Falta recurso para tratamento

Publicado em: 09/07/2012 11:26:34

Correio Braziliense – 09/07/2012

Em locais como a Estrutural, onde muitas famílias vivem em contato diário com o lixo, a tuberculose e o tracoma assustam. Mesmo assim, o DF recebe menos de 0,5% de verba destinada pelo Ministério da Saúde para combater as doenças negligenciadas

O catador de lixo Luan dos Santos da Silva, 20 anos, vive em um dos pontos mais pobres do Distrito Federal. O barraco que divide com a mulher e a filha de 1 ano foi montado com tábuas de madeira em uma invasão atrás da Estrutural. Ao lado da casa improvisada, há montanhas de entulhos, que são despejados no local por diversas empresas e servem como fonte de renda para Luan e sua família.

No galpão de reciclagem onde trabalha, o catador e dezenas de colegas ficam em contato permanente com o lixo. Diante de tanta precariedade, o jovem contraiu tuberculose no ano passado. Ele faz parte de um grupo de 313 pessoas que tiveram a enfermidade em 2011. Nos últimos cinco anos, 1.824 brasilienses foram infectados pelo bacilo causador da doença e pelo menos 15% deles morreram.

A tuberculose é uma das doenças negligenciadas com maior incidência sobre o Distrito Federal. Esse mal tem cura, mas o tratamento demora seis meses e, por conta disso, mais de 5% dos pacientes abandonam os antibióticos antes do fim desse prazo. Com isso, o risco de morte aumenta. Luan da Silva recebeu orientações claras sobre o perigo de não seguir o tratamento. Na Estrutural, onde vive, há uma equipe do programa Saúde da Família e um agente visita o barraco da família diariamente para se certificar de que o jovem tomou a medicação. “No começo, fiquei com medo e muito assustado. Tive pneumonia e tiveram que fazer drenagem no meu pulmão. Mas depois de 15 dias, fiquei melhor”, relembra Luan, que já concluiu o tratamento.

O agente de saúde Jean Souza da Costa conta que visita periodicamente todos os pacientes com tuberculose e com hanseníase. “Entrego o remédio e confiro se a pessoa tomou corretamente”, explica o profissional. O trabalho é motivo de elogios do paciente. “Gostei muito desse serviço, dá para ver como eles se preocupam de verdade com a gente. Se eu parasse de tomar o remédio, depois teria que fazer mais um ano de tratamento”, analisa o catador Luan dos Santos. Como o programa Saúde da Família atende hoje menos de 20% da população do DF, a maioria dos brasilienses não recebe essa mesma assistência e as chances de falhas no tratamento são altas.

Cegueira

Além dos casos de tuberculose, a Estrutural é uma região que preocupa a Secretaria de Saúde por conta da alta incidência de outra doença classificada como negligenciada: o tracoma. Essa enfermidade oftalmológica e altamente contagiosa não é grave e tem cura. Mas se não diagnosticada e tratada adequadamente, pode deixar o paciente cego. A Organização Mundial da Saúde estabeleceu como meta que todos os países eliminem a cegueira causada pelo tracoma até 2020.

A doença normalmente só é diagnosticada quando há buscas ativas, ou seja, não é o infectado que procura um hospital, mas servidores da Saúde que investigam para identificar possíveis doentes. Equipes fizeram um levantamento no ano passado em escolas de ensino fundamental das áreas rurais de
Brazlândia e de Planaltina, além da Estrutural. O percentual chamou a atenção: 13% dos 2.653 estudantes tinham tracoma.

Diante desse índice, a Secretaria de Saúde decidiu fazer um tratamento em massa em duas escolas da Estrutural até o fim do ano. Com isso, todos os alunos e suas famílias terão que tomar antibióticos. “A maioria está no estágio inicial, mas, quando há reinfecções ou irritação, existe o risco de a doença levar à cegueira”, justifica a gerente de Doenças Crônicas e dos Agravos Transmissíveis da Secretaria de Saúde do DF, Rosa Nancy Urribarri.

Ciência

O presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Carlos Henrique Nery da Costa, explica que o avanço das chamadas doenças negligenciadas tem relação com o processo rápido de urbanização nas grandes cidades. “Brasília é o protótipo de um ambiente quase que exclusivamente urbano, que é o local principal onde as doenças tropicais e negligenciadas estão piorando”, comenta o especialista. Para ele, falta uma política pública mais eficaz. “Falta uma lógica política que seja baseada em ciência”, acrescenta.

Segundo o Ministério da Saúde, o combate a essas doenças será intensificado no país. Em fevereiro, a pasta anunciou o investimento de R$ 25 milhões, dos quais R$ 100 mil serão destinados ao DF. A maior parte dos recursos vai para regiões consideradas endêmicas e com maior número de casos, como Pernambuco, Pará, Maranhão e Bahia.

O diretor do Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cláudio Maierovitch, lembra que o termo doença negligenciada surgiu porque essas enfermidades atingem mais de 90% da população mundial, mas recebem menos de 10% dos recursos de pesquisa. “Esse termo se sedimentou como sinônimo de doenças de países pobres. Mas algumas delas já estão em processo de eliminação”, explica.

Ele afirma que um dos focos do Ministério da Saúde é melhorar o diagnóstico de enfermidades como a hanseníase. “Os profissionais médicos devem diagnosticar com facilidade e tratar adequadamente esses pacientes. Havia uma visão de que essa doença seria de difícil diagnóstico, mas isso deixou de ser verdade há muito tempo. Hoje, 90% deles ocorrem no consultório”, comentou o diretor. “Estamos investindo nesse caminho e preparando os serviços de saúde para avançarmos na direção da eliminação da doença”, finalizou.

“Brasília é o protótipo de um ambiente quase que exclusivamente urbano, que é o local principal onde as doenças tropicais e negligenciadas estão piorando”

Carlos Henrique Nery da Costa, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical