Governo dará sachês de vitaminas a crianças de até 4 anos em creches
Giuliana Miranda/ Folha de S. Paulo
Programa dos ministérios da Saúde e Educação deverá entrar em vigor no país em agosto
Suplemento será dado a partir dos 6 meses de idade para suprir carências, mas médicos questionam estratégia
Um programa dos ministérios da Saúde e da Educação prevê a distribuição de sachês com vitaminas e minerais para crianças entre seis meses e quatro anos de idade matriculadas em creches do país. O produto em pó será adicionado diariamente à comida dos alunos.
O objetivo do programa, batizado de NutriSUS, é suprir a carência de micronutrientes –como ferro e vitamina A. Embora possa ajudar a combater problemas associados a uma alimentação de baixa qualidade, como a anemia, esse tipo de suplementação não é unanimidade entre os especialistas.
Segundo o Ministério da Saúde, não é possível saber quantas crianças receberão o suplemento porque a lista de creches participantes não está fechada. Aderir ou não ao programa, que começará em agosto, é uma decisão de cada Estado, e o prazo de inscrições ainda não acabou.
Por isso, de acordo com a pasta, ainda não é possível informar o custo total da iniciativa ou detalhes do fornecimento dos suplementos.
A pediatra Roseli Sarni, presidente do departamento científico de nutrologia da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), participou das discussões com o governo e elogia a iniciativa por “encarar de frente a questão da carência nutricional na infância”.
Segundo ela, a estratégia antiga de suplementação de ferro com sulfato ferroso para prevenir a anemia não mostrou resultados a contento, por motivos como a baixa adesão dos pais.
“Com os sachês, pode-se suprir a carência de ferro e outros nutrientes nessa faixa de maior risco [lactentes e pré-escolares].”
Segundo Sarni, um estudo piloto da USP mostrou que as doses são seguras. Nessa pesquisa, foram usados sachês doados pela Unicef e já implementados em outros países, em sua maioria pobres.
“É possível argumentar que o Brasil não está na mesma situação da Índia ou de países da África, apesar de alguns índices serem compatíveis, mas seria leviano não experimentar outras estratégias”, afirma Sarni.
Hugo Ribeiro Jr., do departamento de Nutrologia Infantil da Universidade Federal da Bahia, também é a favor da iniciativa, mas diz que um dos grandes obstáculos do programa é a adesão.
“É trabalhoso colocar o pozinho todos os dias. Além disso, há uma possibilidade de alterar o sabor, o que poderia levar a criança a recusar o alimento”, completa.
Já o pediatra e nutrólogo Luiz Anderson Lopes, coordenador do ambulatório de distúrbios de crescimento de causa nutricional da Unifesp, faz críticas ao programa.
“A profilaxia só se justifica se você demonstra carência. Não tem por que tratar o que você não diagnosticou.”
Ele afirma ainda que não há indicadores seguros dessas deficiências no país. “O que há são erros na alimentação, e isso é que precisa ser corrigido. Uma alimentação inadequada com o suplemento continuará sendo uma alimentação inadequada. A pessoa pode pensar que a fortificação resolverá tudo.”
Lopes diz que a SBP já orienta a suplementação das vitaminas A e D em crianças menores de dois anos porque estudos mostraram essa necessidade. O suplemento nas escolas, segundo ele, pode sobrecarregar o organismo.
Sarni diz que as doses preventivas têm baixo risco de toxicidade. “Essa suplementação virá para substituir o complemento das vitaminas A e D, e os pais serão orientados. Mas mesmo que os dois sejam usados juntos, a dose total não será tóxica.”
Ela diz ainda que, de fato, não há estudos que mostrem a deficiência de nutrientes no país, mas análises de pesquisas com base na dieta permitem inferir que as carências são importantes. “Não dá para acabar com o problema com uma estratégia só. A fortificação é um passo a mais, mas não exclui a necessidade da alimentação adequada.”