Gastão Wagner defende reformas no SUS para enfrentar neoliberalismo e precarização do trabalho na saúde

Na abertura da 1ª Conferência Livre de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde (1ª CLGTES), promovida pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), o médico sanitarista Gastão Wagner destacou a necessidade urgente de reformas no Sistema Único de Saúde (SUS) para enfrentar os desafios impostos pelo neoliberalismo, que, segundo ele, tem enfraquecido o sistema público de saúde no Brasil ao longo dos últimos 34 anos. Wagner criticou a precarização do trabalho no setor e defendeu a criação de uma carreira nacional unificada para os profissionais de saúde do SUS. O evento, realizado em 24/8, teve como objetivo organizar propostas e eleger delegados para a 4ª Conferência de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde (4ª CNGTES), cujo tema é “Democracia, Trabalho e Educação na Saúde para o Desenvolvimento: Gente que faz o SUS acontecer” e deve acontecer de 10 a 13 de dezembro. 

O presidente do Cebes, Carlos Fidelis, fez uma fala inicial onde traçou um rápido panorama do cenário político atual, com a saúde espremida entre políticas de austeridade fiscal e um Congresso Nacional que ganha cada vez mais poder político com emendas parlamentares cada vez mais polpudas. Fidelis também lembrou da carta-compromisso que a Frente pela Vida entregou ao então candidato Luis Inácio Lula da Silva com propostas para o SUS. O documento defendia um SUS com financiamento 100% público, garantia de financiamento para a saúde e uma carreira própria para a área. “Estamos caminhando para essa direção, mas com as dificuldades que todos nós conhecemos”, disse. “Um serviço público de qualidade, humanizado e com acesso universal é a garantia do exercício da cidadania, de fato”, afirmou.  

Wagner iniciou sua fala abordando a influência estrutural do neoliberalismo na economia e na cultura, identificando-o como um obstáculo significativo para a implementação e avanço do SUS. Para ele, o SUS está há uns 15 anos “empacado”. “Não estão conseguindo desconstruir e privatizar completamente o SUS. E temos uma dificuldade muito grande em avançar na sua implementação do SUS e na reforma sanitária”, afirmou. Para ele, a história do SUS se confunde com uma certa hegemonia neoliberal sobre o setor. 

O sanitarista ressaltou a precarização global do trabalho como um dos principais efeitos do avanço neoliberal, que, segundo ele, tem transformado direitos trabalhistas em privilégios. Essa precarização, argumentou Wagner, também atingiu o SUS, impactando diretamente o financiamento e a gestão de pessoal. Ele apontou que o sistema de saúde necessita de pelo menos R$ 40 bilhões a mais por ano do governo federal para garantir investimentos adequados em áreas como atenção primária, vigilância em saúde, saúde mental, e formação de profissionais. “O neoliberalismo tem uma influência sobre a gestão e a cultura do SUS”. Segundo Wagner, a proposta do neoliberalismo para a saúde é a terceirização do setor via Organizações Sociais (OSs), que ganharam grande influência nos últimos 15 anos.  

Propostas para Fortalecer o SUS 

Wagner defendeu que, além das críticas ao neoliberalismo, é essencial que a reforma do SUS vá além de atores da gestão – muitos acabam se alinhando ao modelo neoliberal – e englobe também os movimentos sociais, que devem ir além do movimento sindical, para pressionar o setor em prol de uma saúde pública. “Tivemos pouquíssimas vitórias trabalhistas ao longo da existência do SUS”. Para Gastão, o movimento da enfermagem foi exemplar nesse sentido de englobar todos os trabalhadores e trabalhadoras do setor na luta pelo piso salarial: enfermeiras, técnicos de enfermagem e trabalhadores auxiliares. 

Ele sugeriu a criação de uma carreira integrada e nacional no SUS, ressaltando a necessidade de diretrizes unificadas para todos os profissionais de saúde, independentemente da localidade onde atuam. Segundo ele, essa carreira deveria incluir progressão por mérito e concursos públicos unificados, com um piso salarial estendido para todas as profissões. “Não dá pra separar a luta pela Carreira Unificada do SUS da defesa do SUS”, apontou. Gastão lembrou que o governo atual organizou uma comissão para pensar essa carreira e apresentar, até dezembro, uma “carreira do SUS”. 

Ele reconhece que um dos grandes entraves para essa conquista seria justamente o federalismo da saúde no Brasil. Por isso, Wagner destacou a importância de uma abordagem tripartite para o financiamento do SUS, envolvendo governos municipais, estaduais e federal. Wagner sugeriu a criação de uma autarquia especial, que seria responsável pela gestão das carreiras no SUS, garantindo uma abordagem integrada e menos fragmentada do que a atual. 

Desafios e Perspectivas 

O sanitarista reconheceu as dificuldades para implementar essas mudanças, também pela resistência de algumas entidades e profissionais, como os médicos, que defendem carreiras separadas. No entanto, ele argumentou que é possível iniciar as reformas em alguns estados e municípios mais favoráveis à proposta, pressionando os gestores públicos e partidos políticos a adotarem as novas diretrizes. 

Wagner concluiu seu discurso enfatizando a importância de um movimento social amplo que una trabalhadores da saúde e usuários do SUS na defesa de um sistema público de saúde mais justo e eficaz. “Precisamos garantir a humanização, a qualidade e a afetividade no SUS, superando a precarização e garantindo os direitos dos trabalhadores e usuários”, disse. “O SUS é solidariedade”, finalizou.