Estranha relação

Especialistas comentam a participação da Abramge, entidade que reúne empresas que atuam no mercado de planos de Saúde na subcomissão de Saúde Suplementar da Câmara dos Deputados.

“O objetivo é maximizar seus lucros, como entidades de fins lucrativos que são, em detrimento de qualquer efeito na melhoria da saúde da população”. Essa é a conclusão a que chegou a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz (ENSP/Fiocruz), e diretora do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), Aparecida Isabel Bressan, sobre a participação da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge) na subcomissão de Saúde Suplementar da Câmara dos Deputados, instalada por sugestão do deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) para revisar a legislação sobre o sistema de saúde complementar e apresentar um novo marco regulatório para o setor. Isso porque a Abramge é órgão que reúne empresas que atuam exatamente no mercado de planos de saúde.

A notícia de que representantes da Abramge foram convidados a orientar os trabalhos da  Subcomissão, ocorrida na semana passada, assustou especialistas e profissionais da saúde que veem nesta estreita relação a oportunidade clara de o setor privado oficializar seus negócios em detrimento dos interesse público dentro da própria Câmara.  O jornal O Globo do dia 19 de julho publicou matéria na qual informava que a Abramge chegou a apresentar um roteiro de temas a serem trabalhados na subcomissão. “Na reunião, que ocorreu na última quarta-feira (12), o advogado e dirigente da Abramge, Dagoberto José Steinmeyer Lima, sentou-se à mesa, ao lado do presidente da subcomissão, deputado André Zacharow (PMDB-PR), e apresentou o roteiro”, diz o texto. Em seguida a matéria acrescenta: “Zacharow, na sua campanha eleitoral, teve apoio do setor e recebeu R$50 mil da Unimed. O relator da subcomissão, Mandetta (DEM-MS), dirigiu a Unimed em seu estado”.

Isabel Bressan lembra que a comissão foi criada pelos deputados. Por esse motivo, os membros da comissão se sentem no direito de selecionar os convidados ao seu modo sem consultar instituições ou organizações da sociedade civil. “As entidades convidadas a colaborar com a subcomissão são escolhas dos deputados membros da comissão. E nenhuma entidade da sociedade civil foi chamada a opinar além das operadoras e dos prestadores de serviços de saúde. Da parte dos órgãos Públicos apenas a Agência Nacional de Saúde (ANS) foi ouvida uma única vez”, critica Isabel Bressan.

Na opinião da pesquisadora, as instituições ligadas ao movimento sanitário deveriam se mover para evitar que a Abramge ou outras instituições ligadas a planos de saúde promovam suas ações sem serem incomodadas. “Creio que essas entidades deveriam interpelar os deputados para que explicitem afinal qual são seus posicionamentos em relação aos assuntos citados e que benefícios afinal trarão para a saúde da população as medidas que pretendem implementar por meio de Leis. Devem explicar também porque consideram falhos os marcos regulatórios estabelecidos pela ANS e porque não consideram essa Agência legítima como órgão de Estado regulador”, apontou Isabel.

Compromisso eleitoral

Autores do estudo “Representação política e interesses particulares na saúde”, sobre financiamento de campanhas eleitorais pelas empresas de planos de saúde, Mário Scheffer e Ligia Bahia recriminaram, em entrevista ao O Globo, a intervenção da Abramge na organização da subcomissão. “É a volta do mesmo e bem-sucedido lobby, que atuou em outras ocasiões. Com total impedimento ético. E, desta vez, com roteiro e tudo, ou seja, tudo documentado – disse Mário Scheffer, da USP. – O que é preocupante é que, na verdade, essa comissão, criada para regulamentar, vai é desregulamentar. É a autonormatização do setor. É um paradoxo – completou Ligia Bahia, da UFRJ e vice-presidente da Abrasco.

Em relação ao custo-benefício oriundo da eleição 2010, Isabel não vê uma relação direta entre a Unimed – que teria financiado parte da campanha de alguns deputados – e presença da Abramge na comissão. “Segundo informações, o presidente da comissão recebeu doação da Unimed em sua campanha eleitoral e o relator já foi presidente de Unimed. Porém a Abramge congrega operadoras que são concorrentes da Unimed no mercado de planos de saúde. Então não dá para sugerir que esses deputados tenham algum tipo de compromisso eleitoral de defender os interesses da Abramge especificamente. Parece levar em conta os interesses das operadoras de modo geral e a Abramge está se mostrando mais ágil que as operadoras dos outros setores para organizar os interesses”, opinou.

Ainda segundo Isabel, não há dúvidas, porém, que Mandeta pretenda promover uma regulação do mercado de planos de saúde que contemple diretamente o interesse das operadoras de forma geral. “Ele (Mandeta) afirmou na reunião da subcomissão, no dia 06 de julho, que ‘a ANS baixou uma série de portarias que interferem diretamente na relação custo-benefício desses planos e que não foram devidamente acordadas com o setor’. Uma explanação como essa deixa muito claro que é o desejo das operadoras e a disposição dos parlamentares em regulamentar esses assuntos por meio de lei e não mais deixar que sejam regulamentados por meio de normativos da ANS como acontece  hoje”, disse a pesquisadora, que sinaliza uma mistura de indignação e surpresa diante de uma união com tamanha incoerência ser oficializada: “Me preocupa o fato de haver uma união de parlamentares em prol das causas das operadoras de planos de saúde, a ponto de contrariar uma política de Estado que é a regulação de mercados por meio de Agências Reguladoras”, finalizou.