Lucia Frizon Rizzotto, diretora executiva do Cebes, Doutora em Saúde Coletiva

A única forma de construirmos um sistema de saúde para todos e frearmos o avanço do setor privado é com a destinação de mais recursos para o setor público. Destaco como uma linha prioritária para investimento o campo de recursos humanos em saúde, por considerar que a oferta de serviços de saúde, apesar da possibilidade de alta incorporação tecnológica, exige o trabalho humano em ato para a sua realização.

Mudanças no modelo de atenção e na melhoria da assistência à saúde passa, necessariamente, por quem realiza o trabalho fim, ou seja, os profissionais da saúde (a gestão é apenas um meio). A valorização desses profissionais com garantia da carreira-SUS, pisos salariais nacionais,  desprecarização dos vínculos, condições adequadas de trabalho e formação e educação permanente são algumas áreas que precisam urgentemente de investimento público federal.

As Diretrizes Nacionais do PCCS-SUS e as políticas da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) precisam ser acompanhadas de investimentos do governo federal. A folha de pagamento dos municípios tem sido sobrecarregada com salários dos trabalhadores da saúde e a Lei de Responsabilidade Fiscal, frequentemente, tem sido utilizada como argumento para a redução da oferta de serviços de saúde à população. O Ministério da Saúde, a exemplo do que ocorre com o Ministério da Educação, deve destinar mais recursos aos municípios para fazer frente aos gastos com os trabalhadores da saúde.

1florentinoFlorentino Júnio Araújo Leônidas, estudante de Saúde Coletiva da UnB e membro do Fórum de Graduação em Saúde Coletiva da ABRASCO

O que fazer com mais recursos para à Saúde? Saúde é a resposta mais adequada. A afirmação de que precisamos de mais recursos para fixar o SUS  não contrapõe a necessidade de eficiência na gestão, pelo contrário, o aumento de recursos vai permitir que o SUS definitivamente entre no século XXI, com uma gestão moderna, eficiente e arrojada.

O aumento de recursos também permitirá que possamos aumentar nosso tom na defesa do SUS, só com mais recursos conseguiremos ampliar as ações do SUS e melhorar a qualidade dos serviços prestados, o que será um importante  passo para a disputa do projeto do SUS em sociedade, para além do aumento de recursos e da gestão, outra importante disputa que temos no plano do SUS é a disputa da concepção e o aumento da defesa do nosso projeto por parte da sociedade. Afirmando que saúde não é mercadoria, mas que tem custos e que fizemos a opção por assumir estes custos.

Todas estas conquistas, deverão ser asseguradas empregando o dinheiro em medidas estruturantes, como:

1- Ampliação da cobertura da atenção básica à saúde, visando a universalização com a criação de carreiras adequadas para os trabalhadores;
2- Universalização das residências médicas e regulação do mercado profissional, com ampliação de cursos de medicina;
3- Uma profunda estratégia para o enfrentamento da ampliação irresponsável e da dependência por parte do SUS da rede privada;
4- Aumento de investimentos em novas tecnologias e insumos estratégicos, aumentando a capacidade de respondermos de forma eficiente e ágil as demandas de saúde da população;
5- Fortalecimento da regionalização do SUS, aumentando a receita para investimentos e gastos dos munícipios e regiões de saúde.

Para termos mais saúde, precisamos de mais recursos.

cristiniCristiani Vieira Machado, médica, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, professora e pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz

O aporte de mais recursos é fundamental para o fortalecimento do Sistema Único da Saúde, no sentido da garantia da universalidade e da integralidade da atenção. Destaco alguns pontos relevantes:

1. Fortalecer o planejamento regional e realizar investimentos para expandir os serviços públicos, visando à redução das desigualdades em saúde;

2. Expandir e qualificar a rede de atenção básica em saúde, garantindo a articulação entre promoção, prevenção e atenção clínica, em um sentido ampliado. Isso deve incluir estratégias de acesso público a exames complementares e a medicamentos, nos casos necessários. Há de se enfrentar as lacunas e os estrangulamentos nesse âmbito, que têm levado cada vez mais à expansão de mercados privados (no caso dos exames) e a altos gastos das famílias (principalmente com medicamentos);

