Estudo investiga alternativas à cristalização de gorduras em guloseimas

Bruno Freitas/ Correio Braziliense

Estudo da Unicamp investiga alternativas para um dos grandes desafios da indústria de alimentos: manter a cristalização das gorduras em biscoitos e margarinas sem alterar o sabor e tornar os produtos nocivos

Biscoitos recheados, chocolates, margarinas e outros alimentos que compõem a mesa do brasileiro e contêm lipídios ou gorduras na formulação podem ficar ainda mais gostosos se devidamente controlados durante os processos de produção, estocagem e transporte. É o que revela tese de doutorado em tecnologia de alimentos desenvolvida ao longo de quatro anos na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Propondo a adição de dois emulsificantes, a pesquisadora Maria Aliciane Fontenele Domingues conseguiu controlar a cristalização de gorduras, processo que influencia na consistência, na textura e na palatabilidade de diversos tipos de alimentos industrializados à base de gordura. A substituição de gorduras parcialmente hidrogenadas — ricas em ácidos graxos trans e maléficas à saúde — por um tipo mais saudável tem alterado, nos últimos anos, fisicamente as guloseimas, levando a situações desgostosas ao consumidor ao abrir a embalagem e encontrar, por exemplo, um biscoito mole.

“Problemas na formação dos cristais das gorduras interferem diretamente na produção dos alimentos, causando a exsudação de óleo em biscoitos recheados. Durante a estocagem e o transporte, pode ocorrer perda de óleo do recheio para o biscoito, prejudicando a textura e aparência dele. Isso é um problema de cristalização. A gordura não consegue ficar estável, dependendo de como ela foi produzida e de qual matéria-prima está ali. Isso também pode ocorrer em margarinas e chocolates”, explica a pesquisadora, ressaltando que a cristalização de lipídios ou gorduras é um dos maiores problemas e, portanto, desafio, da indústria de alimentos.

As principais dificuldades, apontam a tese, estão relacionadas aos processos industriais, às diferenças climáticas das regiões do Brasil e às condições de transporte e estocagem, impostas por longas distâncias entre as fábricas e os pontos de distribuição final. Por meio dos aditivos emulsificantes triestearato de sorbitana e o estearato de sacarose — ambos baseados em açúcares e bastante utilizados pelas fábricas –, Maria Aliciane modificou as gorduras industriais em termos de polimorfismo, consistência e microestrutura, alcançando resultados satisfatórios que podem servir de base para a indústria e futuras pesquisas científicas.

Além de aumentar a estabilidade e a homogeneidade de misturas, os emulsificantes podem ser usados como alteradores do processo de cristalização. Durante a pesquisa, eles foram adicionados a três tipos de gorduras industriais livres de ácidos graxos trans: a gordura interesterificada (modificada) de soja, o óleo de palma e uma fração média do óleo palma. “Conseguimos fazer com que as características de cristalização dessas gorduras fossem modificadas. Os testes, portanto, demonstraram resultados satisfatórios que servirão como base de informação”, avalia Domingues.

A principal contribuição da tese, na avaliação da pesquisadora, é o alcance de resultados práticos e funcionais, comparados às gorduras hidrogenadas — especialmente no caso da interesterificada de soja. “Um paralelo entre a curva de sólidos e a da cinética de cristalização demonstra que as características físicas da gordura interesterificada de soja são muito parecidas com as de uma gordura comercial. Só que essa gordura não tem trans”, acrescenta Domingues.

Desafios

A química Lireny Aparecida Guaraldo Gonçalves, orientadora da tese de doutorado, sustenta que, apesar de nocivas à saúde, as gorduras hidrogenadas e trans são tecnologicamente melhores dos que as saudáveis. Uma distinção que tem desafiado os fabricantes de guloseimas, uma vez que as linhas de produção das fábricas praticamente não sofreram modificações desde que o alerta sobre os malefícios à saúde das gorduras trans surgiu, mudando de certa forma o hábito alimentar de muitos brasileiros.

“As indústrias vêm buscando alternativas para conseguir fazer com que as gorduras mais saudáveis, como as interesterificadas, tenham as mesmas características das trans, sem que se façam grandes alterações físicas dentro das plantas de produção industrial, o que exigiria um custo muito alto. Uma tentativa de equacionar o problema da substituição das gorduras trans por outras com características diferentes, mas com aplicabilidade semelhante, é o desenvolvimento de pesquisas”, defende.

A pesquisa desenvolvida na Unicamp é especialmente relevante, ressalta a química, por detalhar informações e dados ainda não encontrados na literatura científica. Os resultados obtidos ainda servem de referência ao setor, uma vez que propõem a possibilidade de alterar as gorduras sem grandes mudanças no leiaute industrial. “A pesquisa da Aliciane é muito importante, pois apresenta um nível de detalhamento ainda não encontrado na literatura científica sobre o tema”, avalia Lireny Gonçalves.