Governo Dilma: O desafio dos cem primeiros dias na Saúde
Carlos Ocké-Reis (*)
Ricardo Menezes (**)
O Brasil equacionou o dragão da inflação. O presidente Lula combinou crescimento econômico, desconcentração da renda e inclusão social. Com apoio do Partido dos Trabalhadores e aliados, Dilma será capaz de dirigir a construção do Sistema Único de Saúde, alargando o acesso aos serviços públicos de saúde? Acreditamos que sim.
Em nosso meio, a política de fomento ao mercado de serviços de saúde nos parece rudimentar.
Ora, o compromisso do empresariamento médico e da medicina liberal com o SUS é duvidoso, e, infelizmente, boa parte dos dirigentes e gestores do PT não compreendeu que até a proposta apresentada pelo presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, visava a superar a ineficiência do modelo privado (liberal) de assistência médica e odontológica estadunidense.
Na verdade, a melhoria da qualidade dos gastos em Saúde exige a aplicação de mais recursos financeiros. A pedra fundamental reside no aumento dos salários e melhoria das condições de trabalho dos profissionais, visando o incremento da qualidade da assistência à saúde nos serviços do SUS.
A partir do pacto federativo e da mobilização do Conselho Nacional de Saúde, quais medidas deveriam ser tomadas no início do governo para afirmar, de fato, a saúde como direito social?
1. FINANCIAMENTO
Regulamentar a Emenda Constitucional (EC) nº 29/2000, resgatando os termos originais do projeto apresentado pelo senador Tião Viana (PT-AC), aprovado por unanimidade no Senado Federal em 2008. Uma vez definido o escopo das ações e serviços públicos de saúde, o financiamento da União passaria a ser calculado sobre as receitas correntes brutas, como o é para os estados (12%) e os municípios (15%), alcançando 10% do total de tais receitas até 2014.
2. GESTÃO
Boa parte dos problemas de gestão decorre do desfinanciamento crônico do SUS. Entretanto, é necessário atacar as fraudes, os desperdícios e a corrupção do sistema nas principais regiões metropolitanas, bem como propor uma alocação mais eficiente dos recursos (entre os serviços de atenção básica, média e alta complexidade) e uma organização racional das filas, para diminuir o tempo de espera nos serviços e reduzir as filas das cirurgias eletivas. Além do mais, deve-se eliminar, paulatinamente, as terceirizações e desencorajar as emendas individuais dos parlamentares em nome do interesse público e do planejamento das ações de saúde.
3. SUBSÍDIOS E RESSARCIMENTO
Os significativos subsídios da União destinados aos planos de saúde, e também aqueles destinados à fabricação de medicamentos, devem ser utilizados enquanto instrumento para reduzir os preços desses produtos, diminuindo o gasto das famílias em 2011. Igualmente, a Agência Nacional de Saúde Suplementar, órgão vinculado ao Ministério da Saúde, deve garantir com toda força o ressarcimento ao SUS, conforme estabelece legislação federal de 1998, mediante o cruzamento dos bancos de dados de usuários assistidos pelo SUS e pelos planos de saúde.
4. CONTRATO NACIONAL DE TRABALHO
O Ministério da Saúde deve criar uma carreira nacional multiprofissional e multidisciplinar – referente às atividades gerenciais e às atividades fim do SUS e elaborada em articulação com estados, Distrito Federal e municípios – carreira federal com caráter meritocrático, dotando assim o SUS de quadros técnicos bem remunerados e com permanente perspectiva de ascensão funcional.
Além dessas medidas, de um lado, é necessário persuadir as centrais sindicais, os funcionários públicos e os trabalhadores urbanos quanto à necessidade de, na Saúde, transitarmos do modelo individualista, ineficaz e custoso dos EUA (seguro privado) para aqueles modelos solidários, eficazes e economicamente viáveis consagrados pelo Estado de bem-estar social (seguro social e seguridade). De outro, é importante inibir um tipo de empresariamento médico, que transgride a ética da medicina ou se utiliza indevidamente do SUS. E, finalmente, é preciso avançar na redução da miséria, da desigualdade, dos baixos níveis educacionais e da violência social, pois, cotidianamente, tais fenômenos pressionam e desafiam o sistema.
(*) Carlos Octávio Ocké-Reis é economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
(**) Ricardo Fernandes de Menezes é médico sanitarista das Secretarias de Estado e Municipal de Saúde de São Paulo.