3. Aprimorar os mecanismos de coordenação e regulação das redes de serviços de saúde, visando a garantia do acesso das pessoas aos serviços necessários, nos vários níveis de complexidade, incluída a atenção às urgências e os demais tipos de referências entre serviços;

4. Expandir e realizar investimentos na rede de laboratórios oficiais produtores de medicamentos, visando fortalecer a produção nacional pública de medicamentos estratégicos e a assistência farmacêutica pública e gratuita;

5. Recuperar e melhorar as condições de infraestrutura de hospitais públicos, incluídos os hospitais universitários;

6. Melhorar as condições de trabalho e os níveis de remuneração dos trabalhadores do SUS, visando aumentar a atratividade dos empregos públicos. Investir na formação e na qualificação dos trabalhadores de saúde, voltadas para as necessidades da população e prioridades do SUS;

7. Investir em Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde, para aumentar a autonomia nacional e adequar o desenvolvimento tecnológico às necessidades de saúde da população brasileira;

8. Regular a incorporação tecnológica em saúde no país (nos setores público e privado);

9. Fortalecer as estratégias de controle e avaliação da qualidade de produtos e serviços relevantes para a saúde (no âmbito da vigilância sanitária), visando à redução de riscos à saúde da população;

10. Retirar os subsídios estatais diretos e indiretos ao mercado de planos e seguros de saúde;e regular fortemente esse segmento, no sentido da contenção do seu crescimento e subordinação ao interesse público.

correaLuisa Regina Pessôa, arquiteta, coordenadora geral do Programa de Capacitação em Incorporação de Tecnologias em Saúde da Escola de Governo em Saúde/ENSP e doutora em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz

Penso que com mais recursos para a saúde poderiamos formar uma rede de profissionais, arquitetos, engenheiros e técnicos, competentes e compromissados, para o Gerenciamento do Parque Técnológico da Saúde.

Poderíamos expandir e transformar a Rede de Saúde, por meio de obras e reformas,  com maior eficiência, sem desperdiçar os recursos que temos.

Poderíamos implantar um programa de manutenção para que nossos investimentos em prédios, instalações  e equipamentos dos mais simples aos mais sofisticados durem e sejam mais seguros.

Com o Parque Tecnológico melhor cuidado, teremos mais qualidade e segurança para a população.

marioshMário Scheffer, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, membro do conselho do Cebes e doutor em Ciências da Saúde

A agonia do sistema de saúde brasileiro não passa somente pelo subfinanciamento e pela má gestão. Assegurar a perenidade do sistema universal dependerá da maneira como circularão e como serão utilizados possíveis novos recursos. Dependerá, essencialmente, da relação entre o público e o privado na saúde.

A sociedade merece ser informada sobre o custo total do nosso sistema de saúde, sobre os interesses envolvidos na divisão do bolo de 8% do PIB, e sobre o que hoje determina a reserva de menor fatia para a saúde pública.

O destino da nossa riqueza coletiva está nas despesas públicas e privadas. Uma análise de cenários focada só em aumentar os recursos públicos estará  viciada por um  erro sistemático.

Há uma falsa unanimidade em defesa do SUS, reconstruída na ressaca após derrota da regulamentação da EC 29 e na campanha pelos 10% de recursos da União para a saúde. A bandeira por mais recursos tremula também sob a ótica contábil de grupos privados e interesses corporativos, que historicamente  nunca se colocaram  ao lado das reais necessidades sociais e sanitárias. Tais forças atuam no interior do SUS e buscam  sequestrar as fontes públicas de financiamento para turbinar os agentes privados que representam.

O ideário privatista e liberal materializa-se no significativo orçamento direcionado para as Organizações Sociais (OSs); nos subsídios, isenções, deduções fiscais e investimentos diretos de recursos públicos ao setor privado; na regulação frouxa que alavanca um  mercado artificial de planos de saúde pobres para pobres; na multiplicação de hospitais especializados pertencentes a grupos financeiros; nos comportamentos de maximização dos lucros; na “filantropização” cínica e autorizada dos estabelecimentos privados cinco estrelas.

