Filme que denuncia violações na Embrapa é proibido; empresa nega

Embrapa.documentárioPor Conceição Lemes em Viomundo

Sempre que se pensa em Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) quase automaticamente vêm à cabeça suas pesquisas e seus pesquisadores.

Pudera. Dos seus 9.783 empregados, 2.389 são investigadores. Os demais 6.394, analistas ou assistentes.

Os analistas têm nível superior. Incluem-se aí desde biólogos, agrônomos, veterinários (também podem fazer pesquisa) a advogados, jornalistas.

Os assistentes, apesar do nome pomposo, constituem a “peãozada”. Em geral, são os que realmente põem a mão na massa nos laboratórios, nas plantações, enfim em todo tipo de experimento necessário às pesquisas que desenvolve. Sem esses trabalhadores não há pesquisa.

Na região de Manaus (AM), a empresa tem dois campos experimentais: o Distrito Industrial Suframa, mais conhecido como DAS Manaus (a 54 km da capital); e o Rio Urubu ( a 140 km de Manaus),ambos ligados à Embrapa Amazônia Ocidental.

Em dezembro de 2011, já fora do expediente, na hora do jantar, dois trabalhadores (um concursado e outro terceirizado) se envolveram numa briga no DAS Manaus, logo apartada pelos colegas.

A Embrapa puniu-os direto. Deu cinco dias de suspensão para cada um. Contrariou a 11ª cláusula do acordo coletivo de trabalho que diz que para haver punição é preciso antes fazer sindicância para apurar o caso. Não houve.

Em função dessa ocorrência, Simone Alves, presidente da Seção Sindical Amazonas do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf) foi até o DAS Manus averiguar o que havia acontecido.

Ao chegar lá, encontrou uma porção de irregularidades, entre as quais estas:

* Trabalhadores sem sair do local de trabalho por uma semana, 15 dias, até um mês.

* Sementes guardadas em locais com mofo, animais e goteiras.

* Funcionários aplicando agrotóxicos sem equipamento de proteção.

* Falta de água potável e banheiro na área das plantações.

* Nenhuma estrutura para socorrer rapidamente os trabalhadores que se machucam ou passam mal. O caminhão que os transporta para o campo só volta na hora do almoço; muitas vezes nem isso acontece.

* Falta de alojamento adequado.

“Nós encontramos trabalhadores em condição de cárcere privado”, expõe Vicente Almeida, presidente do Sinpaf. “Ou seja, eles não tinham o direito de ir e vir diariamente para as suas casas, como o supervisor, pois a empresa não lhes dava condição. Eram mantidos lá dentro contra a vontade e numa condição desumana. Não tinham roupa de cama, havia alimentação vencida, água alterada. Em janeiro de 2012, nós os resgatamos.”

Em agosto de 2012, o Sinpaf denunciou à Organização Internacional do Trabalho (OIT) a existência de trabalho degradante e análogo à escravidão nas dependências da Embrapa, em Manaus. A reclamação baseia-se na Convenção nº 29 da OIT, segundo a qual, trabalho forçado ou obrigatório é “todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob a ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade”.

“Além de o Brasil ser signatário da OIT, a Embrapa é uma empresa pública vinculada ao Ministério da Agricultura”, observa Almeida. “Isto torna a denúncia do Sinpaf à OIT mais grave.”

DOCUMENTÁRIO MOSTRA SITUAÇÃO EM CAMPOS EXPERIMENTAIS

O Sinpaf expõe esse quadro no documentário A Vida não é Experimento, onde trabalhadores e dirigentes dão seus depoimentos.

O filme completo tem 33 minutos (pode ser visto aqui); a parte referente à Embrapa, 21. As gravações foram feitas no final de 2012 e início de 2013. A empresa não autorizou a filmagem dos seus ambientes de trabalho.

O documentário foi lançado no dia 26 de abril.

Em 17 de abril, portanto nove dias antes, a direção nacional do Sinpaf reuniu-se com o novo presidente da Embrapa, Maurício Lopes, e entregou-lhe uma cópia. O objetivo era alertá-lo sobre graves violações trabalhistas que estavam ocorrendo em alguns campos experimentais. O presidente do Sindicato fez questão de salientar que esperava que a realidade retratada no documentário fosse um episódio do passado.

Porém, na data do lançamento, ele recebeu notificação, visando impedir a divulgação do filme.

Em papel timbrado da Embrapa, ela está assinada por Gerson Soares Alves Barreto, chefe de gabinete do presidente.

Entre as alegações, a de que os testemunhos no vídeo “não parecem condizer com verdade e que sua divulgação pode trazer sérios prejuízos à imagem e ao conceito que a Embrapa alcançou durante esses 40 anos”.

“Esperávamos uma postura de parceria para corrigir essas distorções e não retaliação. Em pleno século 21, recorrer a um instrumento de coação [a notificação] é descabida, um erro histórico”, diz Vicente Almeida.

“A Embrapa está agindo contra dois direitos básicos: liberdade sindical e acesso à informação. Não recuaremos quanto à exibição do vídeo, pois essas histórias precisam ser vistas para que episódios como esses fiquem no passado.”

Vicente está na Embrapa desde 1999, quando entrou como estagiário. É engenheiro agrônomo com mestrado em planejamento e gestão ambiental. Em 2005, por meio de concurso, tornou-se pesquisador na área de impacto ambiental.

