Estado promete ação
Correio Braziliense – 08/03/2012
Ministério da Saúde divulga intenção de reorganizar a rede de atendimento para dar atenção diferenciada às viciadas em crack. Especialistas afirmam que a recuperação está diretamente ligada à qualidade e particularidade do serviço oferecido às dependentes
O filósofo grego Aristóteles já ensinava 300 anos antes de Cristo. “Igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.” Homens, mulheres, meninos e meninas dependentes de crack reagem de maneiras variadas ao vício, desde os motivos que os atraem para o consumo até os que os encaminham ao tratamento. Em poucas palavras, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, admitiu ontem que, no contexto das drogas, é preciso um olhar especial para tratar as mulheres. “Por isso, (estamos) reorganizando uma rede de atendimento diverso para realidades diversas”, escreveu Padilha em seu Twitter, em resposta à reportagem “Crack, A pedra no caminho de Edna”, publicada na edição de ontem.
Desde o último domingo, o Correio publica a série de reportagens Mulheres de Pedra, que aborda os sintomas e consequências do uso de crack no universo feminino. Há muito mais usuários homens, porém, autoridades engajadas no enfrentamento dessa dependência são categóricas em afirmar: É preciso uma atenção diferenciada no caso das dependentes. Quase todas as viciadas engravidam no período de uso do entorpecente. Sete em cada 10 são mães e se tornam multiplicadoras dos efeitos devastadores do crack. Às vezes, ainda no útero.
Embora mais vulneráveis, a recuperação para elas é mais lenta e de difícil acesso. Faltam opções de tratamento específicas e força de vontade da família e, muitas vezes, delas próprias em expor o problema. “Mães de meninas viciadas costumam vir à comunidade terapêutica, pegar informações, mas não internam as filhas. Têm vergonha de escancarar a situação”, diz Cláudia Britto. Ela preside a Transforme, uma unidade que acolhe adolescentes. Atualmente, têm 24 leitos ocupados com internos dependentes, a maioria em crack, apenas três são meninas.
Ao reconsiderar o tratamento de dependentes químicos, o Ministério da Saúde promete estruturar a rede pública e diferenciar os serviços para homens e mulheres. “Existem estudos que mostram resultado muito mais promissor quando há oferta de serviço focada nas mulheres. Se as mulheres estão dissolvidas e diluídas na porta geral do sistema, a presença delas é muito menor e a adesão ao tratamento é pequena. O resultado é ruim”, explica o diretor do Departamento Técnico de Saúde Mental Álcool e Outras Drogas do governo federal, Roberto Tykanori Kinoshita.
Ele afirma que a situação retratada pelo Correio reforça o entendimento de que mudanças são necessárias. “A questão das mulheres já chama a atenção há algum tempo. Quando você oferta tratamento específico para usuárias de droga, a eficácia é diferenciada. A gente iniciou um contato com algumas pesquisadoras da área. Com base nisso, vamos orientar toda a nossa rede e oferecer ações dirigidas a elas. Faremos a abordagem de gênero a partir deste ano”, especifica Tykanori.
Talvez a decisão do ministério faça aumentar a procura pelo Centro de Apoio Casa Azul, em Padre Bernardo (GO). A idealizadora do projeto Ana Dóris da Silva construiu uma fazenda capaz de abrigar até 20 internas. Mas, hoje, apenas quatro mulheres fazem tratamento lá. “É uma questão cultural. A família esconde muito a mulher viciada. A divulgação do problema é tardia e isso dificulta na recuperação. A sociedade não enxerga a dependência como doença, mas um delito”, diz Dóris, que se aposentou do Ministério da Fazenda e mantém a instituição, desde 2007, com recursos próprios e ajuda de amigos.