Tudo isso tem  bagunçado a alocação de recursos no Brasil. Quanto mais a reserva de  dinheiro da saúde estiver concentrada em grupos particulares, menor a capacidade do poder público de influenciar o comportamento dos prestadores e produtores e de avançar na direção da equidade, da qualidade e do controle dos custos. Mais gasto privado  fragmenta ainda mais o sistema de saúde, , diminui a característica redistributiva do financamento baseado nas taxas de impostos progressivos, impede a justiça na alocação de recursos.

É preciso expor em praça pública as entranhas do público e do privado na saúde, refazer essa conta sob o olhar atento da sociedade, para que as consequências das escolhas fiquem claras para todos.

carlos-oceCarlos Ocké, Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA, Doutor em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pós-doutor em Ciência Política pela Yale University

Os formuladores de política lidam com a aspiração de produzir um sistema de saúde universal em um contexto de restrição fiscal do Estado. Parece haver uma contradição entre o modelo redistributivo preconizado na Constituição brasileira e o nível de gasto público em saúde. Por exemplo, o National Health System inglês, modelo semelhante ao preconizado pela Constituição brasileira, apresenta um nível de gasto público em saúde que representa 85,7% do total de recursos, enquanto o percentual do gasto público brasileiro é de 45,3%.

Considerando esta restrição orçamentária, o Estado não tem sido capaz de responder às necessidades de cobertura, a um só tempo, impedindo que o SUS se fortaleça e deixando espaço para o crescimento do mercado de planos de saúde. De tal modo que o Brasil enfrentaria um sério problema na provisão pública da assistência à saúde, caso o financiamento do SUS fosse reduzido e o acesso ao sistema restringido.

Os problemas de gestão do SUS decorrem também desta crise crônica de financiamento, porém o Ministério da Saúde e os secretários municipais e estaduais de saúde devem buscar incrementar a eficiência do SUS, alocando recursos com base nas necessidades de saúde da população, para promover a eqüidade e a melhoria da qualidade da atenção médica.

Vale dizer, a partir da análise do sistema americano, Krugman e Wells sugerem que há pouca evidência de que o setor privado possa oferecer assistência à saúde mais eficiente do que a oferecida pelo governo, o que tornaria o papel do setor público para a organização do sistema de saúde ainda mais decisivo.

Lamentavelmente, nesses longos anos, predomina a visão da saúde como fonte de despesa, afastando-a da ideia de direito social ou valor humano. Apesar desta aparente derrota ideológica, o clima de incerteza ao redor da proposta de reforma fiscal no futuro do orçamento da seguridade social poderá ser revertido com a introdução de uma nova fonte de financiamento estável e segura no longo prazo, tornando o SUS uma realidade mais próxima de nossos cidadãos e trabalhadores.

21 de fevereiro de 2012

juranirfurtosoJurandi Frutuoso, Médico Sanitarista, Secretário Executivo do CONASS e Conselheiro Nacional de Saúde (CNS)

A partir de um planejamento estratégico que defina claramente os processos a serem executados e os resultados a serem alcançados para a sociedade, alocar recursos  financeiros em programas estratégicos que organizem e qualifiquem todos os pontos de atenção das redes de atenção à saúde das áreas prioritárias (materno infantil, urgência e emergência, saúde mental e doenças crônicas).

A alocação de recursos deve contemplar três componentes fundamentais: custeio, investimento e capacitação. E ser feita de forma a contemplar uma metodologia que vise a redução das desigualdades regionais – seja dentro dos estados, seja entre os estados e as regiões brasileiras.

Eeymardymard Mourão Vasconcelos, Médico, mestre em Educação, doutor em Saúde Pública e em Medicina Tropical e membro do conselho do Cebes

A questão “o que fazer com mais recursos para a saúde?” tem por trás o pressuposto de que novos recursos para a saúde deverão ser direcionados para prioridades a serem estabelecidas, por meio de normas administrativas e programas que acabam engessando o gestor que se depara com a diversidade surpreendente de demandas. Isto tem se repetido muito na história do SUS: recursos novos vêm amarrados em programas específicos, obrigando os gestores a fazer grandes piruetas administrativas para adequá-los às necessidades locais.

Precisamos tornar o SUS mais eficaz por meio da ampliação da participação popular, do controle da corrupção, da responsabilização dos gestores que não aplicam bem os recursos e de vários outros mecanismos de controle administrativo e jurídico, mas respeitando a autonomia dos governos municipais, estaduais e federal, legitimados pelas eleições, escolherem suas prioridades e suas ênfases, contanto que dentro dos princípios já definidos pela legislação sanitária do país. Precisamos sim de mais recursos para aproximar o SUS de suas propostas iniciais: atenção integral, valorização da promoção da saúde, enfrentamento dos determinantes sociais das doenças, etc.

Para isto, é fundamental que os trabalhadores do SUS não sejam mais submetidos a contratos de trabalho precários que, muitas vezes, não respeitam nem os direitos trabalhistas assegurados na CLT. O SUS, por esta precarização do trabalho, vem causando muita doença e sofrimento entre seus trabalhadores. Sem um quadro de trabalhadores estável, apoiados pedagogicamente e com canais claros de participação na busca de soluções, não conseguiremos cumprir os princípios do SUS. Um SUS doente não pode gerar saúde na população. E a falta de recursos financeiros tem sido determinante desta precarização do trabalho em saúde.

marisocorroMaria do Socorro de Souza, representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS)

1- Implementação de um plano de estruturação da rede pública de saúde nos municípios de médio e pequeno porte (hospitais, laboratórios, centros de referências). Há hospitais e pronto-socorros que foram construídos há mais de 50 anos e nunca tiveram uma reforma sequer. Não podemos dispor de mais recursos para serem apropriados pelo setor privado e deixar a rede pública estatal sucateada.

2- Desenvolvimento de uma política nacional que valorize os profissionais de saúde, pois desta forma poderemos assegurar dedicação exclusiva destes para o SUS.

3- Investimento em pesquisas e inovações tecnológicas.

20 de fevereiro de 2012

josenorJosé Noronha, doutor em Saúde Coletiva, coordenador adjunto da Associação Latino Americana de Medicina Social (Alames) e Diretor ad-hoc do Cebes

Em 2007, o Brasil já comprometia 8,4% de seu PIB com gastos com ações e serviços de saúde, situando o país nos mesmos patamares de apropriação da riqueza nacional para a saúde de países da OCDE, como o Reino Unido (8,4%), Espanha (8,5%), Itália (8,7%) e Austrália (8,9%). Evidentemente esta participação no PIB não traduz a mesma magnitude no gasto per capita, que, para 2007, registrava em Paridade de Poder de Compra, US$ 884 para o Brasil, comparados a US$ 2.671, para a Espanha, US$ 2.686 para a Itália, US$ 2.992, para o Reino Unido e US$ 3.357 para a Austrália.

Com frequência, críticos conservadores, ao salientar o nível de comprometimento do PIB para efeitos de comparação, esquecem-se da magnitude do gasto, para justificar argumentos do mau uso dos recursos da saúde. O problema é que o “mau uso” está em outro lugar: na iniquidade com que esses recursos relativamente escassos ainda são captados, distribuídos e empregados no Brasil.25,9 % da população brasileira está coberta por planos e seguros de saúde. Descontados os gastos gerais, podemos estimar, para 2007, que os gastos per capita com atenção à saúde ficaram em R$ 480 para os que têm acesso exclusivamente aos serviços do SUS, contra R$ 1.128 para aqueles que também têm cobertura por planos e seguros.

Os segmentos de maior renda em sua grande parte estão cobertos pelas seguradoras especializadas em saúde. Os valores apresentados incluem tanto os planos coletivos, ofertados pelos empregadores, quanto os individuais, contratados diretamente pelos beneficiários. O valor médio da internação para este último grupo, pago pelas seguradoras de saúde foi, em 2009, de R$ 13.032,68, quatorze vezes superior ao valor médio pago pelo SUS. Alguém, de boa razão, acha que isto é justificável? Alguém, de boa razão, pode achar que R$ 550,00 pagam os gastos com maternidade e equipe profissional para um parto normal, seja razoável? Que pagar R$ 10,00 por consulta médica é razoável? Foi o que o SUS pagou em média em 2012, e continua pagando em 2013.