Esta repórter consultou a Embrapa para saber por que havia mesmo proibido o documentário A Vida não é Experimento. Por meio de sua Secretaria de Comunicação, respondeu ao Viomundo:

A Embrapa não proibiu a veiculação do vídeo e nem teria esta capacidade. O objetivo da citada carta é alertar sobre os riscos jurídicos de disseminação de informações equivocadas sobre as condições de trabalho dos empregados da Empresa e garantir a verificação dos fatos apontados antes da sua veiculação pública. A Embrapa possui procedimentos internos para verificação de irregularidades, e as denúncias não foram registradas em nenhum deles. Mesmo assim, o conteúdo do vídeo está sendo avaliado pela Empresa para providências que eventualmente se façam necessárias.

A Embrapa é uma empresa pública federal regida pela CLT tendo uma gestão voltada para o cumprimento dos princípios gerais da Administração Pública, zelando pelas condições de saúde e de trabalho de seus empregados com programas de qualidade de vida, apoio a luta contra dependência, dentre outras. Quanto à segurança no trabalho, cumprimos rigorosamente a legislação, inclusive com a atuação efetiva da CIPA em todas as Unidades, rede de técnicos e engenheiros do trabalho e fornecimento de equipamentos de proteção individual.

A notificação ao Sinpaf contradiz a resposta da Embrapa ao Viomundo.

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TÉCNICOS DO CEREST E VIGILÂNCIA SANITÁRIA CONFIRMAM DENÚNCIA

Se esses problemas denunciados no vídeo foram sanados?

“Não dá para saber”, afirma Almeida. “No final de 2012 e início de 2013, tentamos entrar nos campos experimentais da Amazônia para fazer averiguações e gravar o documentário. A empresa nos impediu.”

Em março de 2012, por solicitação do sindicato, técnicos do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do Amazonas (Cerest Estadual), Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Manaus(Cerest Regional), Vigilância Sanitária Municipal, INSS, Sinpaf e Embrapa fizeram uma visita técnica ao Campo Experimental do Distrito Industrial Suframa, o DAS Manaus.

Quase na mesma época, auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) estiveram no DAS Manaus e na sede da Embrapa no Amazonas.

Os relatórios do Cerest Estadual, Cerest Regional e da Vigilância Sanitária Municipal apontam uma série de riscos aos trabalhadores.

Desde alimentos fora da validade sendo servidos aos trabalhadores, água (inclusive) e solo contaminados por lixão a céu aberto, fezes e urina de morcego em depósitos e dormitórios, até “na aplicação de agrotóxicos, profissionais utilizando EPI’s [Equipamento de proteção individual] como bota, máscara com filtro, avental e luvas que estavam completamente danificados”. (íntegra no final desta reportagem)

Conclusão do relatório dos Cerests Estadual e Municipal:

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Relatório da Vigilância Sanitária de Manaus aponta, entre outras irregularidades, alimentos com prazo de validade vencido:

 

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O relatório dos auditores fiscais do Ministério do Trabalho (íntegra no final da reportagem) diz respeito principalmente ao DAS Manaus, onde o Sinpaf identificou trabalhadores em cárcere privado. Mas é bem diferente do elaborado pelos Cerests e da Vigilância Sanitária, embora a inspeção tenha sido quase na mesma época – mais precisamente de 24 de janeiro a 29 de fevereiro de 2012.

Primeiro, em negrito, dizem que não encontraram condições de trabalho análogas à escravidão. Porém, no parágrafo seguinte, na mesma página, afirmam que a Embrapa se comprometeu a estudar uma solução para o transporte dos trabalhadores para que os mesmos tivessem como retornar às suas casas.

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“Eles mesmos se contradizem”, atenta Almeida. “Confirmam que a empresa deixa os trabalhadores em condições de cárcere privado. Depois, ao observar que a empresa ‘já consertou’ alguns itens, os auditores ratificam as péssimas condições denunciadas pelo Sinpaf.”

Em função dessas acusações, no final do ano passado, a Embrapa denunciou por calúnia à Polícia Federal o presidente nacional do Sinpaf, Vicente Almeida, e a presidente da Seção Sindical Amazonas do sindicato, Simone Alves. A empresa usa o relatório do Ministério do Trabalho como prova de que as denúncias do Sindicato são mentirosas.

conteudo

 

 

 

 

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Na resposta ao Viomundo, relembramos, a Embrapa diz que:

… possui procedimentos internos para verificação de irregularidades, e as denúncias [feitas pelo Sinpaf] não foram registradas em nenhum deles.

… zelando pelas condições de saúde e de trabalho de seus empregados com programas de qualidade de vida, apoio a luta contra dependência, dentre outras. Quanto à segurança no trabalho, cumprimos rigorosamente a legislação, inclusive com a atuação efetiva da CIPA em todas as Unidades, rede de técnicos e engenheiros do trabalho e fornecimento de equipamentos de proteção individual.

“A Embrapa continua impedindo a nossa entrada nos campos experimentais. Além disso, nunca procurou o Sindicato formalmente para solução dos passivos com esses trabalhadores”, arremata Vicente Almeida. “Se ela não tem o que esconder, por que age assim? De forma que reafirmo todas as denúncias contidas no vídeo A vida não é um experimento.”

Relatório da visita técnica ao DAS Manaus da Embrapa feita pelos centros de Referência em Saúde do Trabalhador Estadual e Municipal by Conceição Lemes

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