Espera para tratar câncer é inaceitável

Correio Braziliense – 29/05/2012

O caos reinante na saúde pública não constitui novidade. Nos hospitais administrados pelo Estado, conjuga-se, à exaustão, o verbo faltar. Faltam profissionais, faltam leitos, faltam UTIs, faltam equipamentos, faltam remédios. Não só. Falta gestão. Elevadores parados, aparelhos sem funcionar, imprevisão de compras e gastos atestam o despreparo da gerência.

O outro lado da moeda tampouco surpreende. Aí, flexiona-se o verbo sobrar. Sobram filas, sobram enfermos sem atendimento, sobram doentes em maca, sobram reclamações, sobram erros, sobram mortes. Vidas que poderiam ser salvas se perdem nos escaninhos do descaso e da burocracia. É o caso dos pacientes de câncer.

Relatório de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) elaborado em parceria com o Ministério da Saúde e o Instituto Nacional do Câncer (Inca) apresenta dados que envergonham e revoltam. Os pacientes que necessitam de tratamento oncológico não recebem cuidados em tempo hábil. Esperam, em média, quatro meses o início das sessões de radioterapia.

Especialistas afirmam que a demora não pode ultrapassar seis semanas depois do diagnóstico ou da extração do tumor. Dados de 2010 retratam, com a frieza dos números, a situação alarmante da rede pública do Distrito Federal. Em 2010, das 2.246 pessoas que aguardavam cuidados radioterápicos, apenas 746 atingiram o objetivo. Significa que 60% dos brasilienses que precisavam do tratamento ficaram no caminho.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda um equipamento de radioterapia para cada 500 mil habitantes. O Distrito Federal dispõe de cinco. Apesar de obedecer à regra, porém, tem fila de espera de mais de 200 pessoas que, segundo as autoridades responsáveis, insiste em não diminuir. As razões são duas. Uma: defeitos constantes nas máquinas. A outra: a demanda do Entorno.

Os 2,5 milhões de habitantes da capital da República inflam. Chegam a 3 milhões. Aí, a conta não fecha. Os recursos encaminhados pelo Ministério da Saúde baseiam-se no número de moradores. Os vizinhos, assim, sobrecarregam o sistema. Esse, porém, não constitui fato novo. Desde sempre a rede pública de saúde do DF atende goianos e mineiros que, sem contar com unidades hospitalares nas cidades onde vivem, batem às portas da capital.

Ora, se o desamparo a que o Entorno é relegado não pegou o GDF de surpresa, como aceitar a desculpa do aumento da procura para o fracasso em tratamento que poderia ter êxito? O planejamento tem de prever a sobrecarga, e a administração precisa tomar as medidas cabíveis para dar respostas eficazes ao desafio. Apelar para jeitinhos ou entregar a Deus é dar chance ao azar. Azar cujo preço é alto. São vidas.