Para que mais dinheiro, portanto? Para melhorar a qualidade dos cuidados atualmente prestados, acabar com superlotação de nossas emergências, aumentar a oferta de serviços especializados acabando com a gigantesca fila para transplantes renais e implantação de próteses ortopédicas, para organizarmos redes assistências integradas de qualidade, para pagar decentemente os profissionais de saúde que se dedicam exclusivamente ao SUS, acabar com a “cobrança por fora da tabela” que diversos médicos praticam, estabelecer uma rede integrada de cuidados de longa duração e cuidados paliativos. Enfim, aproximar-nos dos padrões que de cobertura, qualidade e acesso que países como o Reino Unido, a França e a Suécia oferecem a seus cidadãos. A R$ 50,00 por mês por habitante, não é possível. Para fazer de atendimento domiciliar, saúde bucal, parto, hérnia, cirurgia cardíaca, diagnóstico e tratamento da AIDS, até transplante de rim e fígado e cuidar de uma população que envelhece rapidamente.

Referências:
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Contas Satélites da Saúde 2005-2007. Coordenação de Contas Nacionais; Diretoria de Pesquisas; IBGE; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão: Rio de Janeiro: IBGE, 2009. N.29

NORONHA, J. C.; SANTOS, I. S.; PEREIRA, T. R. Relações entre o SUS e a saúde suplementar: problemas e alternativas para o futuro do sistema universal. In: SANTOS, N.; AMARANTE, P. D. C.(Org.). Gestão pública e relação público-privado na saúde. Rio de Janeiro: Cebes, 2010. p. 159.

luisLuis Eugênio Portela, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)

Em primeiro lugar, devo dizer que se trata de uma pergunta muito pertinente, pois é comum, na área da saúde, novos recursos não ensejarem nem mais nem melhores serviços para os usuários.

Em segundo lugar, passo às minhas opiniões. Prioritariamente, os novos recursos para a saúde deveriam ser destinados à expansão do acesso a serviços de qualidade, integrados em redes e linhas de cuidado, voltados para parcela da população que tem hoje maiores dificuldades para utilizar serviços de saúde.

Outra aplicação importante se refere à qualificação do trabalho em saúde, com a implantação de planos de carreiras, contemplando uma remuneração digna, a dedicação exclusiva ao setor público e ações de educação permanente de todos os trabalhadores do SUS, incluindo seus gestores.

Os recursos deveriam também ser investidos no apoio à inovação tecnológica e ao desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde, com forte participação dos laboratórios oficiais e das empresas nacionais, orientados a produzir todos os insumos que a atenção integral à saúde exige.

E deveriam ainda ser usados para fortalecer as ações intersetoriais que tenham impacto sobre os determinantes sociais da saúde. Creio que, com isso, teríamos um sistema mais efetivo e eficiente.

19 de fevereiro de 2012

Soniafleury2Sonia Fleury, doutora em ciência política, pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas e ex-presidente do Cebes

Com mais recursos para a saúde é possível fazer:

1- um plano de metas de investimento de forma a acabar com o monopólio da rede privada em todas as localidades onde não exista serviço similar do SUS, o que torna o sistema público cativo da contratação do privado;

2 – mesmo plano de metas para acabar com dependência de monopólios de insumos, exames, fármacos e tecnologias, seja criando próprios ou em associação com privados, sempre que o contrato assegure maior poder ao SUS;

3- criar um sistema de pesquisa e avaliação da eficácia de todas as isenções e fluxos financeiros do SUS para os entes privados, definir parâmetreos para suspensão  e revisão de contratos;

4- criar um sistema de responsabilização, contratualização por metas e parâmetros de qualidade para toda a rede pública, a ser anualmente avaliada como é o caso da educação. Definir prazos para melhorias ou fechamento dos serviços;

5- qualificação, responsabilização e valorização salarial dos profissionais;

