Funcia dá subsídios à CPI da Covid sobre a irresponsabilidade federal no custeio ao combate da pandemia
Por Francisco R. Funcia, especial para o Blog da Saúde. Francisco R. Funcia é economista, mestre em Economia Política pela PUC-SP e vice-presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres)
A CPI da Covid-19 poderia começar a investigação obtendo subsídios junto à Associação Brasileira da Economia da Saúde (Abres) e à Comissão de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde (Cofin/CNS), que, de abril a dezembro de 2020, publicou 33 boletins.
Entre os subsídios, com base nos dados analisados do planejamento e execução orçamentária do Ministério da Saúde para as ações de enfrentamento da Covid-19, destacamos:
1) Não houve participação do Ministério da Saúde em termos de coordenação do processo de financiamento tripartite do SUS.
As decisões sobre critérios de aplicação desses recursos, inclusive para transferências fundo a fundo para Estados, Distrito Federal e Municípios, não seguiram o rito legal (Lei 8080/90, Lei 8142/90 e Lei Complementar 141/2012) de serem pactuadas na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e encaminhadas para aprovação do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
O que representa também flagrante desrespeito à diretriz constitucional de participação da comunidade na gestão tripartite do SUS.
2) O Ministério da Saúde, por meio do Fundo Nacional de Saúde, assumiu um papel muito similar ao de um agente financeiro pouco eficiente, considerando a lentidão e a irregularidade temporal para realização das despesas de enfrentamento da Covid-19.
Algumas provas disso:
— Enquanto o número de casos e mortes crescia nos meses de abril a julho, uma grande parte dos recursos orçamentários ficou sem utilização em 2020, como demonstraram os boletins do Cofin/CNS, entre os quais este de 31 de dezembro de 2020.
— Até o final do ano de 2020, na modalidade aplicação direta, recursos usados para compra de kits de testagem, medicamentos para intubação, vacinas e insumos para produção nacional, apoio para estruturação física das unidades de saúde por meio de compras centralizadas para entregas descentralizadas, entre outras ações, foram em valores muito baixos se comparados à gravidade dessa doença.
— Houve até redução de recursos do orçamento, o que dificultou ainda mais a possibilidade de contribuição federal para ações diretas e junto com Estados, Distrito Federal e Municípios.
— O principal crédito extraordinário aberto para compra de vacinas, no valor de R$ 20 bilhões, ocorreu somente no final de 2020. Dos R$ 24,5 bilhões que totalizaram os três créditos extraordinários abertos para compra de vacinas, R$21,6 bilhões ficaram de saldo que foi reaberto para utilização em 2021.
— Até julho de 2020, houve baixo valor empenhado, e até agosto de 2020, baixo valor liquidado e pago, para o caso das transferências fundo a fundo a Estados, Distrito Federal e, principalmente, Municípios.
A lentidão e irregularidade na utilização dos recursos combinadas à retirada de recursos orçamentários para as transferências aos Estados (de R$ 10 bilhões para R$ 7 bilhoes em meados de 2020) e o crédito extraordinário de 20 bilhões para vacinas somente no final do ano evidenciam a responsabilidade do governo federal pelo crescimento exponencial do número de casos e mortes por covid-19 no Brasil, bem como pelo atraso na vacinação contra Covid-19.
Para que não haja qualquer dúvida sobre a irresponsabilidade federal no combate à Covid-19, houve ainda a pá de cal do Projeto de Lei Orçamentária da União para 2021.
O PLOA 2021 foi enviado ao Congresso Nacional SEM UM CENTAVO DE REAL programado para despesas de enfrentamento da Covid pelo Ministério da Saúde, vacinas, ações de atenção à saúde e estruturação da rede de atendimento à população nos hospitais e unidades básicas existentes nos mais de 5.570 municípios brasileiros.
Sempre é bom lembrar que a União é responsável por apenas 42% do financiamento do SUS, embora fique com cerca de 57% da receita disponível total (e os Estados com 25% e os municípios com 18%).
Participação federal que, por sinal, está em queda (exceto em 2020 devido à pandemia) em decorrência da Emenda Constitucional 95/2016.
A EC 95 estabeleceu o teto de despesas primárias no valor de 2016 e o piso federal do SUS congelado no valor de 2017 (ambos somente atualizados pelo IPCA, enquanto a população cresce 0,8% ao ano, ou seja, a cada ano, menos receita por habitante é alocada para o SUS feferal). A despesa per capita federal do SUS caiu de R$ 595 em 2017 para 583 em 2019.
O gasto público consolidado em Saúde no Brasil é de cerca de 4% do PIB, contra 7,9% do Reino Unido, e abaixo de vários países europeus e vizinhos da América do Sul.
Portanto, essa absurda programação nula de recursos para enfrentamento da Covid-19 no PLOA 2021 está relacionada também ao aprofundamento da política de austeridade fiscal conduzida pelo governo federal.
Foi essa política (com suas regras fiscais) que inviabilizou inclusive a possibilidade de emendas parlamentares para corrigir essa distorção.
A saída encontrada é a abertura de créditos extraordinários para financiar as ações federais de combate à Covid-19.
Só que é inconstitucional –por não se tratar de despesa imprevista e urgente neste ano de 2021, porque conhecida e pesquisada nesse um ano de existência– e ilegal — por inviabilizar o planejamento das ações de caráter tripartite no âmbito do SUS. Ela desrespeita as Leis 8080/90 e 8142/90 e as Leis Complementares 101/2000 e Lei de Responsabilidade Fiscal – 141/2012).
Até quando?