6- sistema de ouvidora conectado a defensoria, promotoria e auditoria com medidas de retorno e efetividade;

7- Interligação dos sistemas de controle externo, controle interno e controle social, além da Política Federal de forma enfrentar nacionalmente e eficamente a corrupção em saúde;

8- Exigência de Ficha Limpa para ocupar qualquer posição de mando no sistema de saúde público;

9 – Desvinculação do orçamento da saúde de ingerências partidárias como emendas parlamentares e indicações de diretores de hospitais e serviços;

10 – Aplicar a Lei da transparência em todos os serviços de saúde, nas compras dos serviços, nas contratações, impedindo que essas se dem de forma não concorrencial, como no caso das OS ou de forma ilegal como no caso de OSCIPs criadas oportunamente para tal finalidade contratual.

ronperRonald dos Santos, presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar)

Dar materialidade a um dos princípios do SUS, a integralidade da atenção. Mais recursos para a saúde significa ter mais recursos humanos e materiais para a garantia do direito Constitucional a Saúde.

Em 1994, quando a União aplicou mais de 10% das Receitas Brutas em saúde, vimos surgir o Programa Saúde da Família (PSF), hoje considerado uma grande conquista, que buscou colocar a atenção básica na linha de prioridade.

Tenho certeza que, com mais recursos, poderemos ter “inovações” do porte do PSF, como, por exemplo, a Carreira do SUS, a estruturação das Regiões da Saúde no SUS, a ampliação do acesso a medicamentos e insumos estratégicos, e, principalmente, a estruturação e fortalecimento de equipamentos públicos para a atenção e vigilância a saúde do povo brasileiro.

18 de fevereiro de 2012

tempor2José Gomes Temporão, médico, doutor em medicina social, ex-ministro de saúde, ex-presidente do Cebes e diretor-executivo do Instituto Sul-americano de Governo de Saúde (Isags)

Priorizar a estruturação de uma rede integrada de atenção primária no SUS, que tenha como base o atual PSF/NASF/CAPS/SAMU/Farmácia Popular, de alta qualidade, que cubra 100% da população brasileira (incluindo os 40% que hoje contam com planos e seguros privados).

Essa rede deve se integrar programaticamente com as áreas de educação, assistencia social, cultura, etc., em uma perspectiva transversal e transdisciplinar.

Ênfase absoluta em políticas e estruturas voltadas para a humanização, construção de vínculos, clínica ampliada.

Investir pesadamente em educação, aperfeiçoamento, capacitação dos trabalhadores da saúde. Pesquisa, inovação e fortalecimento da capacidade nacional para o desenvolvimento e produção de tecnologias necessárias para esse modelo.

anacosta4Ana Costa, Médica, Doutora em Ciências da Saúde e Presidenta do Cebes

Para que o Sistema Único de Saúde (SUS), conquistado e criado na Constituição de 89, se consolide como um projeto nacional, solidário e comprometido com a justiça social, é necessário, em primeiro lugar, que seja garantida uma fonte estável para o seu financiamento, ampliando o gasto público com saúde, que hoje é incompatível com as necessidades da população.

Mais recursos para a saúde são necessários para conferir o valor ético e político superior à vida e à saúde no contraponto aos valores do mercado e do capital, incompatíveis com a saúde. É preciso acabar definitivamente com o falso argumento da falta de gestão para explicar as mazelas do setor. Falta, antes de mais e melhor gestão, mais recursos para cumprir o conjunto das conquistas constitucionais para a saúde.

Mas, objetivamente, pediria a Presidenta Dilma o que fazer para melhorar a condição da saúde da população com mais recursos que o governo irá conceder mostrando o seu compromisso com a saúde?

A diretriz e primeira prioridade é acabar com a precariedade do atendimento nos serviços do SUS, garantindo prontidão e dignidade aos que precisam de cuidados de saúde. Aos que argumentam que esta diretriz ou proposta é imprecisa e vaga, vamos tentar então traduzi-las em algumas ações e metas concretas: Acabar com as filas nas emergências, nos ambulatórios gerais e especializados, particularmente nos tratamentos de cânceres, nas doenças crônicas, nas cirurgias eletivas; garantir a realização de exames que nunca devem ultrapassar 30 dias entre o pedido médico e o resultado no prontuário; ampliar a oferta de medicamentos para garantir a assistência farmacêutica.

É inadmissível que a população não tenha ainda acesso seguro e regular aos medicamentos e exames vinculados ao ato terapêutico, da mesma forma que é inadmissível que as mulheres gestantes continuem sem garantias de acesso e qualidade no atendimento ao parto.

Para estas conquistas, é necessário consolidar as redes assistenciais integradas que tenham a atenção primária como coordenadora da saúde e responsável pelo cuidado das pessoas, rompendo com a fragmentação e baixa resolutividade hoje existente.

É preciso fixar os profissionais que integram a equipe de atenção básica, garantindo o vínculo das pessoas. Dar condições de trabalho, qualificar.  É preciso radicalizar na consolidação desse modelo que dá segurança e garantia ao cidadão de que o estado, de fato, se responsabiliza por ele no dia a dia e na hora da doença e da necessidade.

Uma meta deve ser a de avançar neste modelo para tornar as UPAS prescindíveis, acabar com elas a curto prazo, por meio da instalação de redes permanentes e resolutivas que dêem conta de atender o universo da população, da atenção primaria ao serviço mais especializado, com qualidade.

As Upas atendem a interesses e objetivos não alinhados ao modelo da saúde preconizado, mundialmente reconhecido e eficientemente praticado. Mais que unidades de vínculo e de gestão do cuidado nos moldes recomendados, elas tiveram como objetivo e mérito  resolver as filas. Entretanto, esta “solução” é inadequada pois realizam atendimentos pontuais às necessidades das pessoas. Tentam, na verdade, sem sucesso, resolver uma situação decorrente da inoperância das redes de assistência. O único e definitivo tratamento para este problema é melhorar as redes, consolidá-las como recursos permanentes de cuidado à saúde com os quais a população vinculada sabe que pode contar.

Tem que ser recuperada a estratégia das redes de serviços integrais, que atendem famílias com suas diversas e complexas questões de saúde.  Para ter impacto e sustentabilidade, estas redes não devem ser fracionadas ou segmentadas por tipo de atendimento, patologia ou agravo. Caso contrário, o SUS retorna aos tempos da saúde publica pré-SUS, tempos dos programas verticais ineficientes, pautados pela lógica dos recursos e organização das equipes, não na necessidade integral de saúde dos usuários.

É preciso que o Brasil faça uma escolha definitiva por um sistema público e que os governos eleitos não tenham chance de recuar nesse propósito, de acordo aos interesses de cada grupo político que alça o poder. É preciso regular com firmeza a presença e as relações entre o público e privado.

Nessa perspectiva, estes novos e justos recursos para a saúde devem também ser aplicados nas tecnologias de combate à corrupção, no aperfeiçoamento da gestão pública da saúde, em melhora de salários e de condições de trabalho para os profissionais de saúde.

Entretanto, urge que sejam tomadas algumas decisões políticas que não podem mais ser adiadas como é o caso dos hospitais lucrativos que continuam sendo considerados como filantrópicos e, por isso, continuam recebendo subsídios públicos.

É preciso decidir pelo fim da dupla porta de entrada, uma para clientela SUS e outra para planos privados que existem hoje em inúmeros hospitais públicos e contratados.

Na perspectiva de fortalecer o sistema público de saúde, o SUS precisa contar com mecanismos legais que sejam baseados no estabelecimento de metas e responsabilidades sanitárias claras a serem cumpridas pelos gestores e governos.

O SUS vem avançando e se impondo no mar dos interesses privados na saúde, mas o seu ritmo de implantação esbarrou, de forma definitiva, na falta de recursos. Nesta perspectiva, há muito a ser feito para satisfazer as expectativas do povo que pede por mais recursos por meio do Movimento Saúde Mais Dez e, assim, cumprir o papel para o qual foi criado: ser um sistema público, universal e de qualidade.

 

Amanhã, confira as propostas de mais atores do setor da saúde.

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